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tfvsjs: regalar o estômago, os ouvidos e os olhos

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Há muitos – demasiados – restaurantes com música ao vivo, mas o tfvsjs Café tem uma proposta nova na aliança entre música e comida. Fica em Hong Kong mas o conceito é exportável para todo o planeta.
Apesar da rapidez com que a informação hoje circula, ainda há fronteiras e inércias a vencer: por exemplo, boa parte do pop-rock que se faz na Ásia não tem visibilidade no Ocidente. Uma das facetas mais interessantes dessa produção asiática é o math rock, música dominantemente instrumental alicerçada em elaborados rendilhados de guitarra e padrões rítmicos fora do comum (recorrendo frequentemente a outras métricas que não o usual 4/4 – daí a alusão à “matemática”) e em rápida mutação. O género nasceu nos EUA no início dos anos 90 com os Don Caballero e os Slint e, no século XXI, encontrou terreno propício no Japão, irradiando daí para as regiões limítrofes.
Os mais notáveis representantes do math rock na Ásia continental são os tfvsjs, de Hong Kong, cujos membros tocam juntos (mesmo que sob outros nomes) desde os primeiros anos deste século, mas só em 2013 lançaram o primeiro disco, Equal unequals to equal.

 [“Days of Daze”, do álbum Equal unequals to equal (White Noise Records)]

A sua principal referência são os japoneses Toe, com os quais partilham os contrapontos entre as duas guitarras, a percussão irrequieta – no caso dos tfvsjs fazendo intervir dois bateristas em simultâneo – e as atmosferas elegíacas e melancólicas que podem gradualmente acastelar-se em nuvens de tempestade (com recurso moderado à distorção – o som de guitarra limpo é preponderante no math rock asiático).

 [“Between”, do álbum Equal unequals to equal]

Saiu em Julho passado o segundo álbum do quinteto, Zoi, que, tal como o primeiro, tem uma original e requintada embalagem em cartão, desenhada por um dos guitarristas, Adonian Chan, do estúdio de design Trilingua, que faz questão de promover uma linha de design local, a Hong Kong Beiwei Kaishu, que se reclama herdeira de uma tradição que vem da dinastia Qing. Os discos, que foram gravados e produzidos pela própria banda, podem ser adquiridos no Bandcamp dos tfvsjs.

 [“Battle from the bottom”, do álbum Zoi]

A banda tem mudado de local de ensaio em média uma vez por ano, devido sobretudo às reclamações dos vizinhos por causa do ruído – compreende-se que seja um assunto particularmente sensível numa cidade que alberga 7,3 milhões de habitantes em apenas 1100 km2 e ocupa o 4.º lugar do ranking de estados e territórios mais densamente povoados do mundo.

 [tfvsjs ao vivo]

Quando no final de 2013 foram, mais uma vez, expulsos do seu local de ensaio (que era também uma loja de instrumentos de percussão a cargo dos dois bateristas), o sexteto (na altura contavam também com um trompetista) ficou desolado, pois tinham feito um enorme investimento no espaço. Mas em vez de desanimarem, fizeram uma aposta mais audaciosa: tomaram conta de uma antiga fábrica na zona industrial de Kwun Tong, a mais densamente habitada e pobre de Hong Kong, e transformaram-na num restaurante – o tfvsjs Café ou tfvsjs.syut – que é também um estúdio e um espaço cultural, onde podem exibir-se filmes ou escutar palestras sobre design. Foram os membros da banda a renovar o espaço com as suas próprias mãos, recorrendo à reciclagem de mobiliário e materiais rejeitados, e são eles que cozinham (Pang, o baixista, é o chef), servem à mesa e gerem o espaço e os seus colaboradores são músicos de outras bandas.

[O tfvsjs Café]

Por entenderem que “Hong Kong tem tanta falta de interacções [humanas] como de espaço”, os tfvsjs assumiram o papel de agentes catalisadores das muitas profissões e talentos que proliferam na antiga zona industrial em torno do seu espaço e, com os amigos e vizinhos, meteram de pé o festival de artes Ngau Trip.

Eis uma aliança de espírito comunitário, do-it-yourself e talento criativo que bem poderiam ser replicados pelo mundo fora – e um exemplo que vale mais do que um ano de conferências de Richard Florida, o teórico da regeneração urbana e das “cidades criativas”. Convirá é que quem siga os passos dos tfvsjs escolha um nome mais fácil de reter para baptizar os seus projectos.

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