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Os Miseráveis

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Los miserables
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Há um breve momento de euforia colectiva e unidade nacional no início de Os Miseráveis, de Ladj Ly (Prémio do Júri em Cannes), quando a França ganha o Mundial de Futebol de 2018 e o filme mostra uma multidão de centenas de milhares de pessoas, de todas as etnias e proveniências sociais, vindas dos vários bairros da cidade, a celebrar em conjunto a vitória dos Bleus.

Todo o resto do filme está feito para desmentir esta imagem feliz e esfuziante de união para lá das diferenças e desigualdades étnicas e socio-económicas. E para avisar que há um estado de guerra latente na sociedade francesa, em especial nas grandes cidades; que basta apenas uma faísca para que o rastilho se acenda e se caia na violência cega e na anarquia mais chocante.

Os Miseráveis passa-se em Montfermeil, um daqueles bairros periféricos de Paris onde se acumulam os imigrantes, o Estado parece ter abdicado de exercer a sua jurisdição, os bandos de delinquentes e os muçulmanos fundamentalistas disputam os favores dos habitantes (e em especial a atenção e a lealdade dos mais jovens). E onde apenas a polícia, através da Brigada Anticrime (BAC), consegue entrar e manter uma rede de contactos, relações e interesses mútuos que lhe permite exercer minimamente a sua actividade. Embora arriscando serem insultados, troçados ou atacados a qualquer momento.

O realizador Ladj Ly nasceu no Mali, cresceu em Montfermeil e tem um passado de delinquência (em 2009, cumpriu três anos de prisão por cumplicidade num caso de rapto e sequestro). E pelo que mostra em Os Miseráveis, sabe do que fala, conhece os cantos à casa, todos os que lá moram e os que os controlam dia-a-dia.

Os nossos guias pelo bairro são os três polícias da BAC que protagonizam a história, o novato Ruiz (Damien Bonnard), o cabeça quente Chris (Alexis Manenti) e Owada (Djebril Zonga), um filho da zona. A câmara de Ly segue-os numa patrulha de rotina e mergulha-nos na realidade de Montferneil. Além da população ordeira e trabalhadora, há os traficantes de droga, os ladrões e os proxenetas, os Irmãos Muçulmanos de falinhas mansas e mesquitas prontas para a radicalização, os miúdos prontos para a pequena delinquência ou para servirem de mão-de-obra aos bandos que ali pululam, e ainda as tensões étnicas e religiosas.

Uma cria de leão roubada a um circo, um acidente com uma pistola de alarme que atinge o miúdo que a roubou e um drone que filma o incidente por acaso vão precipitar o enredo. E deixar o trio de polícias e vários figurões locais em conflito, e o bairro à beira de um motim.

Os Miseráveis está a ser comparado com O Ódio, de Mathieu Kassovitz (1995), mas a comparação não colhe, porque é mais equilibrado e menos tendencioso. E no final, O Ódio não tem um aviso tão sombrio e aterrador sobre a bomba de ressentimento e fúria que poderá rebentar em Paris, e atingir toda a França com as suas ondas de choque num futuro perigosamente próximo.

Escrito por
Eurico de Barros

Detalhes da estreia

  • Duração:102 minutos
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