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O Último Duelo

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The Last Duel
Photograph: Walt DisneyAs Lady Marguerite in The Last Duel
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A Time Out diz

‘O Último Duelo’ passa-se na França medieval e é um filme conseguido na parte histórica mas falhado no resto. Sobretudo devido aos actores

Ridley Scott já visitou a Idade Média algumas vezes nos seus filmes, e os resultados não têm sido dos melhores. Como podemos ver no elefantino Reino dos Céus (2005), passado nas cruzadas e no cerco de Jerusalém, em 1187, quando a cidade foi conquistada por Saladino, e em Robin Hood (2010), a sua versão pseudo-histórica e confusa da lenda de Robin dos Bosques. Scott regressa agora aos tempos medievais em O Último Duelo, baseado no livro homónimo de Eric Jager.

Passado na França do século XIV, a fita recria um acontecimento real. O duelo até à morte travado em 1386 entre o cavaleiro Jean de Carrouges e o escudeiro Jacques Le Gris, que tinham combatido juntos e sido grandes amigos, até se terem zangado por questões de terras e de poder, e sobretudo por Marguerite, a mulher de Carrouges, ter acusado Le Gris de violação. O duelo, que teve que ser autorizado pelo rei por já estar proibido na altura, tinha a particularidade de ser por “julgamento de Deus”. Se Carrouges perdesse e morresse, era sinal divino de que a sua mulher tinha mentido e ela seria queimada viva como punição; se ele ganhasse, Deus estava do lado do vencedor, ela tinha dito a verdade e o opróbrio cairia sobre o derrotado.

Tal como Às Portas do Inferno, de Akira Kurosawa, um filme com o qual tem sido comparado, O Último Duelo é contado dos pontos de vista dos três principais intervenientes – Carrouges, Le Gris e Marguerite – em três segmentos sucessivos (escritos, respectivamente, por dois dos actores, Matt Damon e Ben Affleck, que interpreta o suserano de Carrouges, o conde Pierre d’Alençon, e pela argumentista e realizadora Nicole Holofcener). Mas ao contrário da fita do mestre japonês, que se mantém ambígua no final e não aponta uma das versões como correspondendo à verdade dos factos, O Último Duelo fá-lo, indicando o ponto de vista da vítima como sendo o verdadeiro (o que aliás deve corresponder à verdade histórica).

Uma das principais qualidades de Ridley Scott enquanto realizador é o seu talento de meticuloso construtor de mundos (ver o futuro distópico de Blade Runner – Perigo Iminente ou o reino mágico de A Lenda da Floresta) e de recriador do passado (a França napoleónica de O Duelo, a Roma clássica de Gladiador). Embora insista, em O Último Duelo, no irritante cliché cinematográfico que se instituiu nestes últimos tempos e que consiste em drenar de cor e “escurecer” o passado mais distante, em especial a Idade Média (um perfeito disparate, para quem conheça a época e as suas representações artísticas), Scott esmera-se aqui mais uma vez na reconstituição dos tempos medievais, quer no plano físico e dos costumes, quer das estruturas mentais, apresentando-nos um mundo tão fascinante como perigoso e agreste, e que nos é hoje intelectual, jurídica e moralmente alienígena.

Esse rigor na recriação choca de frente com a escolha dos actores principais, que é simplesmente fatal para o filme. Tirando Jodie Comer, no papel de Marguerite de Carrouges, Matt Damon (Carrouges), Ben Affleck e Adam Driver (que faz de Jacques Le Gris) não têm pinga de credibilidade a fazer de nobres franceses medievais (o Pierre d’Alençon de Affleck, de cabelo e barba pintados de louro, é particularmente desastroso). São os três actores marcada e caracteristicamente “americanos” e de capacidades interpretativas limitadas, e que, tirados de um certo contexto nacional e temporal, e postos em épocas e lugares muito diferentes a fazer personagens muito específicas, pura e simplesmente não funcionam.

Há ainda o facto do enredo de O Último Duelo abordar o tema da situação da mulher na Idade Média com um viés contemporâneo, pretendendo, através dele, mais do que fazer uma constatação de uma realidade histórica que hoje nos é insuportável e impensável, realçar o estereótipo corrente da “opressão patriarcal” e o seu carácter secular. Vá lá que o duelo propriamente dito, com que o filme abre e que ocupa a sua parte final, está feito com o devido rigor no ritual, nos procedimentos e nas armas usadas, e a natural violência sem quartel no confronto, até à consagração do vencedor e à execração em morte do vencido.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Ridley Scott
  • Argumento:Nicole Holofcener, Matt Damon, Ben Affleck
  • Elenco:
    • Matt Damon
    • Ben Affleck
    • Adam Driver
    • Jodie Comer
    • Marton Csokas
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