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Pátria
Diana Lopes

Em 'Pátria', o pai é o centro do retrato de família

O encenador Manuel Tur regressa ao ciclo Retrato de Família e leva à cena mais realidades familiares. ‘Pátria’, no Teatro Carlos Alberto, no Porto, é um lápis afiado que desenha mais uma: a de um homem só, um pai (ou um filho?), ensandecido, enclausurado e refugiado num país estrangeiro

Joana Moreira
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Joana Moreira
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Em tudo há família. Assim é para Manuel Tur, encenador, que desde 2015 percebeu que, entre as peças que queria encenar, “90% eram sobre questões familiares, realidades familiares”. Só que em vez de configurarem o lugar da segurança, da afectividade, eram precisamente peças opressivas, peças sufocantes, sobre uma realidade familiar que é absolutamente transgressora do que nós acreditamos ser o nosso espaço de família”.

Foi o que aconteceu na primeira fase do ciclo dramático que criou e que tem como título Retrato de Família. Em 2017, as peças O Pelicano (1907), de August Strindberg, e Tatuagem (1992), de Dea Loher, mostraram-se no Teatro Carlos Alberto (TeCA), no Porto, em simultâneo. Na peça de Strindberg, o autor sueco explorava a história de uma mãe opressora, na de Loher a dramaturga alemã punha em evidência a crueldade de um pai abominável. “Funcionavam em espelho, partilhavam a mesma cenografia, mesmo alguns dos actores e a temática das peças era semelhante. Numa havia uma ausência materna, noutra uma ausência paterna”, recorda o encenador, por telefone, à Time Out.

O segundo momento deste ciclo, que torna ao TeCA, de 16 a 20 de Novembro, abre-se com Pátria, uma co-produção entre o colectivo A Turma, o Teatro Nacional São João, a Casa das Artes de Famalicão e a produtora 11zero2. Trata-se de um monólogo que coloca o actor Pedro Almendra a dar vida às palavras do escritor e dramaturgo brasileiro Bernardo Carvalho – que respondeu à encomenda criando um texto original que coloca o pai no centro do retrato de família. “Quando falamos de pátria falamos de pátria-país, mas também falamos de pátria-pater, de pai”, explica o encenador sobre a peça. Esta é sobre um homem que conta a sua história enquanto refugiado num país estrangeiro, num longo relato sobre como lá chegou, acabando preso após uma denúncia por um crime que pode, afinal, nunca ter cometido. A personagem, interpretada por Pedro Almendra, fala às paredes e às plantas, encerrado num espaço (quando o autor brasileiro escreveu o texto, em 2016, estava longe de imaginar os confinamentos que se imporiam mundo fora), narrando-se expatriado e injustiçado. “Este homem, dentro da sua solidão, tem este espaço repleto de plantas que vai cuidando e que vai usando para se esconder e para se proteger do exterior". Com o tempo, o homem vai ficando cada vez mais escondido – tirando partido da habilidade da cenografia de Ana Gormicho –, cada vez mais anónimo. Até que um estrangeiro, que diz ser seu filho, lhe bate à porta. 

Pátria
Diana Lopes

“Talvez o velho refugiado não seja quem anuncia. Talvez nem refugiado seja. Velho sequer. E o próprio estrangeiro não venha a ser tão estrangeiro assim”, revela a folha de sala do espectáculo, que se estreou fugazmente em 2019, com apenas duas apresentações, no Armazém 22, no Porto, e em Famalicão. “Soube-nos sempre a pouco”, diz Manuel Tur, membro fundador d’A Turma, que se desvinculou da companhia portuense “entre o final de 2019 e início de 2020”. “Por questões programáticas [a peça] fez uma circulação muito curta e agora conseguimos reactivá-la", explica. Foi um convite do actual director do TNSJ, Nuno Cardoso, que trouxe Pátria de novo à cena. 

Na mesa de cabeceira metafórica de Manuel Tur continuam a empilhar-se as dramaturgias que esquadrinham laços familiares. “Toda a gente me diz que nunca precisei de fazer terapia porque a tenho feito nos últimos anos a encenar este ciclo”, diz entre risos. “É uma coisa absolutamente instintiva, nunca me debrucei sobre isso”, admite. “Há qualquer coisa que me fascina, que me seduz canibalisticamente nestas peças familiares”. Já a sua primeira encenação, ainda para A Turma, fora Tu Acreditas no Que Quiseres, a partir de Loucos por Amor, de Sam Shepard. Uma peça sobre a família, sobre dois apaixonados que, percebe o público a dada altura, são meios irmãos. “Se calhar, muito inconscientemente, o Retrato de Família em 2008 já estava a ser inaugurado”, reflete. 

O terceiro momento do ciclo Retrato de Família já está em marcha e chegará no “último trimestre de 2024” com a adaptação cénica que David Eldridge fez de A Festa, filme de Thomas Vinterberg. Aquela que, segundo o encenador, pode bem ser a parte final do tríptico será uma co-produção com o Teatro Nacional São João, ainda por definir se se estreará no TeCA ou no TNSJ. 

Teatro Carlos Alberto (Porto). 16-20 Nov, Qua-Qui 19.00, Sex 21.00, Sáb 19.00, Dom 16.00. 10€

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