Nina Gruntkowski
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Nina Gruntkowski: "O prazer é o mais importante. O saudável vem logo depois"

A gerente da Chá Camélia fez a primeira colheita da sua plantação de chá em 2017. Ex-jornalista nascida na Alemanha, encontrou tudo o que precisava no Norte de Portugal

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Aterrou em Portugal como jornalista, apaixonou-se por Dirk Niepoort e pelas camélias do Norte. Daí à dedicação ao chá verde biológico e à cultura japonesa do chá foi um passo.

Li que a plantação de chá que possui em Fornelo [freguesia de Vila do Conde], e onde em 2017 se fez a primeira colheita, experimental, é caso único na Europa continental.

Há várias iniciativas na Europa de miniplantações de chá mas, até agora, sem produção comercial. Há, por exemplo, uma no Sul da Suíça, na fronteira com Itália, mas é uma plantação de um museu [Casa del Tè Monte Verità], muito lindo e que faz um grande esforço para informar sobre a cultura do chá. Em geral, não é assim tão fácil encontrar o clima certo para plantar camélias [Camellia sinensis, a planta do chá]. Ela é muito adequada ao clima da zona costeira do norte de Portugal por raramente haver temperaturas abaixo de zero. Ou seja, a terra não gela. E há imensa humidade. 

O clima, só por si, explica esta raridade europeia?

Há outra razão: a produção é muito, muito exigente. Primeiro, a planta demora cinco anos a crescer até à primeira colheita, o que é um investimento imenso. Na Ásia, até dizem que uma plantação só começa a render a partir dos dez anos. Por outro lado, o investimento em máquinas e mão-de-obra não é fácil. Depois, a produção do chá em si é complicada, porque não é só secar a folha – implica quebrá-la, saber manipulá-la em termos de reacção enzimática e secá-la durante um certo período para criar os diferentes sabores. Só há uma planta do chá, a Camellia sinensis (há outra, Camellia assamica, só para chá preto), com a qual se podem fazer todos os chás: preto, verde, branco, amarelo, vermelho. 

Produzir chá é uma empreitada muito incerta?

É uma aventura. O meu marido [Dirk Niepoort, produtor de vinho] e eu somos um bocado loucos. Gostamos muito de desafios, de coisas novas, mas quando começámos não sabíamos que um dia íamos ter mesmo uma plantação. Ok, plantação já temos, agora falta descobrir se conseguimos produzir em quantidades razoáveis e com uma qualidade que nos satisfaça. É preciso ter uma cabeça de sonhador para se fazerem estes projectos. 

Durante os cinco anos de espera pela primeira colheita vive-se com o coração nas mãos?

Sim, mas decidimos fazer de uma maneira um pouco diferente. Isto é, não nos focarmos apenas na produção e ter também parcerias com produtores do Japão, começando assim com a importação de chás biológicos de alta qualidade que quase não se encontravam por cá. Também procurámos um nicho de mercado que não existia, com degustações em todo o país e em Espanha, e uma campanha de sensibilização para o chá verde biológico. Ou seja, trabalhámos como se já tivéssemos um produto nosso, e em sete anos conquistámos muitos fãs. 

Fãs que, agora, já podem provar a produção da sua marca, Chá Camélia.

Em 2017 fizemos a primeira produção experimental, dois quilos de chá seco a partir de quase dez quilos de folhas frescas. Tudo feito à mão. Estamos muito contentes com o resultado. 

Como descreveria os fãs conquistados através das degustações e workshops de chá biológico?

Há vários tipos de clientela. O grupo número um é claramente o das pessoas interessadas na agricultura biológica e sustentável, numa vida saudável e em alimentos saudáveis mas saborosos; ou seja, em tudo o que se baseia o nosso projecto. Depois, temos as pessoas da língua fina, do mundo gourmet, da restauração, vinhos, todos os que gostam de saborear aromas mais requintados. Aí temos muitos adeptos e é interessante, porque quem tem uma língua fina logo percebe os nossos chás. Para mim, o prazer é o mais importante.
O saudável vem logo depois.
 

Não há como fugir ao facto de que este é muito mais um país de bebedores de café do que de chá. Tem alguma teoria para justificar o domínio do café?

Sei que o português mantém um certo carinho e romantismo em relação ao chá, mas [a menor implantação do chá em relação ao café] começa pelo facto de normalmente não distinguir entre ervas aromáticas e chá da planta do chá. Ou seja, entre chá e tisanas. Para mim, há uma certa falta de sensibilidade à qualidade do chá. O chá foi banalizado na Europa nas últimas décadas por causa dos tea bags, e isso estragou muito. O europeu acha que chá é aquela coisa dentro da saqueta que não sabe muito bem. 

A saqueta dá cabo do chá?

Fizemos experiências com saquetas flat e o resultado era imbebível. O nosso próprio chá. Como pode ser? Então descobri que a fábrica, antes de o colocar na saqueta, mói o chá, e ao fazê-lo aquece-o, oxida-o. Ele entra na saqueta e em contacto com o papel seca ainda mais e em pouco tempo é pó autêntico. Já nada tem a ver com o produto inicial. Isso abriu-me muito os olhos. 

Como contornou esse problema?

Fazemos chá de folhas inteiras, e todas as nossas embalagens são de vácuo. De resto, um chá verde deve ser preparado com boa água, sem ferver, com pouco tempo de infusão, e repetindo as infusões: à segunda o sabor fica mais complexo, a terceira também sai bem, e pode-se ir até quatro, cinco. 

Menciona com frequência a “inspiração japonesa” na arte do chá. A forma como outras culturas lidam com o chá não a cativa?

Somos muito fãs dos chás asiáticos: chá verde, chá oolong, tudo o que é mais fino, mais refinado. Os chás europeus, ingleses, nunca entendi. Têm um perfil e um palato completamente diferentes. Para nós, o Japão foi uma inspiração muito grande porque fazem as coisas com perfeição. A cultura do chá no Japão é incrível, não só em termos de produção mas também a cerimónia do chá, a cerâmica, tudo. É uma dedicação total. Há mestres de chá no Japão que consagram a vida à preparação do matcha, o chá da cerimónia. Essa atenção ao detalhe é algo que me fascina bastante. Nunca vou ser tão perfeitinha mas é muito bonito tentar.

A Nina nasceu em Frankfurt e estudou Geografia, Etnologia e Estudos Africanos na Universidade de Colónia, mas veio parar a Portugal.

Isso foi um acidente [risos]! Depois de terminar o curso comecei a trabalhar como jornalista para a rádio pública alemã. Nessa altura especializei-me mais nos países de língua portuguesa porque já falava brasileiro – aprendi de passagem em Colónia, praticando capoeira – e pensei em fazer programas sobre países que na Alemanha ninguém conhece. Viajei muito em África e sempre achei que um dia havia de acabar num desses sítios. 

Porquê?

Nunca me vi a viver o resto da vida na Alemanha. Nada  contra a Alemanha, mas tinha demasiada curiosidade de experimentar viver noutro país. Só que Portugal não estava no meu mapa. 

Como e quando entrou Portugal no seu mapa?

Uma rádio pediu-me para fazer um programa sobre o Douro, mais focado na vida social e menos na culinária e no vinho. Francamente, pensei: “Posso fazer, mas não me atrai muito.” Fui tentando marcar entrevistas por email a partir da Alemanha, mas ninguém respondeu. Várias pessoas me falaram do Dirk, ao que respondia, “Mas eu preciso de pessoas normais, da rua” [risos]. Escrevi-lhe um email em português (não sabia que ele falava alemão) e o Dirk, supersimpático, mostrou-se disponível para me apresentar a outras pessoas. 

E veio cá.

No momento em que nos encontrámos ele disse-me logo: “Quando te ouvi ao telefone soube que ias mudar a minha vida”. E eu, “Como!?” Depois, tentei fugir mas não consegui [risos]. E assim fica uma pessoa presa a Portugal. 

Em que ano se dá esse encontro?

Em 2007. Como ele não consegue mudar a vinha e eu trabalhava como freelancer, vim mais ou menos rapidamente para cá e continuei mais uns anos a trabalhar para a rádio alemã. Houve um período de transição difícil em que me senti um bocado entre dois mundos, sem saber muito bem onde estava a minha casa. Depois surgiu a ideia do projecto do chá. Tínhamos esse sonho há já algum tempo, mas estava guardado para a terceira idade, quando tivéssemos tempo para viajar para a Ásia. 

Anteciparam esse sonho graças a uma entrevista.

Sim. Falei sobre chá verde com esse suíço que tem a plantação [Peter Oppliger], e ele contou-me que só existe uma planta do chá, a Camellia sinensis. Perguntei-lhe se essa planta fazia parte da família das camélias com as flores bonitas no Inverno e ele respondeu que sim. Foi uma das coisas que me encantou no Porto desde o início: aqui, no Inverno, nesta tristeza, há flores em todo o lado. 

No regresso, como prenda, trouxe uma planta do chá.

Cheguei e o Dirk disse logo, “Vamos plantar chá!”. Colocámos a planta no canto mais frio do jardim para ver se ela sobrevivia ao Inverno. Sobreviveu, encomendámos mais 200 e durante dois anos ficaram no jardim de casa, até termos a certeza que se davam com o clima. 

O que gosta mais e menos no Porto?

Adoro os edifícios antigos por todo o lado, que felizmente agora são recuperados. Adoro as camélias e a situação geográfica, com rio e mar. Do que não gosto? Da confusão do trânsito. A dependência do carro. Os transportes públicos mais ou menos fracos. Custa-me, porque na Alemanha fazia tudo de bicicleta ou metro, e aqui nem um nem outro. 

O que é que há no Porto que só quem vem de fora repara e valoriza?

A cultura de comer fora. Na Alemanha, isso é para os ricos ou então é snack de sobrevivência. Gosto da cultura da tasca: quem conhece ainda consegue encontrar sítios simples, com comida excelente a um preço acessível, onde se encontra o director geral da empresa não-sei-quantos e o empregado da vizinha. Aprecio muito essa mistura porque acontece à volta da qualidade da comida e não do show-off do restaurante chique. É um lado do Porto que tem a ver com convivência e qualidade de vida e não com dinheiro. E reparo numa certa resistência dos portuenses em não deixar que lhes roubem essa cultura.

Passado, presente e futuro

O que fez

Cursou Estudos Africanos em Colónia, tornou-se jornalista radiofónica freelancer, andou por países lusófonos  e chegou a Portugal em 2007, onde conheceu Dirk Niepoort, com quem casou. E ficou. O projecto Chá Camélia nasceu em 2011.

O que faz

A sua plantação de chá rendeu a primeira colheita em 2017, o mesmo ano em que se aliou à Feitoria de Cacau para um chocolate com matcha. E há o Pipachá, chá oolong envelhecido seis meses em pipas de vinho do Porto.

O que vai fazer

Um dia pretende escrever um livro sobre chá. Antes, pelo Verão de 2018, deverá chegar um gelado de chá verde matcha criado a meias com a Tasca Kome, de Lisboa. Mais? “Não parar de viajar e conhecer outros mundos do chá.”

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