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A Ilha dos Silvos

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  • 4/5 estrelas
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Vlad Cioplea
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A Time Out diz

4/5 estrelas

“Se precisares de mim, assobia. Sabes assobiar, não sabes, Steve? É só juntar os lábios e soprar”, diz Lauren Bacall a Humphrey Bogart em Ter ou Não Ter, uma frase que ficou para a eternidade cinéfila. Fossem as coisas assim tão simples em A Ilha dos Silvos, do romeno Corneliu Porumboiu (12.08 a Este de Bucareste, Tesouro), onde o enredo depende da capacidade de um dos principais protagonistas, Cristi, um inspector da polícia que se deixou corromper por malfeitores, conseguir dominar o chamado “assobio gomero”, ou “el silbo”, como é conhecido na ilha canária de La Gomera.

Trata-se de uma linguagem ancestral por assobios, criada pelos guanches, os habitantes originais das Canárias, e que ali passou de geração em geração. Cristi tem que a aprender para poder comunicar com os mafiosos que vão libertar um cúmplice chamado Szot, que tem 30 milhões de euros escondidos algures e não os quer partilhar, e está internado num hospital de Bucareste. A informação sobre a localização de Szot no hospital e o número de polícias que o vigiam será transmitida, precisamente, através de “el silbo”, entre um prédio e outro próximo.

Em A Ilha dos Silvos, Porumboiu pega numa série de situações feitas, personagens tipo e estereótipos do cinema policial (nem falta a mulher fatal, uma morena que responde pela alcunha de Gilda, interpretada com a devida sensualidade por Catrinel Marlon) e acrescenta-lhes o excêntrico elemento da linguagem assobiada, para fazer um filme que é ao mesmo tempo um pastiche e uma glosa aplicada, com todos os efes e erres deste género clássico. A que não falta também o tradicional comentário sobre a corrupção na Roménia, neste caso entre as forças policiais e a classe jurídica (Cristi não é único a fazer jogo duplo, já que a procuradora encarregue do caso dos 30 milhões desaparecidos também quer molhar o pão na apetitosa sopa da maquia).

Um dos prazeres de A Ilha dos Silvos consiste em vermos como o realizador consegue pegar numa história policial convencional e linear, dar-lhe uma hábil volta e transformá-la numa trama tortuosa, que não pára de andar para trás e para a frente no tempo, e saltitar de personagem em personagem, sem se perder no meio dela ou alienar o nosso interesse. Não há um único momento em que a fita dê a sensação que vai derrapar para a inverosimilhança ou então precipitar-se no disparate.

Porumboiu filma com a sua habitual economia visual e expressiva, circunspecção dramática e toques de humor nonsense, introduzindo aqui e ali referências cinéfilas, mas que têm sempre a ver, de uma ou de outra forma, com a história e nunca surgem avulsas. Por exemplo, quando Cristi (interpretado pelo veterano Vlad Ivanov, que vimos recentemente em O Exame, de Cristian Mungiu, ou Toni Erdmann, de Maren Ade) e a procuradora se encontram na Cinemateca de Bucareste, o filme que está a ser exibido é A Desaparecida, de John Ford, precisamente numa cena em que as personagens estão rodeadas por índios, que não se vêem mas se fazem ouvir comunicando por assobios e outros ruídos imitados da natureza; e quando, perto do final de A Ilha dos Silvos, o polícia e o agente que o vigia na clínica em que foi internado vêem juntos um filme em DVD, este é um policial romeno dos anos 70 que envolve agentes corruptos.

Financiado com dinheiro romeno, francês, alemão e sueco, A Ilha dos Silvos é um muito feliz exemplo do melhor que se pode fazer na Europa em termos de co-produção. É caso para dizer que estamos perante um filme de três assobios.

Por Eurico de Barros

Escrito por
Eurico de Barros

Detalhes da estreia

  • Duração:97 minutos

Elenco e equipa

  • Realização:Corneliu Porumboiu
  • Argumento:Corneliu Porumboiu
  • Elenco:
    • Vlad Ivanov
    • Catrinel Marlon
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