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Taxi: “A música rock como a conhecemos está praticamente em extinção”

A mítica banda portuguesa apresenta-se neste início de ano no Casino Estoril. Entrevistámos o vocalista, João Grande.

Escrito por
Ricardo Farinha
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São uma das bandas que se deram a conhecer no período que ficou conhecido como o boom do rock português, no início dos anos 80. Os Taxi, naturais do Porto, ficaram na história graças a canções como “Chiclete”, “Vida de Cão” ou “Cairo”, vendendo milhares e milhares de discos por todo o país. O grupo terminaria no final da década de 80, mas ao longo dos anos houve diversas reuniões entre os músicos João Grande (voz), Henrique Oliveira (guitarra), Rodrigo Freitas (bateria) e Rui Taborda (baixo). Porém, os Taxi acabariam por regressar com uma nova formação, com apenas dois dos membros originais, João Grande e Rui Taborda, o que deu origem a um processo judicial, por continuarem a usar o nome do grupo sem os demais.

Refeitos desse imbróglio judicial, os novos (e velhos) Taxi têm estado mais activos do que nunca. Em 2023, deram dezenas de concertos por todo o país. No novo ano, querem continuar a apresentar-se por esses palcos fora, a tocar os clássicos mas também os novos singles. Esta sexta-feira, 12 de Janeiro, actuam no Casino Estoril. Ainda há bilhetes à venda entre os 25€ e os 30€. Outro dos espectáculos mais marcantes agendados para 2024 é o da estreia na Casa da Música, no Porto, marcada para 13 de Março. Além disso, estão a planear fazer uma pequena tour em Moçambique. Tudo isto num ano que será marcado pelo novo álbum de originais dos Taxi, como o vocalista João Grande conta em entrevista à Time Out Cascais.

Qual é o grande objectivo dos Taxi neste novo ano de 2024?
O grande plano para este ano que, aliás, já deveria ter sido neste que passou é o nosso disco novo. Eu e o Rui que somos os membros originais da banda já o estamos a preparar há uns tempos. Já faz falta, há muito tempo que andamos a adiar e a adiar. Entretanto já saíram três singles. Em relação aos espectáculos, são uma grande festa. Nós gostamos muito daquilo que fazemos. Divertimo-nos imenso. Não me lembro de ter uma banda com tão bons músicos e não são só os músicos, é a organização toda, que é praticamente perfeita. Agora temos duas guitarras, que era algo que fazia muita falta... Sabes que nós, no início, a formação original também era muito boa, como é óbvio, mas era só guitarra, baixo, bateria e voz. Era reduzido à expressão mínima. Tínhamos de ser todos, principalmente os que tocavam, muito bons. De vez em quando notávamos que fazia falta pelo menos outra guitarra. E agora temos dois guitarristas absolutamente fora de série, o baterista também é incrível, o Rui é um dos melhores baixos nacionais e também enquanto produtor, é ele quem normalmente faz os videoclips, quem trata das misturas. Mas, sobre os concertos, estamos a atravessar um período incrível. Felizmente, temos pessoas que nos seguem por todo o lado e vêm três, quatro, cinco ou seis vezes. Vamos mudando de repertório. Felizmente, temos um catálogo bastante grande e conhecido.

Vão equilibrando os clássicos com os novos temas que têm apresentado?
Exactamente. Por isso, quem nos vai ver sabe que pode contar sempre com coisas diferentes. Até porque nunca damos nada por adquirido. Ou seja, os públicos são sempre diferentes. Quando menos se conta, temos um público incrível. Também quando menos se conta, temos um público que é uma chatice de todo o tamanho. É raro, mas este ano que passou aconteceu... Estávamos a contar que ia ser uma noite incrível e foi a coisa mais chata que se possa imaginar. Nós vivemos muito da reacção do público. Tentamos sempre fazer das tripas coração, mas dessa vez nem conseguimos.

Obviamente, têm muitos anos de experiência acumulada, passaram por muitos palcos, dos pequenos aos maiores, percorreram o país inteiro várias vezes e actuaram além-fronteiras. Ainda dá gozo interpretar as canções que ao longo dos anos se tornaram clássicos?
Muito. Eu adoro aquilo que faço, acho que é o melhor que pode haver, seja em que espaço ou sala for... Ter milhares de pessoas a cantarem as nossas músicas é uma experiência de que uma pessoa não se cansa. É mesmo muito bom. Em relação ao tamanho das salas... Ainda há um mês fomos a uma aldeia ao pé de Cantanhede, ao Rock Of, é a sala mais pequena onde tocámos até hoje, mas, por outro lado, parecia um clube inglês. Havia milhares de pessoas, um palco muito pequeno, e um ambiente absolutamente incrível. Faz também agora um ano que fomos ao icónico Sons de Vez, em Arcos de Valdevez, em que a primeira fila estava com os pés em cima do palco. Eu até disse, em jeito de brincadeira, que se ficasse cansado deitava-me em cima das pessoas da primeira fila. Estão mesmo ali à frente e é muito bom, eu gosto muito da interacção com as pessoas. Isto para dizer que nunca me chateio, nunca me canso, porque são sempre situações diferentes. E estamos com uma equipa fantástica, os técnicos gostam muito de nós, trabalham connosco há muito tempo, os músicos também trabalham connosco há alguns anos...

No fundo, a máquina está bem oleada para continuar na estrada.
Muito. Mas o nosso principal objectivo este ano é o lançamento do disco. Temos 20 e tal músicas já prontas.

O que é que falta?
Falta o timing certo para ser lançado. E o alinhamento do disco que músicas é que vamos querer incluir? Vão ser para aí umas 12. Agora a dúvida é se lançamos ali entre Março e Abril, ou se fica para Outubro. 

E já existe um título?
Não, ainda não pensámos nisso... Nem capa nem nada. É aquela coisa que, depois, no fim, aparece. O mais importante, de facto, é a música que vamos meter. O resto logo se vê.

As canções foram compostas pelo João e pelo Rui, ou também por outras pessoas?
Sim, exclusivamente. Ultimamente queríamos que os outros músicos também participassem o mais possível, fizemos vários ensaios de composição, mas tem tornado a coisa mais difícil, conseguir juntá-los todos. Mas queremos envolvê-los ao máximo para eles sentirem que o novo trabalho também é deles. Não queremos de todo que o grupo fique exclusivamente ligado a duas pessoas. Eu gosto é da ligação que os cinco temos, que é mesmo muito boa. É raro. Eu que o diga, que toquei para aí durante 30 anos com outras três pessoas, éramos todos amigos, e aquilo acabou mal. Porque depois começam os egos, e não é fácil. Neste momento, é muito bom porque cada um sabe o sítio onde está, o sítio que ocupa. Ninguém quer passar por cima do outro. 

O álbum ainda não está fechado, mas o que é que pode dizer sobre estes temas? Vêm na linha dos singles que já saíram? Tem algum conceito específico?
Não... Por acaso, as três músicas que saíram "Reality Show", "Última Sessão” e agora o "Nunca Mais"... O "Nunca Mais" é incrível porque, ao vivo, funciona brutalmente bem. Mesmo que as pessoas não conheçam, tem sempre uma adesão incrível. Bem, depende das músicas que vão figurar no disco, mas eu diria que 70% ou 80% são muito mais rock, mais enérgicas e rápidas. Tem sempre alguma coisa a ver com Taxi: tem a minha voz, o baixo do Rui, a nossa maneira de pensar e de compor. Mas acho que, ao fim e ao cabo, é trazer os Taxi para o século XXI. Os nossos primeiros discos estão muito antigos, muito datados. Se bem que, da maneira que agora tocamos as músicas, quase não se nota está algo muito mais enérgico, cheio, compacto. As duas guitarras ajudam muito. E as tais novas músicas são muito mais enérgicas, e nós tentamos ao máximo dar-lhes um toque mais actual, sem renegar as nossas influências. Nós estamos numa era complicada porque a música rock como a conhecemos e de que gostamos está praticamente em extinção. É assim, a vida é assim, não vale a pena.

E como é que o João olha para esse cenário? É necessário um movimento de remar contra a maré? É uma questão natural de renovação de gerações?
Não, de todo. Hoje em dia, não há nada novo, é tudo reinventado. Desde o rap ao rock, passando pelo jazz, não há nada novo. Até porque os grandes movimentos que apareceram foram a seguir a catástrofes, às grandes guerras, como o rock n' roll a seguir à Segunda Guerra Mundial. Infelizmente temos hoje várias guerras pelo mundo inteiro, mas não existe um conflito de ruptura que arrase tudo e que origine uma coisa nova. De maneira que acho que não há nada de novo. A maior parte das coisas que se fazem hoje em dia são estilos de música muito solitários. São pessoas sozinhas, que estão no seu quarto, a fazer coisas no computador.

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Perdeu-se um pouco o formato de banda.
Exactamente. Até já me perguntaram várias vezes porque é que nunca fiz uma carreira a solo. Para mim, não tem interesse nenhum. Porque não há nada melhor do que estarem cinco pessoas numa sala, de olhos nos olhos, a tocar, a rir, a discutir. Não há melhor. Cria-se ali uma ligação fantástica. E não é só na música. Em todas as áreas, da parceria nasce sempre luz, é de onde vêm as coisas mais importantes. Por isso, acho que temos uma sorte enorme por, com quem nós tocamos, gostarmos muito de estarmos juntos e de tocarmos todos na mesma sala. Isso está a perder-se. Mas, se as pessoas gostam de estar a tocar sozinhas num quarto, sem problema nenhum... Por exemplo, há uma artista que adoro completamente, que é a Billie Eilish. 

Gosta?
Quando a ouvi pela primeira vez, e ao irmão dela, pensei que aquilo tinha sido gravado nos estúdios mais inacreditáveis que existem em Los Angeles. Tem um som incrível. Mal eu sabia que aquilo estava a ser tudo gravado no quarto deles. E há muitos casos destes. Portanto, eu não critico nada, cada um faz o que quer, nem quero remar contra qualquer maré. Mas estou, neste momento, muito confortável com o que estou a fazer. Só há uma coisa que me chateia um bocado, que tem a ver com as rádios. Hoje em dia é muito, muito complicado. Há duas ou três rádios que dominam o país e se essas rádios ouvem uma bateria ou uma guitarra mais alta, põem logo para canto. Nós, felizmente, estamos numa posição em que, mesmo que não passemos nessas principais rádios, temos sempre milhares de pessoas a assistir aos nossos concertos. E não é só cá. O Bryan Adams lançou vários álbuns em 2023 e de um momento para o outro deixou de passar nas rádios. Mas ele continua a encher os sítios por onde passa. E a rádio já não... Hoje em dia as pessoas ouvem música de outras formas. Apesar de eu adorar o analógico, e tenho em casa aparelhagens incríveis e discos de vinil, pus tudo de lado. Desde que descobri o Spotify que não quero outra coisa. Tenho uma coluna Bluetooth com um som fantástico.

E quase toda a música do mundo está acessível à distância de um clique.
Exacto. Claro que depois há o outro lado como o Neil Young, e muito bem, que não quis as suas músicas no Spotify porque aquilo é um roubo. Nada é perfeito. Agora, quando eu era miúdo, se sonhasse que pudesse ter praticamente toda a música que existe no mundo na palma da mão, isso seria um sonho. Seria ficção científica. Quem diz Spotify diz YouTube, onde estão os videoclips todos. Uma pessoa da minha idade, que começou quando não havia nada, e mesmo comprar um disco era o fim do mundo... Tem sido um sonho. E eu adoro música, para mim é quase como respirar. As coisas de que mais gosto na vida são o amor, a música e as viagens. E muitas vezes interligam-se. E depois há outras coisas, como a fotografia e a literatura, eu adoro ler, tenho de ler todos os dias à noite, antes de me deitar. Sempre tive esse hábito. E também leio muito sobre música, até sou um bocado enciclopédia ambulante [risos]. 

Já pensou em escrever um livro?
Não, não tenho essa queda. Há pessoas que têm essa necessidade...

Prefere expressar-se na música?
É, acho que sim. Mas nem sempre foi assim. Sempre gostei de música, claro, mas se me perguntavam se era isso que eu queria, nunca me passou pela cabeça. Comecei como guitarrista, mas rapidamente percebi que não tinha jeito nenhum para aquilo. Ainda hoje toco guitarra, tenho duas em casa, toco e tal, mas não... E até investia bastante tempo a tocar, mas cada um é para o que nasce e eu não era para a guitarra. 

Mas imagino que começou a idealizar que ia fazer vida da música quando os Taxi começaram a ter sucesso.
Sim, até antes. Nós tivemos uma aprendizagem muito boa, porque durante os anos 70, antes de os Taxi serem conhecidos e mesmo antes de terem começado, nós já tínhamos praticamente a mesma formação...

Mas numa banda com outro nome, os Pesquisa.
Sim, um nome horrível, que o guitarrista tinha escolhido. Tocávamos obrigatoriamente covers, porque tocávamos em bailes, festas de finalistas, e as pessoas quando vão a esses sítios querem ouvir músicas que conhecem. E então nós tocávamos na perfeição músicas bastante complicadas, dos Genesis, Pink Floyd, The Police, Dire Straits, Supertramp... Tenho muita pena de não ter gravações dessa época. E tocávamos muito bem porque ensaiávamos todos os dias. Era a tarde inteira, e às vezes à noite, sempre a tocar. De maneira que atingimos um nível muito bom. Depois, resolvemos que não íamos a lado nenhum assim. Então lançámos um single feito por nós, com duas músicas em inglês. 

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O single com os temas “Dude’s Serenade” e “Fool Dream”, de 1977.
E, mais ou menos em 1979, começámos a compor só músicas nossas, mudamos o nome entretanto saiu um elemento e ficamos os quatro , e tivemos a sorte porque, para tudo, é preciso sorte, temos de estar no sítio certo à hora certa , de termos uma delegação da Polygram a ver-nos tocar. Andavam à procura de uma banda para assinar. Eram o Tozé Brito e o António Avelar Pinho, vieram ver-nos ao Colégio Alemão. E o resto é história. Mas uma coisa que eu dizia muito aos outros, antes de sermos descobertos, é que tinha uma confiança inabalável no nosso potencial. Nós sabíamos as músicas que tínhamos, tínhamos a certeza de que era uma questão de tempo. E eu dizia sempre: a editora que pegar em nós vai-se fartar de ganhar dinheiro. E até poderia não ter acontecido nada, mas eu tinha tanta, tanta certeza, e aconteceu. De facto, a Polygram na altura ganhou dinheiro e de que maneira. Imagina estares num país em que não se vendia nada na música portuguesa e de um momento para o outro estás no olho do furacão e a contribuir para que isso mude. Foi uma época absolutamente irreal.

Há pouco dava o exemplo do Bryan Adams, um músico também histórico, que continua muito activo e mantém um grande público. Ao mesmo tempo, as circunstâncias mudam e por vezes os artistas acabam por enfrentar outros desafios e começam a questionar a própria relevância. Para vocês, com o passar dos anos – e os Taxi tiveram diversas reuniões e agora estão nesta nova fase –, esta questão de manter a relevância foi e continua a ser um desafio, até por o público ser hoje outro?
Claro, é um desafio enorme. E não há nada que dê mais prazer quando, ultimamente, vemos miúdos de 15 ou 16 anos nas filas da frente, que no fim até me vêm chamar a atenção porque eu me enganei nas letras. E eu para comer letras é um horror [risos]. De certeza que no início as cantava como deveriam ser cantadas, mas depois também invento muito, enfim...

O que interessa é que os miúdos conhecem bem as letras.
Sim, é incrível. Lá está: o Spotify, o YouTube. Eles sabem aquilo de trás para a frente, o que é muito, muito bom. Ou seja, nós temos a noção, e cada vez mais, de que as nossas músicas devem valer alguma coisa. Esta última que saiu, a "Nunca Mais", os miúdos vêm dizer que a adoram. E conhecem-na de cor. Portanto, há algo que devemos saber fazer bem, porque conseguimos de facto chegar a várias gerações. Isto sem menosprezar os mais antigos. Nos concertos pergunto sempre quantas pessoas nos estão a ver pela primeira vez e agradeço sempre aos que nos acompanham ao longo dos anos, porque é dessa miscelânea que nós vivemos, de onde obtemos o nosso oxigénio. Nós temos feito tudo e mais alguma coisa para que o maior número de pessoas nos volte a conhecer. Porque, mesmo assim, há muita gente abordam-me todos os dias na rua, ainda há uns dias aconteceu em Amarante, com alguém que me disse: "Eu gostava tanto de vocês". Mas gostava porquê? Eu morri? "Vocês agora já não tocam." Não tocamos? Nós demos 60 ou 70 concertos no ano passado. As idades também são outras...

Se calhar há muitos que já não têm tanta disponibilidade para ir a concertos, nem estão tão atentos.
Exactamente, o problema é esse. Até me meto com as pessoas e digo isso. Noutro dia, em Lisboa, estávamos a andar de táxi e o taxista reconheceu-me e disse: “Eu adorava-vos”. Porquê? Porque fazemos parte do período mais feliz da vida dessas pessoas. Era quando elas estavam novas, descomprometidas, ainda não tinham filhos nem contas para pagar. De maneira que é uma responsabilidade muito grande não as defraudar. E naquela hora e meia ou duas horas de concerto tentamos que aquelas pessoas não pensem em mais nada e que recuperem a felicidade muitas vezes perdida que elas já desconheciam que ainda tinham. 

O que é que sente que ainda lhe falta fazer com os Taxi?
Ao nível musical e pessoal, estou a atravessar um dos melhores períodos da minha vida. Estou felicíssimo com aquilo que estou a fazer. Por isso, quero ter o disco cá fora e tentar ir buscar públicos aonde nunca fomos. Por exemplo, temos programado para daqui a dois meses irmos fazer uma pequena digressão a Moçambique. Nós nunca fomos lá, nem a Angola; aliás, eu nunca fui a África, o que é uma vergonha. Nem a Marrocos fui. De maneira que um dos grandes objectivos é ir tocar a sítios aonde nunca fomos. Já tocámos em vários países europeus e nos Estados Unidos, mas sempre para emigrantes. E queremos ir o mais longe possível a sítios que nos conheçam e que queiram ouvir a nossa música. De resto, é continuar o máximo de tempo possível a divertir-me, porque genuinamente gosto muito e não me chateio nada com aquilo que faço.

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