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Music

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Kate Hudson embraces Maddie Ziegler against a floral curtain backdrop
Photograph: Supplied
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A Time Out diz

'Music' é um filme que desafina, insistente e atrozmente.

Em Music, a estreia na realização da cantora e compositora Sia, a actriz e bailarina Maggie Ziegler, sua habitual colaboradora, interpreta a personagem do título, uma adolescente autista que vive com a avó em Nova Iorque. Quando esta morre de repente, entra em cena Zu (Kate Hudson), a meia-irmã de Music, chamada de urgência para tomar conta dela. Só que além de ser uma alcoólica em recuperação e estar em liberdade condicional, Zu ganha a vida a vender fármacos sem receita por baixo da mesa. E não faz a menor ideia de como é que deve lidar com a meia-irmã. Ainda por cima, o dinheiro que ela esperava que a avó tivesse deixado, não existe. Ficou apenas um caderno com instruções detalhadas sobre como tratar de Music.

A história do familiar ausente que aparece de súbito para ajudar, com segundas intenções, um parente próximo que sofre de uma deficiência, e acaba por se tornar numa pessoa melhor e encontrar uma segunda vida graças a este, não é nova no cinema. Pensemos apenas em Encontro de Irmãos, de Barry Levinson, de que Music parece ser uma versão no feminino e sem “estrelas” de primeiro plano no elenco. Mas o problema deste filme de Sia não é o ser tematicamente derivativo e nada original. É querer ser, além de um drama familiar, uma fantasia musical; e pior ainda, falhar rotunda, embaraçosa e grotescamente na representação de uma pessoa autista, das suas circunstâncias e da forma de cuidar dela.

Sia está constantemente a interromper a acção com números musicais, com os quais pretende visualizar a forma como Music percepciona o mundo que a rodeia e os vários estímulos que recebe dele. Só que, com as suas encenações extravagantes, as suas cores berrantes e as suas coreografias frenéticas, parecem mais o cruzamento de telediscos infantis com sketches psicadélicos da Rua Sésamo, e anúncios a marcas de tintas, do que qualquer coisa remotamente relacionada com o mundo interior dos autistas (as canções que os acompanham, também compostas por Sia, são de uma mediocridade monótona).

A cantora e realizadora foi atacadíssima, nos media e nas redes sociais, em especial por não ter usado uma actriz autista, ou uma pessoa autista sem experiência de representação, para interpretar Music em vez de Maggie Ziegler. Na controvérsia que se seguiu, Sia meteu os pés pelas mãos, afirmando primeiro que tinha inicialmente escolhido uma pessoa autista para o papel, e depois que havia escrito o filme (em parceria com a autora de livros infantis Dallas Clayton) expressamente para Ziegler, embora inspirando-se numa amiga autista semelhante a Maggie.

Independentemente de toda esta polémica, e ao contrário, por exemplo, de Dustin Hoffman no citado Encontro de Irmãos, ou de Mary Stuart Masterson no drama indie de 1993 Benny & Joon, onde personifica uma pintora autista, Maggie Ziegler é incapaz de um mínimo de autenticidade e de credibilidade na forma como vive Music, ficando-se por uma interpretação de pantomima, repetindo-se em maneirismos e tiques físicos e vocais, embora nem ela nem o filme – e felizmente! – cheguem ao ponto de vir mendigar a piedadezinha do espectador.

Pelo contrário, o tom dominante em Music é de um optimismo pueril e facilmente “inspirador”. Como se vê pela superficialidade com que é tratado o tema da deficiência, e do tipo de cuidados que pede, e que é confirmado pelo final inenarravelmente feel good, com todas as personagens, principais ou secundárias, bem realizadas, sorridentes e felizes – nem falta um cãozinho fofo para compor o quadro. Para onde quer que se olhe, e malgrado todas as boas intenções de Sia, Music é um filme que desafina, insistente e atrozmente.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Sia Furler
  • Argumento:Sia Furler, Dallas Clayton
  • Elenco:
    • Kate Hudson
    • Maddie Ziegler
    • Leslie Odom Jr
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