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Tem sido uma figura relativamente frequente no nosso país, sobretudo nos últimos anos, mas a sua presença é sempre um acontecimento relevante. Este domingo, 1 de Junho, Ney Matogrosso voltou a brilhar – muito literalmente – num concerto em Portugal, enquanto cabeça de cartaz do segundo dia da segunda edição do Coala Festival.
Vários milhares de pessoas juntaram-se no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais, para assistirem à performance deste ícone da música popular brasileira. No alto dos seus quase 84 anos, totalmente coberto com um figurino reluzente – uma excentricidade que já se tornou familiar – Ney Matogrosso apresentou-se como sempre.
Acompanhado de uma experiente banda na retaguarda, o astro brasileiro – natural do estado de Mato Grosso do Sul – foi igual a si próprio. Jovial ainda que octogenário, inconformado mesmo após todos os desafios ultrapassados, consagrado mas transgressor, determinado mas inquieto, popular e ainda assim um símbolo elevado de resistência.

Parece evidente, mas não é dizer pouco. Numa faixa etária (há largos anos) em que o mais habitual é jogar-se no campeonato da nostalgia, perante legiões de fãs que querem escutar as canções que associam à sua juventude, essa dimensão também pode existir no caso de Ney Matogrosso, mas o músico nunca perdeu relevância – pelo contrário, no conturbado mundo político de hoje, de guerras culturais e ideológicas, uma realidade que se tornou bastante acesa no Brasil mas não só, o papel de Matogrosso e daquilo que o seu trabalho representa só pode ter saído reforçado.
Além do mais, o seu notório profissionalismo, a sua entrega ímpar – que disfarça claramente a sua idade, ou que faz com que a encaremos de uma forma distinta – continuam a ser elementos-chave numa performance que tanto é musical e auditiva como da fisicalidade do intérprete, da sua postura firme a entoar cada verso, da teatralidade delicada dos gestos enquanto dá corpo e vida aos grandes temas que marcaram a sua carreira.

Conhecido como um camaleão artístico, certo é que as várias metamorfoses de Ney Matogrosso, a sua constante reinvenção, permitiram-lhe (ao contrário de vários dos seus pares) manter um legado actual e vivo que tem sido sempre alimentado com novos discos e projectos ao longo dos anos. E uma prova bem palpável desses frutos é um público diverso que no Coala o recebeu de braços bem abertos. Pessoas de todas as idades e cores, de diferentes sotaques e géneros, com passaportes e experiências distintas, mas com um desejo comum de celebrar a obra de um nome maior da música brasileira, a quem é difícil ficar indiferente.
A sua voz, que tanto permite interpretações dramáticas como versões delicadas, explorando o seu lado explosivo mas também o sedutor, mantém-se cristalina e em grande forma. No fundo, Ney Matogrosso continua a alimentar um património cada vez mais rico e a dar aulas sobre como envelhecer na arte – e na vida. Um dia, todos nós os que o ouvimos (e vimos) ao vivo vamos valorizar ainda mais a sorte que tivemos de o poder presenciar, de sermos contemporâneos, de termos partilhado com ele um momento no tempo e espaço.