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Manel Cruz
© Eduardo MartinsManel Cruz

Manel Cruz: “Do que é que serve teres razão se ficares sozinho?”

O vocalista dos Ornatos Violeta tem “20 e muitas músicas por gravar, algumas há anos”. E vamos poder escutá-las num ambiente intimista em Fevereiro, no CCB.

Luís Filipe Rodrigues
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Luís Filipe Rodrigues
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Manel Cruz mal consegue andar quando nos recebe na sua casa, no Porto. Mas o homem não sossega. No final do ano passado, editou o primeiro single em quase 20 anos com os Pluto, a banda que ele e Peixe formaram após a separação dos Ornatos Violeta, e tocou com eles no Plano B (Porto) e Musicbox (Lisboa). Nem duas semanas depois, foi anunciado o regresso dos Ornatos Violeta ao festival MEO Marés Vivas, para assinalar os 25 anos do clássico álbum O Monstro Precisa de Amigos. Por estes dias anda em digressão pelo país, sozinho, a revisitar umas quantas velhas canções e a testar as novas, que vai incluir num álbum a solo a editar ainda este ano. Os próximos grandes concertos estão agendados para 27 e 28 de Fevereiro, na Casa da Música (Porto), e para o dia seguinte, no CCB (Lisboa).

Uma coisa de cada vez. Por agora, está concentrado nos concertos a solo. “Esta coisa de tocar sozinho não tem muito tempo. Antes disso, tentava sempre criar um nome para os projectos, porque desconsolava-me um bocadinho ser só o Manel Cruz”, confidencia. “Às vezes convidavam-me para um concerto ou outro, para tocar três ou quatro temas sozinhos e eu fazia uma perninha. Porém, não me sentia totalmente confortável assim. É preciso outro tipo de bagagem para aguentar um concerto todo sozinho. E as minhas canções tinham bué arranjos”, considera. No máximo, aguentava “três ou quatro temas”. Não mais.

“Mesmo assim, deu para perceber que as coisas resultavam numa outra dimensão, havia outro tipo de interacção e de ligação, diferente da que havia no concerto de banda”, lembra. “Havia umas músicas que se aguentavam melhor sozinhas, só que tinha muitas que não estavam preparadas para tocar a solo, era quase como se estivesse no campismo a tocar uns acordezinhos.” É um tipo como nós, pensamos. Quem é que nunca pegou numa viola e começou a arranhar umas cantigas dos Ornatos? “As pessoas cantavam as canções.” Óbvio. “Contudo, sentia-me sempre um bocadinho frustrado no sentido em que tinha quatro ou cinco músicas que podia tocar e funcionavam bem bem, enquanto música, enquanto som, e outras que eram mais por essa parte das letras, da comunicação e tudo o resto.”

“Por isso é que, quando fiz o Vida Nova [2019], tentei que fosse um disco muito mais simples, em que deixava as músicas a marinar e acabavam por precisar de menos coisas do que no [projecto a solo Foge Foge] Bandido, que era um projecto mais experimental. E comecei a ter um leque de músicas que existiam sozinhas, ou no ukulele ou na guitarra”, adianta. “Agora sinto finalmente que toco um concerto do início ao fim, pensado para este formato. Isso deixa-me mais confortável. Além de que aprendi a desfrutar de tocar sozinho.” Isso é o mais importante. “Nestes concertos não estou a fazer uma revisitação da carreira. Toco um ou outro tema mais antigo, como o ‘Devagar’ dos Ornatos, mas muitos nem sequer estão editados. Tenho 20 e muitas músicas por gravar, algumas há anos. Dada a correria da vida não tenho conseguido gravá-las com a regularidade que queria, então acabo por tocar um monte de músicas que as pessoas só conhecem ao vivo e só podem ouvir lá.”

Manel Cruz
© Eduardo MartinsManel Cruz

O Manel precisa de amigos

Os Pluto reuniram-se “porque tínhamos muitas saudades de tocar juntos”. Para Manel Cruz é tão simples quanto isso. “Cada banda e cada projecto satisfaz-nos uma vontade artística diferente, de acordo com o código de comunicação que encontras em cada sítio. Eu curto estar e falar contigo, e vou falar de determinada maneira e vamos curtir de determinada maneira. Mas, quando preciso de outro tipo de sensação, vou falar com outra pessoa, que é mais assim ou mais assado, que quer ir beber uns copos. Com as bandas passa-se o mesmo”, defende. “Há um espaço que temos construído, musical e não só, e temos sempre a vontade, o instinto de voltar lá. E o convite do Luís Salgado [do Maus Hábitos, no Porto] para fazermos O Salgado Faz Anos… Fest! [em 2022] foi um bom pretexto para a gente voltar a aprender as músicas que criámos. Sacar as nossas malhas, essas coisas.”

De certa forma, passa-se mesmo com os Ornatos Violeta, a mais icónica das bandas por onde passou e onde se fez músico. “O que me faz feliz aí é muito mais pessoal, porque nós vivemos mais connosco do que com o mundo e o reflexo mediático das coisas. Como pessoas, como empresa, como o que quer que seja, vivemos muitas coisas juntos”, conta. “O que mais me orgulha, neste momento, é que quando acabámos e éramos miúdos tínhamos um discurso muito de ‘a culpa é tua; e não, foste tu que fizeste’. Ainda me lembro de estar a encontrar-me com o Kinörm antes do regresso, depois de já sabermos que as coisas são mais complexas do que um gajo pensa quando é adolescente. E disse que eles tinham razão no que me disseram, que eu era impossível de aturar em certas merdas, já numa conversa de amigos. Ele diz-me que ‘não, desculpa, eu, havia coisas em que tu tinhas razão e não sei quê’. Para mim, isto é o verdadeiro sucesso”, garante.

“Do que é que serve teres razão se ficares sozinho? Às vezes penso que é tão lindo eu ter conhecido aqueles gajos na escola e, mesmo que já não tenhamos a mesma energia, termos voltado a ser amigos agora. Eu não conseguia estar nos Ornatos só por uma questão de funcionalidade profissional, porque a nossa banda ergueu-se numa relação de amizade sem a qual não existe comunicação artística. E acho tão bonito nós sermos miúdos e estarmos apaixonados uns pelos outros na altura, como é bonito agora, depois de sermos mais cotas e já termos perdido a inocência, conseguirmos encontrar uma certa beleza dentro desta imperfeição. Às vezes é difícil acreditar no amor para sempre, nas amizades para sempre, porque tens tantos exemplos das coisas a não funcionarem, que deitas fora o miúdo com a água do banho, esqueces-te que não existe evolução sem manutenção. Tudo o que é bom dá trabalho”, alerta. “Se tu não lutares pelas coisas, elas não vão lutar por ti.”

Apesar da forte ligação que os une, os Ornatos Violeta estiveram quase a acabar de vez em 2023, após a morte do teclista Elísio Donas. No entanto, feito o luto e depois de falarem com a mãe dele, decidiram manter-se juntos. “O Elísio nunca vai deixar de fazer parte dos Ornatos, no sentido em que isto agora não é uma banda sem ele, é uma banda com a falta dele. E com a memória dele. Ou seja, a vida continua e se a gente vir as coisas numa perspectiva positivista, agarramo-nos ao que ficou de bom e não nos prendemos à ausência. Se o Elísio estivesse em algum sítio, ou estiver nalgum sítio, a ver-nos, enquanto os Ornatos continuarem ele está vivo de alguma forma”, diz, emocionado. “Transportamos todo o passado e todas as pessoas que se cruzaram connosco na nossa existência. Seguirmos em frente é a única forma da existência dessa pessoa se repercutir no futuro.”

CCB. 29 Fev (Qui). 21.00. 20€-30€

Manel Cruz
© Eduardo MartinsManel Cruz

Artigo escrito a partir da grande entrevista a Manel Cruz publicada na edição de Inverno 2023/24 da revista trimestral Time Out Lisboa. Ainda nas bancas

Continuamos à conversa

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