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Fahrenheit 11/9

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A Time Out diz

4/5 estrelas

As primeiras imagens são exaltantes. Na véspera das eleições presidenciais norte-americanas o caminho parecia traçado para a vitória de Hillary Clinton. Mas logo, sobre os rostos sorridentes na exaltação de um comício da candidata democrata, ouve-se uma voz que pergunta: “Foi apenas um sonho?” O corrupio de imagens prossegue, as projecções a darem Clinton como vitoriosa, aqui e ali e acolá somando votos virtuais. Até que Donald Trump vence no estado
 do Ohio. E depois na Carolina do Norte, e depois na Florida, e depois no Wisconsin, e depois...

Conhecendo o trabalho anterior do realizador – vencedor de um Óscar de Melhor Documentário, em 2002, com Bowling for Columbine –, a sua inclinação para a manipulação e interpretação
 ardilosa de factos, ou o seu pendor para o sensacionalismo, seria de esperar duas horas de filme escachando meticulosamente na administração de um homem, minutos antes, através das suas próprias palavras, retratado como racista, xenófobo, misógino, homofóbico, errante nas suas declarações e propósitos, com o excêntrico desejo de construir um muro entre o seu país e o México. Pois. Mas estamos num mundo novo. Um mundo que não pode mais ser analisado e compreendido pela luz do pensamento progressista que, mal ou bem, com seus avanços e recuos estava a tornar um mundo um lugar mais civilizado. Ou pelo menos assim parecia.

Para criar o que é, em anos, o seu melhor filme, Moore não abdicou da ideologia nem dos seus alvos preferenciais. Todavia, pelo menos desta vez, também ele, no final daquela noite de terça para quarta-feira, em Novembro de 2016, passada a agonia de ver um bufão na Casa Branca, percebeu que era preciso pensar. Reflectir, pesar os prós e os contras do passado, compreender como afinal foi um sistema político fechado sobre si e sobre os seus interesses egoístas que deixou de fora tantos americanos e tantos americanos levou a votarem no capitalista de cabelo esquisito que fazia uma figuraça na televisão.

O realizador não está apaziguado nem conformado. Passada a estupefacção, continua zangado por Trump ter vencido e quer muito vê-lo fora de Washington, porém, em Fahrenheit 11/9, sem abdicar de princípios nem estilo, o agitador e propagandista resolveu ver outra vez. E encontrou uma diferente visão da realidade. Depois de se interrogar sobre como chegámos até aqui, na conclusão do seu argumentário, aponta o dedo a uma sociedade tomada pelo individualismo e incapaz de ver para além do horizonte da sua janela. Janela que – conclui sem nunca o afirmar – é preciso quebrar, ficando indignado com o mal e fazendo o necessário para o consertar através da acção.

Nada disto, à primeira vista, parece
novo no cinema de Moore. Mas é. Era fácil ridicularizar o Presidente, tantas são as vezes em que ele se põe a jeito. Difícil é encontrar as razões que pavimentaram o caminho de Trump, e o cineasta encontra-as também
 na acção política dos seus antecessores,
 na forma como desde Reagan a Obama, passando por Clinton e Bush, a classe política facilitou a vida às grandes empresas até,
 por via dos seus donativos, delas se tornar prisioneira, no processo ignorando sempre que possível os interesses de quem não possui acções na bolsa e vive de salário em salário, afastando-os do poder através da pobreza e de um sistema eleitoral que não respeita a vontade da maioria dos votantes. Resta saber se tem razão, ou se algo ainda mais assustador rasteja nos subterrâneos pronto a ampliar os nossos medos.

Por Rui Monteiro

Escrito por
Rui Monteiro

Elenco e equipa

  • Realização:Michael Moore
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