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O Professor Bachmann e a Sua Turma

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Filme, Cinema, Documentário, O Professor Bachmann e a Sua Turma (2021)
©DRO Professor Bachmann e a Sua Turma de Maria Speth
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Muitos ainda se recordam de quando andavam na escola e havia aquelas aulas em que o tempo parecia não passar, ou então passava muito devagar, e quanto mais olhávamos para o relógio, mais essa sensação se acentuava. Ela reaparece, a espaços, no documentário O Professor Bachmann e a Sua Turma, da alemã Maria Speth, que se prolonga por três horas e meia, e no qual a realizadora segue, ao longo de seis meses, o trabalho do professor Dieter Bachmann do título, que tem 64 anos, está à beira da reforma e é amigo pessoal de Speth. O tempo é aqui muito importante, para a forma, para o discurso e para as intenções do filme, mas é natural que seja sentido de forma diferente por quem o vê, e O Professor Bachmann e a Sua Turma teria beneficiado com uma tesourada de 20 ou 30 minutos.

Bachmann não é um docente igual a muitos outros: dá aulas numa escola na cidade industrial de Stadtallendorf, a crianças entre os 12 e os 14 anos, que têm a particularidade de serem filhos de imigrantes de mais de dez países, nomeadamente da Turquia, mas também da Rússia, da Bulgária ou de Marrocos, e quase todos eles muçulmanos. Dominam a língua alemã, embora parte deles com dificuldade. Alguns foram para a Alemanha ainda muito novos e outros já nasceram lá. Mas, quando Bachmann lhes pergunta se se sentem alemães, os que levantam o braço para responder dizem que não, que são do país de onde vieram, ou do dos pais.

O desafio posto a Bachmann, bem como aos outros professores da escola, através da educação e do convívio, é tentar atenuar as várias barreiras de identidade, culturais, étnicas e religiosas que os diferenciam, e integrá-los no país que os recebeu, para que se sintam, acima de tudo, cidadãos alemães. Uma tarefa que o filme sugere ser complicada, e de sucesso difícil em boa parte. À medida que o ano lectivo progride, surgem as naturais afinidades e tensões entre os alunos, forma-se a pouco e pouco um espírito de turma e desenvolvem-se laços afectivos entre o professor e os discentes.

Os métodos de Bachmann não são convencionais, tal como a sua apresentação (tende a usar uma irritante sweatshirt dos AC/ DC e não larga o seu gorro de lã), mas apesar do seu aspecto e dos métodos cool, de ensino e relacionamento, não admite confusões nem faltas de disciplina e insiste em que falem sempre alemão. E há uma cena em que desabafa a um colega que talvez os miúdos estivessem melhor, e lhes fosse mais útil, se houvesse mais insistência no ensino de disciplinas tradicionais como a Matemática, a História ou o Inglês.

Maria Speth filma num estilo que evoca o do mestre Frederick Wiseman, assente na observação imersiva, não-interventiva e isenta de opiniões, sermões e manipulação sentimental, ideológica ou outra em relação ao meio, grupo ou tipo de estabelecimento escolhido para documentar. E vai assim fazendo o espectador sentir-se uma testemunha invisível, gradualmente mais integrada e bem informada sobre a região, o meio, as pessoas, as relações entre elas e as suas personalidades, os objectivos da instituição. E o tempo passado com eles e entre eles revela e amplifica a dimensão pedagógica, social, emocional e humana de O Professor Bachmann e a Sua Turma (ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim).

Isto quer sejamos cépticos e pessimistas ou tenhamos esperança na experiência que o documentário nos revela e no que poderá resultar dela para os seus jovens protagonistas e o país que os acolheu; ou sintamos mais ou menos simpatia pela figura de Dieter Bachmann. Maria Speth diz ter sido ele a principal razão para ter feito este documentário, apesar de ficarmos a saber apenas meia dúzia de pormenores sobre a sua vida, a sua família e o que o terá levado ao ensino – já tardiamente, ao que parece. O que fica claro no final destes 220 minutos é que algo dele deverá ter ficado nalguns dos alunos daquela que foi a sua última turma em quase 20 anos como professor.

Escrito por
Eurico de Barros
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