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France

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France
Photograph: 3B
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A Time Out diz

Em ‘France’, Bruno Dumont falha desastrosamente o seu ataque ao mundo da televisão, da fama mediática e da informação em contínuo. Nem Léa Seydoux se salva.

France de Meurs (Léa Seydoux), a protagonista do filme de Bruno Dumont que leva o seu nome, é a mais célebre e carismática jornalista da televisão francesa, onde pontifica diariamente num canal de notícias em contínuo, quer em estúdio, fazendo entrevistas, quer em reportagens nos pontos mais quentes do planeta, metendo-se em situações perigosas para obter a imagem inédita ou a entrevista exclusiva. France tem toda a França a seus pés. O Presidente da República vem comer-lhe à mão, as pessoas interpelam-na na rua para tirarem selfies, e a sua assistente pessoal, uma lambe-botas diplomada, encarrega-se de a manter permanentemente elogiada.

Apesar de toda a fama de que goza, da fortuna que ganha e do conforto em que vive, France não é feliz. Não se dá bem com o marido, escritor, e o filho pequeno prefere teclar o smartphone a estar com ela. Um dia, no meio de um engarrafamento em Paris, atinge com o carro a moto de um entregador que tem de ir para o hospital, decide que é tempo de dar uma volta à vida, deixa a televisão e vai fazer uma cura num exclusivo hotel na neve. Só que a mesma imprensa cor-de-rosa e sensacionalista que fez alarde do seu acidente, segue-a sem ela dar por isso.

“France” é a mais atípica realização de Bruno Dumont, autor de filmes agrestes, turvos e tudo menos consensuais (La Vie de Jésus, L’humanité, Hadewijch), desconcertantes (o musical Jeanette, l’enfance de Jeanne D’Arc), satírico-grotescas (a série de televisão O Pequeno Quinquin, Ma Loute) e ocasionalmente mais acessíveis, como o excelente Camille Claudel 1915. Através da personagem de France, e dos seus estados de alma atormentados, Dumont parece querer satirizar e denunciar o mundo da televisão contemporânea, da celebridade mediática e da informação 24 horas sobre 24, manipuladora, reducionista e alienante.

Só que o faz com traços grossos e com sublinhados mais que óbvios, recorrendo a situações estereotipadas (ver as sequências da reportagem no barco de migrantes ilegais ou da entrevista à mulher do pedófilo, sem falar nas domésticas, em que France confronta o marido e o filho) e a personagens caricaturais (o empresário que perora sobre as virtudes da generosidade e da pobreza no luxuoso jantar beneficente).

E também sem uma pinga de sentido de humor, instalando uma solenidade tão insistente e pomposa que se torna ridícula, e soçobrando numa demagogia antimediática fácil, que não se compagina com a crítica à demagogia do jornalismo televisivo que pretende pôr em cena. (E aquele interminável desastre de automóvel em câmara lenta perto do final, é para levar a sério ou é uma paródia falhada a um dos mais irritantes clichés do cinema?)

A personagem de France é falha de textura humana, veracidade dramática e complexidade psicológica. Ela é parte uma versão de Christiane Amanpour assaltada por angústias existenciais e profissionais prontas-a-sofrer, parte “famosa” arrogante do mundo dos media que passa a assumir uma pose de pietà exibicionista. Léa Seydoux interpreta-a quase sempre com a expressão de alguém que está a sofrer de problemas digestivos, e não de quem atravessa um intenso e doloroso processo de questionamento ético e de convulsão íntima. Bruno Dumont assina aqui um laborioso e enfadonho pastelão, para ser arquivado junto dos outros filmes antitelevisão desastrosamente falhados.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Bruno Dumont
  • Argumento:Bruno Dumont
  • Elenco:
    • Léa Seydoux
    • Juliane Köhler
    • Benjamin Biolay
    • Benoît Magimel
    • Blanche Gardin
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