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Há uma passagem, neste documentário sobre as vítimas do franquismo, particularmente bizarra, e exemplarmente demonstrativa da maneira como é estreita a relação entre a ditadura e o delírio. É quando a busca por material leva os autores ao encontro da teoria de Antonio Vallejo- Nágera, psicólogo que pregava a eugenia para evitar a propagação do “gene vermelho”, acreditava ele, comum em progressistas e partidários da República. Para infelicidade dos que por elas passaram e dos que nelas são obrigados a viver, o carácter das ditaduras pouco tem de anedótico. É mais dado à crueldade, e, como no caso do regime instituído por Francisco Franco após a sangrenta guerra civil que derrubou a República em 1939, também é mais dado à vingança. Em 1975 a Espanha encontrou-se outra vez com a democracia, mas quatro décadas depois as marcas do fascismo franquista permanecem, persistem como uma ferida que uma controversa lei de amnistia em vez de sarar ampliou.
Almudena Carracedo e Robert Bahar, que encantaram o público no Festival de Berlim, sabem do lado que estão e esse é o lado das vítimas. Os que perderam e os que sofreram as consequências da ausência de liberdade, aqui mostrados em depoimentos que acompanham as – digamos – personagens nas suas deambulações pela memória e pelo desejo de justiça, mas também inclui na sua habilidosa montagem imagens de arquivo que permitem, por vezes directamente, quase sempre a modos que subliminarmente, a análise e a perspectiva históricas que dão substância política à necessidade de reparação dos crimes franquistas. É uma abordagem cinematograficamente arriscada, marcada pela inteligente e dramática manipulação do som, da qual a realização se sai o mais das vezes bem, assim contribuindo para o não apagamento da História logo na altura em que conhecê-la é muito útil para o futuro.
Por Rui Monteiro