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Paulo Rocha Cardoso é director e um dos fundadores da Comic Con Portugal
Comic Con PortugalPaulo Rocha Cardoso é director e um dos fundadores da Comic Con Portugal

Dez anos de Comic Con Portugal: “Às vezes é mais complexo do que fazer um festival de música”

Evento dedicado à cultura pop comemora dez anos e regressa a Matosinhos, de 21 a 24 de Março. Em entrevista à Time Out, o director da Comic Con Portugal, Paulo Rocha Cardoso, fala sobre os desafios, as novidades e o futuro do evento.

Escrito por
Ana Catarina Peixoto
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Se em 2014 perguntassem a Paulo Rocha Cardoso se a Comic Con Portugal ainda estaria a acontecer, e com tanta bagagem de experiências passados dez anos, a resposta seria cheia de incertezas: "Provavelmente não teria acreditado". O evento que fundou, dedicado à cultura pop, celebra este ano uma década de vida, com uma edição que regressa ao local onde tudo começou, a Exponor, em Matosinhos, entre os dias 21 e 24 de Março.

Em conversa com a Time Out, o director da Comic Con Portugal recorda o início, os vários desafios que um evento deste género tem de enfrentar face à distância e à volátil agenda do mercado e explica também como será a edição deste ano, que vai ocupar o espaço completo da Exponor, com capacidade para 160 mil pessoas ao longo de quatro dias e com dez palcos dedicados a diversas áreas – desde gaming a cosplay, música, literatura e banda desenhada, além de cinema e televisão.

E, nos próximos anos, por onde onde passará o futuro da Comic Con Portugal? Para já, está tudo em aberto, conta Paulo Rocha Cardoso. Mas com uma garantia: "A Comic Con nunca foi igual desde a sua primeira edição. Existiram sempre alterações e novas experiências e isto é o que podemos contar para esta edição e para as próximas do futuro. Um evento nunca vai ser idêntico ao evento anterior".

A Comic Con Portugal volta à Exponor para celebrar dez anos de vida
Comic Con PortugalA Comic Con Portugal volta à Exponor para celebrar dez anos de vida

A Comic Con Portugal comemora dez anos. O Paulo esteve lá desde o início, desde a primeira edição, em 2014. Que balanço faz desta década de evento?
Foi uma jornada incrível, de muita aprendizagem, porque várias vezes tivemos que adoptar medidas diferentes daquilo que há dez anos nos propusemos a efectuar, com a envolvência da própria indústria e de todos os parceiros. Muitas vezes tínhamos sonhos e vontades que queríamos realizar com determinados convidados e conteúdos, mas que eram difíceis devido ao local e ao mercado em que nos encontramos, porque tinham uma distância muito grande da indústria internacional e do próprio mercado global de entretenimento. Penso que esta foi a maior diferença.

Também somos muito felizes porque, ao longo destes anos, credibilizamos muito tudo aquilo que estávamos a tentar realizar. Muitos dos nossos parceiros de hoje estão connosco desde a primeira edição e isso também demonstra o crescimento, a confiança e o terem ultrapassado muitos dos desafios connosco ao longo deste caminho.

Encontrou um cenário muito distante da cultura pop vivida no mercado internacional? Essa distância foi um obstáculo para fazer crescer um evento em Portugal?
É diferente. As convenções de massas são direccionadas a um público de entretenimento, que se baseia também numa indústria e num mercado de entretenimento, representado pelo cinema, pela televisão, pelo streaming, pelos videojogos. O mercado português em termos de box office, a nível global, é muito diferente. 

Um dos desafios que encontramos, e que não se encontram em San Diego ou em Nova Iorque, é que muitas vezes os estúdios, ao estarem sediados no mesmo país, sendo os mercados prioritários, também se torna muito mais fácil promover o conteúdo para estar mais próximos dos fãs. No nosso caso, quando estamos a planear de Los Angeles estamos sempre a planear com 12 horas de distância. São viagens que são planeadas de uma forma completamente diferente, é preciso estar parado quase uma semana para vir promover um conteúdo à Europa e isso tem o seu peso.

Os mercados prioritários vão sempre ter um maior privilégio do que mercados que estão em países que tenham um box office diferente e isso reflecte-se em todas as indústrias. Por outro lado, também vivemos num país em que o turismo está muito bem representado no mercado internacional. Existe um grande interesse e um grande desafio em vir conhecer o nosso país. Temos muitas vezes convidados que nos dizem: "Eu quero ir a Portugal, quero passar uns dias em Portugal". A maior diferença que vejo do nosso evento face a um evento norte-americano, por exemplo, é a forma como nós criamos hospitalidade e a envolvente de estar com as pessoas cá. Não temos aquele paradigma de trabalho constante, é mais uma situação de lazer e também de estarem representados com os fãs.

No fundo, acaba por ir um pouco além do evento.
Exactamente.

Quando criou a Comic Con em Portugal, em 2014, tinha consciência destas diferenças?
Tínhamos consciência de que o mercado português seria sempre diferente do mercado norte-americano. Em 2014 era muito diferente, porque também estávamos fazer um evento desta magnitude e desta natureza num país que não tinha essa experiência, onde não existia esse conceito. Já existiam vários festivais de cinema, de banda desenhada e de videojogos, mas não existia um evento que aglomerasse todo este universo dentro do mesmo espaço. O grande desafio que tivemos em 2013/2014 foi o reconhecimento por parte da indústria americana de que era possível fazê-lo em Portugal. E, quando conseguimos concretizar a primeira edição, demonstramos também que teríamos muito para realizar nos anos seguintes. 

Hoje falamos na Comic Con Portugal como um marco na Europa e há dez anos não existia sequer o conceito de um evento desta natureza na Europa, não tínhamos essa representatividade. A nossa maior dificuldade actualmente não tem a ver com a credibilidade dos conteúdos, mas sim com a própria disponibilidade – a possibilidade ou não, em termos de agenda, de poderemos ter determinado conteúdo em Portugal. 

As nossas vontades, face ao calendário internacional, muitas vezes não são compatíveis e por isso é que se torna um desafio. Se há dez anos me dissessem que era possível chegar aonde chegamos hoje, que teríamos realizado tantas coisas, que criamos tanto e que levamos muita desta felicidade aos fãs, eu provavelmente não teria acreditado.

Na Exponor, a Comic Con vai contar com 10 palcos dedicados a várias áreas
HELDER COUTONa Exponor, a Comic Con vai contar com 10 palcos dedicados a várias áreas

Tendo estado presente em todas as edições ao longo destes dez anos, tem alguma edição que destacaria ou algum nome que queria muito trazer a Portugal e conseguiu? 
Quando trouxemos cá Maurício de Sousa... é alguém que criou uma personagem que claramente cresceu connosco e isso marca as pessoas que o vêem a primeira vez, marca as pessoas que estão com ele. Também trouxemos cá o Chris Claremont, que foi um dos criadores dos X-Men. Eu próprio cresci com esta banda desenhada, com estas personagens, e estar presente com estes criadores foi extremamente importante. 

Muitas vezes falamos nos grandes nomes de Hollywood, o que é normal e é algo que faz parte do nosso imaginário, mas ao longo destes dez anos muitas pessoas passaram pelos diversos eventos e todas criaram algo que faz parte do nosso dia-a-dia, que nós crescemos e vivemos com isso. Vão existir sempre convidados que gostaria de trazer cá, que outras pessoas gostariam de conhecer. Alguns, infelizmente, não aconteceram, como o Stan Lee, que era um dos nossos sonhos tentar trazê-lo e a determinado momento esteve mesmo para acontecer. 

É preciso fazer uma gestão muito grande, em termos de agenda e de contexto do mercado.
É desafiante. Percebo que as pessoas por vezes questionem porquê determinado talento em detrimento de outro. Aquilo que não se sabe é que estamos seis meses a tratar de um convidado e de um conteúdo e está tudo muito bem para acontecer e, de repente, nas últimas duas, três semanas, a própria agenda em termos de trabalho desse convidado/conteúdo muda e aquilo deixa de acontecer. Ninguém mais do que a própria equipa que está constantemente a trabalhar nisto fica frustrada quando isto acontece.

Muitas vezes também não passamos essa informação para o público, porque era frustrante para um fã pensar e estar a contar que determinado convidado que estava confirmado teve de cancelar. Atrasamos muito a própria comunicação até termos tudo certo. São muitos meses de trabalho, com muitos parceiros, muitas entidades nacionais e internacionais para tentar conjugar tudo. Costumo chamar-lhe uma "engenharia de programação", para perceber se é possível ou não comprometermo-nos e garantir que aquilo se vai realizar. Sem contar com as variáveis que para nós são completamente impensáveis – como dilúvios, pandemias, etc. 

Este tipo de iniciativas são muito diferentes de um festival de música, em que já existe uma digressão, uma tour que já está calendarizada e as datas estão muito bem definidas. Podem existir sempre variáveis que são incontroláveis, mas há uma certeza maior. No nosso caso, às vezes as coisas são mais complexas, porque de repente um estúdio muda uma agenda e aquilo pode afectar toda uma calendarização – não só com aquela pessoa, mas com várias pessoas. 

Estes dez anos de Comic Con Portugal foram também marcados pelas mudanças de localização. Fizeram quatro edições em Matosinhos, depois mudaram-se para Oeiras, depois Lisboa e este ano estão de volta à Exponor. O que levou a estas mudanças e porquê o regresso ao Norte?
Depois da edição de 2017 percebemos que era necessário alterar o espaço porque estávamos num momento em que não tínhamos mais capacidade dentro do recinto e também existiam algumas dificuldades complexas ao nível de logística e ao nível institucional. Fomos para o Passeio Marítimo de Algés em 2018 porque era preciso criar um local onde fosse possível colocar toda uma indústria, todo um evento. Nesse ano resolvemos fazer algo que era inédito a nível internacional: criar um evento 100% outdoor. E assim o fizemos em 2018 e 2019. Em 2020 aconteceu o inesperado, com a pandemia, e decidimos realizar um evento 100% digital – a Comic Con Celebration.

Em 2021, ainda em plena pandemia, percebemos que não seria possível realizar o evento ao ar livre em Dezembro. Foi por essa razão que mudamos o festival para o Altice Arena, onde estivemos durante dois anos. Mas, a determinado momento, começamos a imaginar como seria fazer a décima edição. Como seria celebrar os dez anos? Todos os anos temos um grande núcleo de fãs que nos pergunta quando é que vamos regressar ao Norte. Não só público português, mas também muito público do Norte de Espanha, da Galiza. Conversamos muito sobre isto e fazia muito sentido celebrar a edição dos dez anos onde tudo começou. 

Cobie Smulders foi uma das atrizes que participou na Comic Con Portugal em 2016
Comic ConCobie Smulders foi uma das atrizes que participou na Comic Con Portugal em 2016

Que novas condições vai ter o recinto da Exponor este ano? 
O evento mudou muito desde que saímos da Exponor. Quem foi em 2017 vai reconhecer alguns dos espaços que tínhamos e que ainda continuam, mas muitos outros são novas experiências que estão a ser implementadas. Vai ser uma excelente experiência porque vai ter um certo sentimento de nostalgia para quem já lá esteve e depois vai ter um sentimento de novidade. São dez palcos e dez áreas com conteúdo para estes quatro dias. 

Quem foi há dez anos e foi aos primeiros painéis, este ano são painéis completamente diferentes, com outra dimensão, outra envolvência. Antes havia dois, três palcos e agora são dez palcos. Há muito conteúdo que no passado nem sequer era envolvido dentro do evento. A música, por exemplo, não era uma parte integrante do próprio evento. Vai ser interessante, estamos desejosos de ver a expressão das pessoas e a própria animação e acreditamos muito que é um público que acarinha, que está connosco nesta viagem e que vai gostar muito deste desafio. Acredito que esta celebração dos dez anos vai ser um novo marco para o futuro.

O que destaca da programação deste ano na Comic Con Portugal?
Estamos em Portugal e, por isso, muito do conteúdo tem de ser desenhado e tem que ter representatividade e distribuição em Portugal. Esse é um dos primeiros desafios, porque existem desde séries a filmes e jogos que no mercado internacional são promovidos e apresentados, mas tem que ter esta premissa: as pessoas têm que ter o contacto, a possibilidade de criar a continuidade com este conteúdo. 

Todos os conteúdos que desenhamos, de todas as áreas, são em conjunto com a própria indústria, ou seja, nunca vem nenhum conteúdo sem que a própria indústria esteja envolvida. Todo ele vai ter representatividade: ou está a ser lançado ou já foi lançado nestes dias e principalmente durante este ano.

Vamos ter algumas celebrações, como Stan Sakai, que tem 40 anos de carreira e vai estar na Comic Con. Um autor que criou uma personagem incrível, que está neste momento na banda desenhada, mas também em séries na Netflix, em animação infantil. É muito importante que tenha escolhido Portugal e a própria Comic Con para celebrar os seus 40 anos de carreira. 

Quantas pessoas é que a Exponor está pronta para receber ao longo destes quatro dias?
Em termos de público, os últimos números que tivemos foram 140 mil pessoas em 2019, depois tivemos a pandemia. Para este ano estamos a preparar o recinto para ter acima desse número: no mínimo 140 mil, mas estamos a preparar para ter até 160 mil pessoas. 

E quais são os próximos desafios da Comic Con Portugal?
Temos sido solicitados para fazer várias iniciativas ao longo de todo o ano e para celebrar vários lançamentos. Ao longo deste último ano já começamos a criar essas iniciativas, como o Batman Day na Casa da Música, exposições de Colsplay em Vila Nova de Gaia, etc. Quase todos os meses têm acontecido diversos eventos que celebram o universo da cultura pop.

Essa continuidade vai continuar a existir, levando também o universo da cultura pop a todas as pessoas que muitas vezes não têm a oportunidade de se deslocar à Exponor ou ao evento daquele fim-de-semana. O nosso desafio no próximo ano é ter um calendário de iniciativas que vai estando presente e mais próximo das pessoas, não só nas grandes cidades mas também noutros locais. 

Pretendem manter-se em Matosinhos numa próxima edição, por exemplo, ou planeiam voltar de novo para Lisboa?
O que já está definido é que vamos realizar mais eventos ao longo de todo o ano em diversas localidades. Relativamente à própria Comic Con, iremos aguardar pelo evento em si para perceber o que é que a indústria nos tem solicitado, como é que podemos olhar para o evento e perceber o que é que é possível fazer a seguir. Há uma vantagem: já temos várias experiências indoor e outdoor. Somos dos poucos eventos que teve este desafio de fazer a mudança de casa. Regressar à Exponor é regressar a um espaço que já conhecemos, mas com uma bagagem completamente diferente.  

Fazer uma mudança para outra localidade hoje assusta-nos muito menos do que nos assustava há dois ou três anos. É completamente diferente. E isso tem vantagens e desvantagens. É importante que as pessoas conheçam o espaço e já saibam onde vai acontecer mas, por outro lado, também é importante as pessoas descobrirem coisas novas e se há uma coisa que podemos afirmar é que a Comic Con nunca foi igual desde a sua primeira edição. Existiram sempre alterações e novas experiências e isto é o que podemos contar para esta edição e para as próximas do futuro. Um evento nunca vai ser idêntico ao evento anterior. 

Avenida Doutor António Macedo (Matosinhos). 21-24 de Mar, Qui-Dom, 25€ (bilhete diário)

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