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Escritora, Ilustradora, Joana Estrela
Fotografia de João SaramagoJoana Estrela

Descobrir os negócios locais do Porto em tempo de confinamento

Descobrir os negócios mais próximos de casa é uma obrigação e um gosto. Quatro personalidades do Porto contam-nos como têm navegado o confinamento.

Escrito por
Mariana Duarte
e
Margarida Ribeiro
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Ao contrário do que possa parecer para quem não domine a língua, a expressão portuguesa “vou ali e já volto” é perfeitamente indefinida. Até mesmo as variações que concretizam uma ou ambas as proposições – vou a tal sítio, volto dentro de tantas meias horas. O destino pode esconder outros, o tempo é uma estimativa benévola para não nos chatearem à partida, só à chegada, depois de o mal estar feito. O único significado que comporta é este: vou sair e eventualmente, como em princípio é inevitável, voltarei. Pois bem: a pandemia e os seus deveres de confinamento dinamitaram esta parte do contrato social. Agora, não há alternativa. Manda a lei que as saídas sejam rápidas, cirúrgicas. Mas isto de estarmos circunscritos às imediações da habitação trouxe, no entanto, inesperadas vantagens. Além do contributo para a saúde pública, obrigou-nos a descobrir ou a frequentar mais os negócios das nossas ruas, aos quais nem sempre demos o merecido carinho. A equipa da Time Out falou com chefs, artistas, programadores e empresários para saber o que de bom têm descoberto nos passeios higiénicos e sobre os seus novos hábitos. Como ir ali e voltar já – mas mesmo.

Mónica Guerreiro, Presidente da direcção do Coliseu do Porto
©Marco Duarte

Mónica Guerreiro, Presidente da direcção do Coliseu do Porto

Mónica Guerreiro parece conhecer a zona onde vive pela ponta dos dedos – se isso foi obra do(s) confinamento(s), nunca o saberemos. Assume-se como uma sortuda por morar no Bairro da Bouça, “que é por si só um playground para pequenos e maiores, pelos recantos que oferece para a brincadeira e que muito ajuda a passar bem o tempo”. Alargando um pouco o raio de acção, e na impossibilidade de, por agora, ir aos baloiços do Parque Infantil de Cervantes, leva o filho a brincar “no enorme descampado a caminho do parque”, aproveitando para espreitar “as obras em curso para o futuro Parque Urbano da Lapa”.

Ainda ao ar livre, fala-nos do graffiti colectivo na esquina da Rua de Camões com a Rua do Paraíso, que alude ao painel Ribeira Negra, de Júlio Resende. “Logo ao fundo vemos uma das torres sineiras da Igreja da Lapa, que representa o Porto majestoso e liberalista”, diz, referindo que na Lapa se cruzam “vivências e tradições”. Por falar na Igreja da Lapa, aconselha-nos a lá ir para “lavar a vista” com a tela de 20 metros do pintor portuense Joaquim Rafael que enfeita o altar “ou, no lado oposto, com os vitrais e o maior órgão de tubos do país”.

No que diz respeito aos bens essenciais, abastece-se de “pão, bolos e o eventual salgado na maravilhosa Confeitaria da Lapa”, destacando o famoso “pão da Lapa”; fruta e outros frescos na mercearia Flôr da Figueiroa; take-away na Cervejaria Diu e entregas ao domicílio “sempre atenciosas do bom e velho Comodista”. E porque a casa merece mais mimos durante o confinamento, a presidente da direcção do Coliseu aposta nas flores da Verdelinho, que continua de portas abertas. De resto, faz questão de lembrar que “as múltiplas livrarias e os alfarrabistas vizinhos mereciam já desconfinar”: entre eles, a Livraria Utopia, a Varadero e a Circo de Ideias.

As principais descobertas:

Moksha
“Entre confinamentos (todo um período memorável das nossas vidas!) descobri o Moksha, estúdio de Pilates maravilhoso.” Fica a sugestão.
Rua de Álvares Cabral, 50

Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto
Nos passeios higiénicos, Mónica Guerreiro descobriu que tem como vizinho este tribunal, que “fica na muito apropriadamente chamada Rua João das Regras (isto não se inventa)”.
Rua João das Regras, 222

Rosa das Iscas
Nunca foi a este restaurante, mas está na mira para depois do desconfinamento.
Rua da Lapa, 54 A

Por Mariana Duarte

Farofa, DJ e produtor cultural
©Juliano Mattos

Farofa, DJ e produtor cultural

Não é segredo nenhum que a pandemia afectou mais umas profissões do que outras. Na cultura, os DJs foram dos que mais ficaram a perder. “Perdi o meu trabalho, perdi viagens e perdi uma das coisas de que mais gosto no mundo: juntar pessoas”, conta Rafael Henrique Victório, mais conhecido por Farofa, DJ e produtor cultural brasileiro, ideólogo de festas como a Kebraku e a TODA. A viver em Portugal há dez anos, em 2017 a gentrificação forçou-o a mudar-se da Baixa do Porto para Matosinhos, junto à Fonte Luminosa. “Ano após ano, o que mais me faltava era tempo para aproveitar meu novo local”, diz. A pandemia veio dar uma pausa na rotina frenética de Farofa e permitiu-lhe aproveitar melhor aquilo que estava em redor de sua casa – a começar pelo Parque da Cidade, agora para “andar sem rumo e com tempo”. As caminhadas ao final da tarde “pelo calçadão de Matosinhos” tornaram-se num hábito diário, sem esquecer os passeios de bicicleta, que antes “estava parada e abandonada”.

A nova rotina de Farofa serviu também para estreitar a sua relação com negócios locais. Entre eles, o HopTrip, bar e loja de cerveja artesanal de camaradas brasileiros; o restaurante Lage Senhor do Padrão, para “petiscar bolinhos de bacalhau e comer as melhores amêijoas à Bulhão Pato”; e a “tasquinha familiar” Grito’s Café, para “tomar um café e conversar com o senhor José Maria, o dono, e me deixar ficar ali por três horas a ouvir pela 15.ª vez a história e o orgulho de servir o melhor café da região”. Foi aqui que o DJ descobriu, recentemente, “a melhor sangria” que já experimentou por cá, oferecida pelo dono “aleatoriamente”: “Não está no cardápio e ele só faz por encomenda.” A Feira de Produtos Biológicos do Parque da Cidade, aos sábados de manhã (isto no pré-confinamento), e o Mercado Municipal de Matosinhos, para encher o saco de “azeitonas e tremoços”, são outras das duas paragens escolhidas por Farofa.

As principais descobertas:

Grito’s Café
“A surpresa desta vez foi descobrir a melhor sangria que já experimentei no Porto”, conta Farofa. Não está no menu: o dono só faz por encomenda. Fica a dica.
Avenida Menéres, 761, Matosinhos

Empório Mais Brasil
Cafeteria e loja com produtos do Brasil. Estão abertos durante o confinamento e têm serviço de take-away e de entregas ao domicílio. Vai uma feijoada e umas coxinhas.
Avenida Serpa Pinto, 236, Matosinhos

Reserva Wine Bar
Também de donos brasileiros, este bar de vinhos/loja/garrafeira dá-lhe várias e boas opções para afogar as mágoas durante o confinamento. Fazem take-away e entregas.
Rua Heróis de França, 606, Matosinhos

Por Mariana Duarte

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Cuca Linck, Chef
©DR

Cuca Linck, Chef

Vinda do outro lado do Atlântico, a brasileira Cuka Linck sempre teve uma forte ligação a Portugal. Especialmente ao Porto. O seu avô materno, que não teve a oportunidade de conhecer, nasceu em Gaia e, apesar de viver no Brasil, nunca esqueceu as suas raízes. Fazia questão de contar à filha, a mãe de Cuka, todas as histórias sobre a Invicta. Quando Cuka decidiu mudar-se para o Porto, há oito anos, fê-lo sem nunca ter visitado a cidade. “Cá [no Porto] a vida é mais calma e, ao mesmo tempo, nunca perdi aquela coisa de pessoa que nasceu na cidade grande, há de tudo aqui – comércio, desporto, lazer, cultura.”

Adora andar entre os tachos e faz da cozinha a sua profissão. Com a pandemia, a sua vida deu uma volta de 180º e está a gerir os dois negócios a partir de casa: A Restaurante e o OgroBurguer. Teve até que fazer remodelações na cozinha. Mas existem algumas vantagens de trabalhar em casa. Consegue, por exemplo, fazer compostagem de todo o lixo que produz. Além disso, o confinamento também lhe deu a possibilidade de dar mais uso aos ingredientes da sua horta, muito gabada por quem passa e a fica a observar.

Cuka viu a Baixa do Porto transformar-se a partir da janela. Segundo diz, as ruas à volta de sua casa perderam o som característico, o trânsito. “À noite só se ouvem barulhos de motas [de serviços como Uber Eats e Glovo] aqui à volta”, conta. Agora, compara a Rua da Torrinha, onde vive, a um condomínio fechado, porque a maior parte dos estabelecimentos estão encerrados. Abertas continuam mercearias como a Frutaria da Trindade e a Frutaria de Cedofeita, onde já era e continuou a ser cliente fiel. “Sei que há muita oferta nova, mas já criámos uma relação [com os negócios da zona] e vamos tentar continuar a apoiá-los.” Espaços como os pequenos restaurantes que servem diárias económicas, sempre com um sorriso afectuoso, como o Café Mar Azul ou a Confeitaria Aliança, são os que lhe deixam mais saudades.

As principais descobertas:

Flor de Açafrão
É uma loja que vende especiarias vindas de diferentes partes do mundo e Cuka faz lá compras regularmente para “pôr o stock de especiarias em dia”.
Rua de Miguel Bombarda, 321

Sabores do Sebouh
É uma fã incondicional deste restaurante de comida vegetariana do Médio Oriente. Duas das suas especialidades favoritas são muhammara, um molho pimenta, e fattoush, uma salada com pedaços de khubz (pão pita) e mistura de vegetais.
Rua de Miguel Bombarda, 34

Catraio
“Se saísse de casa sozinha para ir lá, sabia que quando chegasse [ao Catraio] ia encontrar algum amigo”, conta. Agora o bar vende as suas cervejas artesanais através das redes sociais e criou uma parceria com a OgroBurguer, projecto de Cuka, e juntos vendem combinações de hambúrgueres vegan e cervejas.
Rua de Cedofeita, 256

Por Margarida Ribeiro

Joana Estrela, Ilustradora
Fotografia de João Saramago

Joana Estrela, Ilustradora

Criar histórias e personagens sempre foi algo natural para Joana Estrela. Então, quando chegou a hora de escolher um ofício, optou por se aventurar no mundo da ilustração. É através dele que chega a públicos muito distintos, uma vez que é possível encontrar as suas peças tanto em galerias e noutros espaços culturais equivalentes, como nos livros infantis que ilustra.

Trabalha em casa há cerca de seis anos, por isso, a pandemia e a imposição do confinamento pouco mudaram a rotina diária. A diferença mais significativa até se tinha dado antes, no início de 2020, quando começou a alugar um espaço para trabalhar na Cru Cowork, na Baixa, e se estava a deslocar mais pelo Porto. “Continuo a ir para lá mesmo com o confinamento. Parei uns tempos, mas agora estou a voltar, porque está sempre pouca gente e sinto-me segura”, explica. Estas idas para o escritório são a forma que encontrou de passear, espairecer e conhecer “ruas ao calhas” onde, normalmente, não passa. Quando fica apenas pelo Bonfim, onde vive, opta por ir dar uma volta até às Fontainhas, e de lá consegue ver o rio Douro e as suas pontes.

Com a ordem de ficar em casa, virou-se ainda mais para as suas quatro paredes, e para o seu quarteirão. Admite que a maior diferença na sua rua, nos dias de hoje, é a falta de barulho. “Houve um período em que não passava aqui ninguém e há qualquer coisa em mim que gostou”, conta. Até começou a dormir melhor e tudo. Teve a sorte de conseguir continuar a frequentar os locais que já conhecia há anos, no Bonfim, e que se adaptaram aos tempos, como as mercearias e alguns restaurantes. Infelizmente, diz, também viu alguns negócios a fechar, após a confirmação de um segundo confinamento.

As principais descobertas:

Apple.come
Joana é cliente desta mercearia há muito tempo, mas recentemente decidiu fazer as suas compras de legumes e frutas apenas lá e recorrer aos supermercados só quando necessário
Rua do Bonfim, 58/70

Duas de Letra
Ir almoçar ou jantar ao Duas de Letra, aos sábados, era uma tradição. Apesar de não poder ficar lá a comer, continua a apoiar o espaço e vai buscar as refeições para comer em casa.
Passeio de São Lázaro, 48

Senhora Presidenta
Outro espaço da freguesia que visitava, frequentemente, era a Senhora Presidenta, uma galeria/loja que destaca diferentes mentes criativas. Aliás, neste momento, está a trabalhar numa exposição sobre sonhos, cuja inauguração, para já, não tem data definida.
Rua Joaquim António de Aguiar, 65

Por Margarida Ribeiro

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