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Os 12 Trabalhos de Astérix e outras tantas curiosidades

Escrito por
João Pedro Oliveira
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É uma nova edição, revista e aumentada, da versão em livro do mais célebre filme dos irredutíveis gauleses. Traz capa nova e 40 ilustrações inéditas, tudo assinado por Uderzo. Não é um álbum de BD, mas desperta curiosidade. E a propósito dessa, partilhamos outras consigo.

É novo sem ser

Este não é um novo livro de BD. Na verdade, nem sequer é um livro de BD. O que teremos hoje nas livrarias é um álbum ilustrado do filme estreado a 20 de Outubro de 1976. Ou seja, um livro em prosa com ilustrações. Ao contrário do costume, foi o filme que deu em livro e agora dá qualquer coisa mais. Albert Uderzo, que aos 89 anos se afastou definitivamente da sua criação (O Papiro de César, o 36.º álbum, foi lançado em 2015 já sem o traço, escrita ou sequer supervisão do autor), voltou ao activo para assinalar o 40.º aniversário do filme com esta nova versão do álbum.

Mão velha, traço novo

Este regresso ao activo é relativo. A verdade é que a mão direita de Uderzo o traiu há já alguns anos e a sua capacidade de desenhar é hoje limitadíssima. Mas ele trabalhou directamente em tudo isto. A partir do argumento original escrito por René Goscinny e apoiando-se nos mais de mil esquissos que há 40 anos fez para o filme animado, Uderzo supervisionou um trabalho de restauro e criação que resultou em 80 páginas com 40 ilustrações inéditas de dupla página.

  

Goscinny e Uderzo
©DR

O daltónico dos 12 dedos

Ora, verdade também é que os problemas de Uderzo com as mãos não são de hoje. O francês nasceu em 1927, com seis dedos em cada uma delas, uma malformação que foi corrigida cirurgicamente. O pai do rapaz sempre achou que ele faria algo de excepcional com aquelas mãos estranhas (durante muito tempo insistiu em ver nele um virtuoso do acordeão). Só não terá previsto que o filho revelasse o talento a desenhar. Até porque Uderzo – e cá vai outra curiosidade – também é daltónico.

A história nas estórias I

A aldeia de Astérix e companhia foi inspirada na cidade real de Avaricum, que resistiu ao invasor romano. Ao contrário da aldeia dos irredutíveis, porém, Avaricum não resistiu ainda e sempre. Foram apenas 27 dias e depois o céu caiu-lhe em cima da cabeça: dos seus 40 mil habitantes, apenas sobreviveram 800.

Estátua de Vercingetórix em Alésia
©DR

  

A história nas estórias II

O grande herói da resistência gaulesa ao Império Romano foi Vercingetórix. Existiu mesmo, e tem lugar na História como nas estórias de Asterix. Inspirado pela resistência de Avaricum, comandou 80 mil homens contra as tropas de Júlio César. Não correu bem. Foi em Alésia, aquele sítio que Abraracourcix, chefe da tribo de Astérix, diz que não sabe onde é nem nunca ouviu falar. À falta de poção mágica que lhes valesse, os sobreviventes gauleses foram escravizados e Vercingetórix enviado para Roma e decapitado.

Chauvinismo gaulês?

Chauvinismo vem do francês chauvinism e inspira-se em Nicolas Chauvin, soldado francês às ordens de Napoleão que, conta-se, amava a pátria com tal fervor que foi ferido dez vezes em combate e dez vezes regressou à linha da frente. Ora, Asterix, quando muito, é uma paródia ao chauvinismo. Sendo gaulês, poderia ser outra coisa qualquer, desde que em minoria e resistindo ainda e sempre ao invasor. O mecanismo utilizado para representar os gauleses é idêntico ao utilizado com todos os povos na série. Utilizam-se traços caricaturais de povos de hoje (ingleses ou suíços, por exemplo) para descrever anacronicamente os povos antigos em que eles se filiam (bretões e helvéticos, no caso). E no entanto – eis finalmente a curiosidade – Uderzo e Goscinny tiveram de se defender publicamente de acusações de chauvinismo em Astérix, numa polémica que atingiu o auge na imprensa francesa em Outubro de 1973.

prancha de asterix, dominio dos deuses

©DR

Astérix e Viriato

Chauvinistas não, mas que estes gauleses têm as suas preferências, isso têm. Em todas as viagens que fizeram – e apesar de o cenário ter sido posto como hipótese por Uderzo – Astérix e Obelix nunca pousaram pé na Lusitânia. O esperado encontro com Viriato nunca aconteceu e o melhor que conseguimos foi uma referência em O Domínio dos Deuses (1971). A caricatura esgota-se numa tira mas está lá: baixinhos, calvos e de bigode farfalhudo, educados, simpáticos e com queda para a poesia. Antes, em Asterix o Legionário (1967), encontramos um legionário que canta sobre as lavadeiras da Lusitânia, numa referência à canção de Jacqueline Francois, "Les lavandières du Portugal", de 1965. E é tudo.

O irredutível mirandês

Em Setembro de 2005 foi publicada primeira tradução de Astérix em língua mirandesa, muito por esforço de um outro irredutível chamado Amadeu Ferreira, que percebeu que com este gesto poderia fazer mais pela preservação e reconhecimento da língua do que com a organização de cem colóquios. Depois de Asterix, l Goulés, surgiu L Galaton (O Grande Fosso), já em 2007, uma edição bilingue em mirandês e francês. O ultimo álbum de Astérix (O Papiro de César, 2015), já teve edição simultânea em português e mirandês.

batatas fritas

©DR

Batatas fritas

Astérix foi o nome utilizado para baptizar uma espécie de batata de casca rosada muito cultivada em França. Tem um formato oval-alongado e maior teor de amido do que água, duas características que a tornam especialmente indicada para a fritura em palitos. É, aliás, uma espécie muito utilizada industrialmente para fazer batatas fritas pré-congeladas. O que é que isso tem a ver com o caso? Faça o favor de ler Asterix e os Belgas (1979) e verá que foram os irredutíveis os responsáveis pela invenção da batata frita.

Descobertas gastronómicas

Foi também a tribo gaulesa que, nessa mesma aventura, propôs aos belgas o interesse dos mexilhões e a sua conjugação com batatas fritas. Antes, em Asterix Entre os Bretões (1968), já tinham criado o hábito do chá, quando Panoramix ensinou os locais a fazer uma infusão. Até aí, os bretões limitavam-se a beber água quente "com um farrapinho de leite" todos os dias, pontualmente, às cinco da tarde. 

prancha de asterix e o adivinho e pintura de rambrandt

©DR

prancha de asterix e o legionário e pintura de theodore Gericault

©DR

Pintura

Das muitas referências culturais que Goscinny sempre enfiou nas suas histórias e Uderzo encriptou nas suas pranchas, a pintura é talvez das mais fascinantes, até porque mais camuflada.  Eis dois exemplos, que podem abrir o apetite para este novo álbum ilustrado de Uderzo. Numa das cenas de O Adivinho (1972), pode apreciar-se uma reprodução caricatural muito clara de Lições de Anatomia, de Rembrandt. Noutra prancha, de Asterix o Legionário (1966), encontramos A Jangada de Medusa, de Theodore Gericault.

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