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Igor Gandra, do Teatro de Ferro, no Liceu de Camões
© Francisco Romão Pereira / Time OutIgor Gandra, do Teatro de Ferro, no Liceu de Camões

O que é um Espectador Emancipado?

Fomos à Fábrica das Artes e conversámos com Madalena Wallenstein, os fundadores do Teatro de Ferro e um grupo de jovens sobre o que é ser um Espectador Emancipado.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Este artigo, agora actualizado, foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição Inverno 2023/2024.

Estamos no Auditório Camões para assistir à apresentação do mais recente projecto da Fábrica das Artes. A coordenadora, Madalena Wallenstein, e os fundadores do Teatro de Ferro, Carla Veloso e Igor Gandra, conversam sobre as expectativas que têm para o Espectador Emancipado, um clube para adolescentes e jovens adultos, entre os 15 e os 23 anos, que se prolonga (no mínimo) até Junho de 2024. A ideia, dizem-nos, é juntar estes miúdos – que começam a pensar seriamente nos adultos que querem vir a ser – e desafiá-los a construir o seu próprio programa cultural. Mas antes, há que conhecê-los, conversar com eles, perceber quem são e o que esperam das artes enquanto moldura para compreender, sentir e pensar o mundo e, claro, o seu lugar nele.

“As artes performativas trazem o corpo para a acção, para um teatro de operações, onde podemos encontrar aquilo a que um certo filósofo [Jacques Rancière, autor de Espectador Emancipado, a onde o clube vai buscar o nome] chama de ‘bom encontro’. Um bom encontro é aquele em que eu vou ao outro para voltar a mim, que me toca e me permite abrir caminhos. Então o que eu espero é que este tempo, que vamos passar juntos aqui e daqui em diante, seja um muito bom encontro”, confessa Wallenstein, num desafio à plateia que entretanto se formou por mediação da directora do Liceu Camões, a professora Ângela Lopes. Talvez não cheguem a duas dezenas de estudantes, mas são os primeiros a ouvir falar sobre o “órgão vivo” que é uma programação capaz de nos colocar frente-a-frente com qualquer coisa “de essencial, de comum, de imanente”.

Os fundadores do Teatro de Ferro e Madalena Wallenstein, da Fábrica das Artes, no Liceu Camões
© Francisco Romão Pereira / Time OutOs fundadores do Teatro de Ferro e Madalena Wallenstein, da Fábrica das Artes, no Liceu Camões

Em resumo, explica a coordenadora da Fábrica das Artes, o Espectador Emancipado serve, por um lado, para acompanhar os jovens membros na transição da programação dirigida às escolas para a chamada programação de fim-de-semana; e, por outro, para criar um espaço de aproximação à arte e aos artistas. Para isso, estão previstos mais plenários de divulgação como este, bem como debates temáticos e oficinas de experimentação a partir dos espectáculos programados – e aos quais os participantes do clube têm acesso com desconto (por 3,50€ em vez de 7,50€). A próxima peça, Mundo Oco, um espectáculo a solo de Rosinda Costa sobre ecologia e esquecimento, estará em cena entre 11 e 14 de Abril, mas a inauguração do clube fez-se com Bora Lá Laborar, do Teatro de Ferro (já não há datas, mas poderá haver reposição ou passagens por outros palcos).

São precisamente os directores artísticos da companhia portuense, Carla Veloso e Igor Gandra, que põem a conversa a rolar. Há 30 anos a trabalhar em teatro, sobretudo no campo do teatro de marionetas e objectos e nas relações do corpo-intérprete com o objecto-mundo manipulado, resolveram pensar o papel do ofício. “Somos um casal e temos duas filhas que durante o processo de criação, desde o momento em que começámos a pensar nisto até à estreia, fizeram a transição do secundário para o ensino superior e formaram-se. Portanto, a dada altura, tiveram que escolher um curso e fazer-se à vida.” Emancipar-se, portanto. “Então”, continua Igor Gandra, “a peça também nasceu desse ponto de vista mais pessoal. Já passámos por isso e agora vemos as nossas filhar a ter a mesma experiência, que é fazer escolhas que determinam o nosso futuro.”

Teatro de Ferro
© Francisco Romão Pereira / Time OutTeatro de Ferro

O que é o trabalho? E quando é que o trabalho acaba? É Igor quem pergunta, e as respostas são tão diversas quanto as pessoas que respondem: “Quando é remunerado”, “Só é trabalho se eu considerar”, “Quando morremos”, “Quando chegar a reforma”. De repente, as vozes são tantas que as confundimos, mas não faz mal, é mesmo esse o propósito do Espectador Emancipado. Juntar jovens, colocá-los em diálogo e, entre o acordo e o desacordo, vê-los unirem-se de tal forma que, existindo individualmente, também já não existem sem ser em colectivo. “Todos os espectáculos são seguidos de conversas para que o teatro possa ser também um fórum, que nos põe a pensar, a comunicar, a resolver uns com os outros. E é muito importante que os jovens, que são os adultos de amanhã, tenham uma voz”, assevera Wallenstein.

Catarina Leal, de 19 anos, é a mais velha dos espectadores com quem falámos, uma semana depois da apresentação no Auditório Camões e do primeiro encontro, num ensaio aberto do Bora Lá Laborar, no Centro Cultural de Belém – é no CCB que se reúne o clube e, para inscrições ou mais informações, basta enviar e-mail (fabricadasartes@ccb.pt). “Acho incrível porque te dá a vantagem de conhecer tudo o que está por trás do grande trabalho que é fazer uma peça de teatro e do que é a vida de um actor, de uma actriz, bem como de trocar ideias”, partilha a jovem, que já tinha sido voluntária no festival Big Bang e não hesitou em abraçar este novo desafio. Afinal, sente falta de “mais apoio a artistas locais e oportunidades para participação activa na cultura”, e talvez o Espectador Emancipado faça parte da solução.

O primeiro encontro do Espectador Emancipado, projecto da Fábrica das Artes do CCB
© Francisco Romão Pereira / Time OutO primeiro encontro do Espectador Emancipado, projecto da Fábrica das Artes do CCB

Demon (é assim que se apresenta) tem 17 anos e também ficou entusiasmado com a possibilidade de ter acesso aos bastidores. “Enquanto jovem procuro algo que me conecte mais com a própria cultura portuguesa e com as mentes de outras pessoas de maneira que a minha fique mais aberta”, explica, reforçando este desejo de estar com o outro, não só num mesmo espaço, mas num momento de discussão. Frederico Carabineiro, da mesma idade, subscreve. A estudar na Escola Profissional de Teatro da Escola de Cascais, onde ficou a saber do projecto pelo presidente da Associação de Estudantes, o colega Rafael Balão, Frederico sempre teve hábitos culturais e tem um interesse particular em descobrir diferentes formas de expressão artística. “E de pensar diferente da maneira capitalista e individualista de produzir mais para ter mais”, acrescenta. Mas agrada-lhe, sobretudo, poder intervir.

“O espectador é alguém que vê, mas também faz uma apreciação crítica, que às vezes partilha. Para mim, ser emancipado é manter o compromisso da partilha, pelo menos com o resto do grupo, e estar envolvido”, diz Frederico Carabineiro, relembrando como o teatro sempre teve, ao longo da história, “um lado moralizante, de educar as pessoas”, e é por isso um excelente motor para debater temas actuais, como o emprego, “que é cada vez mais desumanizador”. “Eu acredito que a arte está em todo o lado e pode ser qualquer coisa. Portanto, viver é encontrar arte nas coisas e aproveitarmo-nos dela e do sumo que há em cada laranja de momento, porque não se vive para trabalhar e ganhar dinheiro, vive-se para se aproveitar a vida.” De preferência, em conjunto. É essa a missão do Espectador Emancipado.

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