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Masego: “Ainda não me sinto um músico bom o suficiente. Todos os dias quero ser um bocadinho melhor”

O artista norte-americano, actualmente a viver no Brasil, encerra o Ageas Cooljazz deste ano com um concerto a 31 de Julho. Ainda há bilhetes.

Ricardo Farinha
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Ricardo Farinha
Masego
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Um ano e meio após se ter apresentado no Campo Pequeno, em Lisboa, Masego tem a missão de encerrar a edição de 2025 do Ageas Cooljazz, que se iniciou no início do mês de Julho e vai até ao dia 31, precisamente quando o músico norte-americano encabeça a noite. Ainda há bilhetes, à venda entre os 30€ e os 45€, para assistir à performance no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais. Os concertos de abertura serão feitos por Razy e Amaura.

Aos 32 anos, Masego deixou recentemente a cidade de Los Angeles, onde vivia, quando perdeu a casa nos incêndios que devastaram várias zonas do estado da Califórnia e deixaram milhares de desalojados. Um eterno viajante, sobretudo em busca das suas raízes africanas – filho de pai jamaicano e de mãe afro-americana –, acabou por se mudar para Salvador, no Brasil.

Cidade do estado da Bahia e a primeira capital do Brasil colonial, Salvador é conhecida por ser o grande centro da cultura afro-brasileira. Com uma população de mais três de milhões de pessoas (se contarmos com as periferias), é também considerado um dos locais do mundo com mais habitantes negros fora do continente africano. Razões que levaram Masego a mudar-se e a escolhê-la como sua nova casa.

O músico lançou o seu mais recente disco, o álbum homónimo Masego, em 2023. Célebre por tocar saxofone e usar a sua voz sobre instrumentais modernos que cruzam elementos hip hop e de electrónica, apresenta-se como um criativo em constante expansão que também encontrou nas linguagens visuais uma forma para se expressar artisticamente. Em entrevista transatlântica com a Time Out Cascais, antecipa o concerto no Cooljazz, fala da sua mudança para o Brasil e explica o que o move enquanto artista.

Mudou-se recentemente para Salvador, no Brasil. Porque escolheu Salvador e como tem sido a experiência?
Eu sou muito fácil, vou para onde estão as pessoas negras. Historicamente, é onde está a maioria das pessoas negras fora de África e isso intrigou-me. A experiência tem sido bastante cultural, bastante calma, simplesmente uma boa separação da minha vida americana.

Já conhecia Salvador?
Li sobre a cidade, e foi no videoclipe do Michael Jackson [They Don’t Care About Us] que eu soube o que era Salvador. Portanto, era uma criança.

Mas nunca tinha estado na cidade antes?
Não, nunca tinha estado lá.

Tenho a certeza de que o ambiente cultural e artístico de Salvador deve ser muito inspirador para um artista. Acredita que isso vai influenciar a sua música no futuro?
Sim, acho que todos os ambientes em que estamos vão influenciar tudo o que criamos.

Mas há coisas específicas que consegue identificar, que já consegue perceber que o vão inspirar musicalmente?
Gostava de ser inteligente ao ponto de conseguir prever o que ia acontecer na minha vida, mas não. Acho que sigo a ideia do livro Atomic Habits. Tento rodear-me de coisas que vão produzir o melhor, o mais saudável resultado, e depois logo se vê o que acontece. E então podemos falar sobre isso daqui a dois anos, do género: “Ah, percebo o que isto fez e como é que gerou aqueles resultados”. Mas, por agora, estou só a viver.

Claro, ainda está tudo muito fresco. Estava a falar sobre ter uma perspectiva ou um modo de vida diferente da maneira americana de viver ou de ver o mundo. Muitas vezes existe a impressão de que os americanos podem ser bastante virados para si próprios e fechados em si mesmo. O Masego, pelo contrário, já viajou pelo mundo. Fala muito sobre experiências pelo planeta fora, sobretudo no que diz respeito às comunidades negras, em África, mas noutros sítios também, as suas próprias raízes na Jamaica. De que forma é que isso o enriquece? E sente que isso é algo que muita gente na América acaba por não ter?
Bem, antes de mais, concordo com essa ideia. Acho que a América está muito focada na América. Como o meu pai era militar, sempre viajei, por isso a minha perspectiva sempre foi global. O meu cunhado é coreano. O meu melhor amigo é da Alemanha. Sempre tive esta perspectiva global, em vez daquela ideia de que a América é a melhor coisa do mundo. Sempre tive curiosidade em saber como é a vida das outras pessoas. Fui a Londres pela primeira vez para perceber como era a música dos bairros deles, comparado com aquilo a que estou habituado… Sempre tive curiosidade pela cultura. Portanto, concordo com isso, porque sinto-me mais europeu do que americano hoje em dia. Só pela forma como olho para as coisas, pela forma como estou a consumir as coisas. A principal coisa da América com que concordo é que a cultura é uma das maiores exportações. Vejo música americana em todo o lado, em todos os países. Vejo estilos americanos em todos os países, o que está a acontecer em Nova Iorque e esses sítios todos. Mas, tirando isso, acho que todos nós temos de viajar mais. E temos de fazer a cena turística e depois voltar a viajar e conhecer as pessoas que vivem lá. E depois tentar passar algum tempo lá e perceber mesmo como é o sítio – é a minha recomendação para termos uma compreensão melhor. Porque acho que todos nós andamos só na Internet a ver o que achamos que algo é. Mas tens de ir lá. Eu já fui a Portugal, já fui à Alemanha, já fui a França. Eu sei mais do que a pessoa que está só a pesquisar no Google.

Claro. E regressa agora a Portugal, que obviamente partilha a língua e uma história com o Brasil. Está entusiasmado com este concerto? Li numa entrevista, há uns anos, quando falava da digressão europeia, que estava muito entusiasmado por tocar especificamente em Lisboa.
Estou entusiasmado, adoro tocar lá. Na primeira vez que fui a Lisboa, foi um dos concertos mais diversos de sempre. Porque estava a olhar para o público e via todo o tipo de pessoas a encontrar um fio condutor na minha música. Isso foi muito fixe para mim. E depois voltei sozinho ao Porto e vi mais da cena artística. E depois fui ver onde é que os expats vão, na zona do Algarve. Gosto das diferentes perspectivas que vocês têm por aí. E tem sido sempre divertido actuar aí. Além disso, a minha bagagem perde-se sempre quando vou a Portugal. Por isso, sou obrigado a tocar com a roupa com que viajei no avião. E isso torna sempre o concerto mais memorável. Mas acontece sempre.

Bem, vamos ver se acontece outra vez. Este concerto vai ser maioritariamente baseado no seu último álbum homónimo, ou não necessariamente?
Agora estou num ponto que é como se existissem temporadas de Masego. Portanto, a temporada número um era as coisas que estavam a acontecer na altura do Pink Polo e do Loose Thoughts, a era do SoundCloud. O meu concerto representava esse período. Por isso, não preciso de fazer uma digressão só de um álbum. Estou a fazer uma digressão de um tempo, de um período, de uma temporada.O tempo em que estamos agora é a influência que as minhas viagens actuais têm em mim. E tenho imensa música, mas sabes, há outras coisas: qual é, por exemplo, a discussão sobre como a inteligência artificial mudou a forma como eu actuo? Acho que agora me apoio mais no facto de que faço tudo eu mesmo. E é tudo tão musical e tão nostálgico. Sinto que esta temporada vai ser diferente. E, pronto, existe o álbum, vou lançar sempre mais música. Mas esta temporada de Masego vai ser um concerto que pode continuar para sempre se eu quiser continuar nesta temporada, entendes?

E como é que, como estava a dizer, a inteligência artificial mudou o seu método ou a sua forma de trabalhar na música?
Acho que é divisivo. Obriga-te a escolher um lado, porque, quer dizer, o ouvinte comum vê a inteligência artificial como uma ameaça à criatividade. Se eu sou só um miúdo que ouve um álbum e vivi a minha vida com aquele álbum como banda sonora, se eu achar que a IA fez parte daquilo, então parece-me menos autêntico. Portanto, há ainda mais responsabilidade para mim em dizer: “Ei, pessoal, a propósito, sou eu que estou a tocar o saxofone e as teclas nisto. E estas ideias foram minhas, vieram de mim.” Quase que te obriga a cravar a bandeira no chão e a dizer: “Eu represento isto, e não aquilo.” Por isso, adoro momentos como este. Foi como no beef de rap entre o Kendrick Lamar e o Drake. Eles representavam dois ideais diferentes: ou estás deste lado ou estás daquele. E eu adoro quando temos de escolher um lado.

Estava a falar sobre as temporadas, mas o Masego também é conhecido pela apetência e pelo gosto pela improvisação, que vem certamente da sua experiência enquanto artista de rua e também das influências do jazz. De que é que mais gosta nessa parte da sua música, na improvisação?
Acho que deixa as pessoas perceberem que é real. Enquanto artistas, às vezes tornamo-nos demasiado performativos. E sinto que devíamos mesmo estar presentes naquele momento. A improvisação permite-me fazer isso. Dá para sentir mesmo aquelas vibrações artísticas. É do género: estou a sentir-me assim hoje, neste segundo, e vou criar algo com esta energia. E só esta cidade vai perceber. Vai ser uma piada privada entre mim e esta cidade. Isso é mais especial do que só fazer o meu concerto como um robô. Não, vou fazer uma música nova sempre que subo ao palco, ponto final. Isso torna a coisa interessante. E se perderes um concerto, vais perder seja lá o que esse momento for. Em vez de: “Ah, fui ao concerto do Masego. Ele tocou o álbum.” Eu estou noutro espaço, estou para criar um espectáculo ali à tua frente.

Isso torna obviamente cada espectáculo muito especial. E, claro, o saxofone tem sido o seu instrumento de eleição. Muitas vezes é associado às eras vintage do jazz, àquele som da velha escola. Mas artistas como o Masego fizeram com que hoje o saxofone seja visto como refrescante, moderno e até cool para o grande público contemporâneo. Tenho a certeza de que não estava a pensar nisso quando começou a fazer música, mas também é algo que sente?
Bem, quando ouvi jazz pela primeira vez, aquilo era só categorizado numa caixa de smooth jazz ou neo soul, na minha cidade e no meu bairro. E eu não gostava disso, porque queria tocar jazz por cima de beats de trap, por cima de produção electrónica, porque isso era interessante para mim. E então só o facto de eu querer ser um bocadinho fora da norma ou diferente foi interpretado como sendo cool. E eu adoro ser cool. Mas há muitos outros tipos, como o Braxton Cook e o Venna, que também estão a fazer o saxofone soar cool outra vez. Por isso, acho que é só aquela cena de estares a fazer o que queres fazer. E, depois, às vezes, as pessoas dizem que é cool. E eu fico tipo: óptimo. Mas, sim, só queria não ser aquilo que me disseram que tinha de ser.

Sem dúvida. E é muito interessante porque, como disse ao início, tem um fascínio natural pela cultura e pelas comunidades negras. E tocar jazz, música afro-americana, por cima de beats trap  que é algo muito diferente mas que também tem origem nas mesmas comunidades, obviamente em gerações e locais diferentes nos Estados Unidos –é algo que tem muitas camadas e que às vezes devem parecer um ciclo completo em certos aspectos.
Quanto mais aprendo sobre música, mais percebo que tudo vai dar à cultura negra. Portanto, só tento fazer a minha parte e dizer: “Olhem, sou um negro da Jamaica, tenho raízes africanas. Aqui está a minha história. Aqui está a minha perspectiva sobre a vida”. Essa é a minha cena. E adoro como, quanto mais tempo passo com a música, mais começo a perceber as semelhanças. Fico tipo: “Bem, isto soa a isto, e aquilo soa àquilo”. Portanto, é isso, sou só um embaixador.

Houve alguma coisa que recentemente tenha chamado a sua atenção ou o tenha surpreendido? Algum tipo de som ou artista?
Quem é que me surpreendeu mesmo? Quer dizer, há sempre artistas de quem sou fã. Adoro o que o Leon Thomas III está a fazer agora, porque um músico está a vencer aos olhos do público. Ele canta, escreve, toca instrumentos. Gosto disso. Percebes o que estou a dizer? Sou sempre fã da Jazmine Sullivan. Sou sempre fã do que está a acontecer na Nigéria com o Wizkid e todos aqueles manos. Portanto, sinto que tenho aquela minha paleta de artistas de quem estou sempre a tirar inspiração quando preciso de me reabastecer.

E está sempre a trabalhar em música nova? Ou também faz temporadas específicas, momentos em que está mais focado na vida de digressão, e outros em que só pretende criar música? Ou é tudo muito fluido e está interligado?
Essa é uma boa pergunta. Porque, normalmente, eu era daqueles que fazia uma música todos os dias. Mas depois apaixonei-me por cinema e por vídeo. Então, o que tenho feito para me manter criativo é criar nesse meio. E depois, quando estou à volta da minha comunidade, o meu mano de Londres, o meu mano da Alemanha, aí já tenho mais tensão acumulada para querer fazer música outra vez. Tirando isso, só preciso de criar alguma coisa todos os dias. Por isso, estou sempre no ginásio. Isso também é criar. Estou a tentar ser criativo na forma como trabalho determinado músculo. Isso tem feito com que eu produza melhor música, na minha opinião. Música mais completa, porque já não estou só a despejar faixas. Agora é tipo: “ok, ontem criei com uma câmara, hoje vou voltar à caneta”.

Existem objectivos específicos que sinta que ainda não concretizou mas que deseja mesmo alcançar? Porque ao longo destes últimos anos fez muita coisa: tem vários discos, alguns grandes sucessos, tocou pelo mundo... O que é que ainda falta?
Esta resposta vai ser nerd, mas há um anime chamado Solo Leveling. Pronto, vou poupar-te a descrição, mas basicamente é um tipo que estava no nível zero, o pior dos piores, e depois teve a bênção de poder melhorar e ficar cada vez melhor todos os dias se se esforçasse. E então o potencial era ilimitado. A forma como isso me inspira hoje em dia é que acho que ainda não sou um músico bom o suficiente, na minha opinião. As pessoas de quem eu sou fã, quero que também sejam fãs de mim enquanto músico. O mesmo com os compositores. Há compositores que eu adoro, e quero estar ao nível deles. Há cantores e vocalistas que conseguem fazer coisas e tomar decisões que eu ainda estou a tentar alcançar. Estou a encarar a minha vida como esse anime. Sinto que todos os dias só quero ficar um bocadinho melhor, um bocadinho mais forte, ter melhores passos de dança, tudo isso. Já passou aquela fase do “preciso de um prémio”, “preciso que esta pessoa me diga que sou bom”. Agora é só esta luta interminável do “quão grande consigo tornar-me?”

Ageas CoolJazz, Hipódromo Manuel Possolo, Cascais. Qui, 31 Jul. 30€-45€

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