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Retrato da Rapariga em Chamas

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Portrait of a Lady on Fire
Photograph: Neon Pictures"Portrait of a Lady on Fire"
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Não era fácil ser mulher e pintora, pelo menos na França de finais do século XVIII, ainda antes da revolução. Uma das restrições académicas impedia as mulheres de desenharem modelos masculinos nus, como conta Marianne (Noémie Merlant), pintora e filha de pintor, a certa altura de Retrato de Uma Rapariga Em Chamas.

Neste filme de Céline Sciamma (Maria-Rapaz, Bando de Raparigas), Marianne foi contratada por uma nobre (Valeria Golino) para pintar o retrato da filha, Héloïse (Adèle Haenel). Esta acabou de sair de um convento e vai casar-se com um aristocrata que não a conhece. O retrato vai servir para que o noivo veja como a noiva é.

Mas há um problema. Assim como Marianne tinha de desenhar os modelos masculinos nus às escondidas quando estava a ter aulas de pintura, também terá de pintar Noémie sem que esta saiba. É que a irmã da jovem matou-se atirando-se de uma falésia, e Noémie foi tirada do convento para ocupar o seu lugar no casamento combinado. E está relutantíssima em ser pintada (“Já esgotou um pintor antes de si”, revela a mãe à pintora).

Assim, Marianne vai ter que fingir ser uma dama de companhia temporária. E terá que pintar o quadro baseada em apontamentos tirados quando Noémie não está a ver, ou à socapa. Com a condessa fora por algum tempo, fica apenas com elas uma jovem criada (Luàna Bajrami), o que dá mais liberdade de movimentos à artista.

A primeira parte do filme assemelha-se ao primeiro retrato que Marianne faz da sua modelo: competente mas escassamente expressivo. Marianne tem que recomeçar o trabalho, tal como Retrato de uma Rapariga em Chamas tem que manter vivo o nosso interesse. É quando, após terem uma discussão que acaba por as tornar mais próximas, vêm à tona os sentimentos que pintora e modelo nutrem uma pela outra, e tudo muda.

De uma apenas curiosa história de uma aristocrata esquiva que uma pintora tem que retratar às escondidas, o filme transforma-se numa sensual, elegante e sugestiva história de amor entre as duas mulheres, onde Céline Sciamma sugere que Marianne consegue enfim pintar Élosie como ela é e merece, graças à paixão que sente; tal como esta, pela mesma razão, abate todas as barreiras que punha a ser retratada por Marianne.

Sciamma nunca deixa que o filme se submeta a qualquer dirigismo formal da pintura, segue o conselho de John Ford (“Filmem os olhos, deixem que eles transmitam os sentimentos das personagens e contem a história”) e concentra tudo nos olhares das actrizes (Merlant e Haenel são soberbas), incorpora com inteligência e sensibilidade no enredo o mito de Orfeu e Eurídice, e tem o bom senso de não terminar em tragédia rasgada, mas sim submetendo a história aos imperativos sociais e de costumes da época.

Só é pena que a fita (prémio de Melhor Argumento em Cannes) não acabe na exposição de pintura, com o detalhe do livro discretamente aberto no retrato de Noémie. É que aquele final no teatro, quando Marianne volta a ver Noémie, é redundante e está completamente a mais.

Escrito por
Eurico de Barros

Detalhes da estreia

  • Duração:120 minutos

Elenco e equipa

  • Realização:Céline Sciamma
  • Argumento:Céline Sciamma
  • Elenco:
    • Valeria Golino
    • Adèle Haenel
    • Noémie Merlant
    • Luàna Bajrami
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