EO

Prémio do Júri no Festival de Cannes, este novo filme do octogenário realizador, escritor e actor polaco Jerzy Skolimowski (O Uivo, Moonlighting, o Navio Farol) é, segundo o próprio, inspirado pelo clássico Peregrinação Exemplar (1966), de Robert Bresson. Mas o único ponto de contacto entre os dois filmes é terem um burrinho como protagonista (que no caso de EO são, na realidade, seis) e símbolo da inocência, já que a austeridade visual e a dimensão transcendente da obra de Bresson dão aqui lugar a uma abordagem de mochila experimental, sublinhada pela fotografia mutante de Michal Dymek e pela banda sonora esquinada de Pawel Mykietyn. Skolimowski filma as andanças do burrinho Eo pela Polónia e pela Itália ora com realismo, ora criando climas que comungam do sobrenatural e do surreal, transformando a fita num misto de ensaio cinematográfico e de história moral que contorna todo e qualquer sentimentalismo ou didactismo pronto-a-usar, já que o animal encontra tanto pessoas boas como más ao longo da sua jornada (embora a parte final de EO, passada no palacete da personagem interpretada por Isabel Huppert e do seu filho, um jovem padre suspenso por ter o vício do jogo, seja completamente desconcertante). É como se, aos 84 anos, Jerzy Skolimowski tivesse fechado um círculo e regressado à década de 60, aos tempos de jovem, inquieto e arrojado realizador da Nova Vaga polaca, em que foi colega de nomes como Roman Polanski ou Ivan Passer.