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Passa pouco das dez da manhã de uma insuspeita quinta-feira quando Gil Fernandes organiza uma ida às rochas no Guincho para mostrar a um pequeno grupo de jornalistas o potencial que ali se esconde. Com a maré baixa, vemo-lo de joelhos, a apanhar e a provar algas. “Não é o jardim do hotel, mas é quase”, diz-nos, enquanto vai partilhando também aquilo que tem vindo a aprender nesta vontade de abrir cada vez mais as portas da sua cozinha. À frente do restaurante estrelado da Fortaleza do Guincho desde 2018, o chef não tem dúvidas de que o menu que serve é melhor quanto mais próximo for da sua história e, acima de tudo, do local onde está inserido.
Lapas boas são as que estão perto da água, explica, entusiasmado. Já as algas são outra história – ou várias histórias. Alface-do-mar, bodelha, cabelo de velha, osmundea, kombu, codium… Algumas há que são boas para caldos, outras para servir no prato. Nada se aprende só nos livros, garante Gil Fernandes. “É preciso apanhá-las, cozinhá-las e perceber como é que funciona. Há muito teste, muita tentativa/erro”, conta o chef, natural de Ribamar, na Lourinhã.

Há muito que no restaurante onde mantém uma estrela Michelin que tem vindo a olhar para o que o rodeia, com o objectivo de trabalhar o mais local possível, não deixando por mãos alheias o que pode também fazer. “Sair do restaurante é muito importante, até para a cabeça”, confidencia, relatando algumas manhãs à beira-mar, mais para os lados da Ericeira, onde vive.
Por agora, nos menus – o mais curto tem 9 momentos (155€) e o maior tem 12 (190€) –, trabalha com cerca de “dez tipos de algas diferentes” – “na prática, boas usamos quatro ou cinco”, especifica. “É uma aprendizagem”, reforça. Até porque há muito potencial ainda por descobrir, não duvida. E não é só no mar. É por isso também que, há cerca de um ano, estabeleceu uma parceria com a Quinta do Pisão, onde o restaurante tem agora linhas de cultivo próprias, identificadas com placas e cultivadas em diálogo com a equipa de agricultura biológica.

Citronela, favas pequenas, raiz de salsa (que antes era arrancada e deitada fora), feijão-chicote, tomate-zebra são só alguns exemplos do que tem resultado desta sinergia. Começa por um desafio de Gil e acaba com uma horta cada vez mais diversificada. “Há cerca de um ano, enviei uma lista, dividida por estações do ano, para podermos dinamizar esta horta, trazendo novos produtos para consumo no restaurante e com isso, a longo prazo, os próprios cascalenses terão direito a ter acesso produtos diferenciados e de mais qualidade”, orgulha-se Gil. Diogo Coelho, coordenador da Horta do Pisão, consente. “Esta interacção com chefs é muito importante para também nós aprendermos e correspondermos a uma necessidade de mercado”, explica.

Para André Miguel, chefe de divisão das Terras de Cascais, trabalhar com chefs cumpre o objectivo de demonstrar o potencial desta e outras hortas semelhantes no concelho. “Cascais tem o potencial de produzir parte dos alimentos que consome, principalmente frutas e vegetais. Sempre foi essa a visão”, diz o responsável, destacando o trabalho e o esforço feitos em torno de uma agricultura regenerativa. “É uma sinergia que criamos em prol do restaurante, mas também da sociedade”, defende Gil. “Estamos em fase de desenvolvimento e por isso há linhas identificadas com placas a dar conta desta parceria com a Fortaleza. É o começo, poderão haver outros chefs que o queiram fazer também”, acrescenta ainda o chef.
André Miguel, ressalta, porém, que ainda não é possível abrir caminho para todos por falta de capacidade de resposta. “A restauração local foi escolhida a dedo, com chefs com quem nos identificamos, que percebem e valorizam o conceito, para um dia mais tarde criarmos então a procura para que outros empreendedores possam chegar aqui a Cascais e quererem fazer o mesmo”, aponta.

Quando regressa ao restaurante, para mostrar o resultado do trabalho no exterior ao mesmo grupo que o acompanhou, ora nas rochas, ora na horta, a conversa de Gil ganha outra dimensão e os pratos deixam de ser só pratos bonitos, cheios de sabor. A Fortaleza do Guincho é cada vez mais o seu lugar e a sua circunstância.
Estrada do Guincho 2413. 214870491. Qua-Sáb 19.00-21.30