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Exposição assinala centenário de Nadir Afonso na Universidade do Porto

A exposição ‘100 Anos Nadir, Inéditos’ marca o centenário do pintor flaviense e pode ser visitada até 23 de Dezembro, com entrada livre. O programa de comemorações inclui, ainda, lançamentos de livros, conversas, visitas guiadas, sessões de cinema e oficinas.

Escrito por
Maria Monteiro
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“Eu vim aqui para ser pintor e acabei por ser arquitecto. Mas a culpa não foi minha”, recordava Nadir Afonso, com um sorriso travesso, na cerimónia em que lhe foi concedido o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto, em 2012. Mais de 70 anos antes, em 1938, terminados os estudos liceais em Chaves, rumara ao Porto para se matricular na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Depois de uma adolescência passada de cavalete nas ruas a pintar a sua cidade de várias perspectivas, tinha claro que o seu futuro passava pela pintura. Mas esperava-o um desvio pela arquitectura, graças a um funcionário da secretaria que o convenceu a enveredar por uma área com mais prestígio. “Então o senhor tem o curso dos liceus e vai-se inscrever em pintura? O senhor vai para arquitectura”, disse-lhe, na altura, ao que o jovem Nadir anuiu, sem argumentar.

Embora empurrada para segundo plano, a pintura continuou a ser a referência central do arquitecto em construção. A filiação na arquitectura e a relação de Nadir Afonso com a Escola do Porto acabariam por ser determinantes na construção da sua linguagem artística como pintor e na formulação do seu pensamento sólido e inovador. 100 Anos Nadir, Inéditos, patente na Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto até 23 de Dezembro, assinala o centenário do nascimento do pintor, vulto da arte portuguesa do século XX e ilustre alumnus desta universidade. “A Escola do Porto caracteriza-se por fomentar a integração das várias artes e Nadir Afonso levou este pensamento até às últimas consequências”, descreve António Quadros Ferreira, professor emérito da Faculdade de Belas-Artes do Porto (FBAUP), investigador e curador da exposição.

Há mais de 130 inéditos distribuídos por quatro salas, como guaches, pinturas e estudos, que evidenciam o permanente diálogo entre pensamento e obra no universo nadiriano. “Os primeiros estudos [apresentados] são de 1938 e os últimos de 2011, o que nos permite ver o trajecto artístico de Nadir Afonso ao longo do tempo”, comenta o curador, sublinhando que “é a primeira vez que se mostra o somatório de estudos que preenchem os 18 momentos principais do seu percurso”. 

100 Anos Nadir, Inéditos
© Egídio Santos / UPorto

A experimentação é constante na prática artística do pintor e vai dos esboços formativos na academia aos trabalhos consagrados dos anos 2000. A inquietação leva-o a pular de ensaio em ensaio e a percorrer momentos estéticos e conceptuais como surrealismo, pré-geométrico, barroco e figurativo, outros relacionados com as viagens que fez pelo mundo ou os espacillimités, conceito matricial da sua obra fundado nos anos 50 e 60. Espacillimité (máquina cinética) (c.1956), a única obra não inédita em exposição, é um manifesto do pensamento vanguardista que inscreveu Nadir Afonso na história da arte do século XX. Esta tela em banda, assente sobre uma trave suportada por dois cavaletes e accionada por um mecanismo que a faz girar, representa a “ideia de um espaço que não tem princípio nem fim”, explica António Quadros Ferreira. A efemeridade das coisas, nota o curador, é contrariada pelas “leis geométricas e matemáticas presentes na pintura de Nadir”. O seu processo criativo é extremamente racional e vem normalmente acompanhado de uma reflexão e análise crítica que levam à produção de pensamento novo – trata-se de um trabalho mais construído que intuitivo, como só poderia ser o de um arquitecto.

Apesar de ter exercido arquitectura e ter, inclusive, colaborado com conceituados arquitectos como Le Corbusier e Oscar Niemeyer, Nadir Afonso acabou por se dedicar inteiramente à pintura a partir de 1965, servindo-se da sua área de formação apenas como “experiência plástica” e fonte de “consciência, sedimento e coerência” para as suas telas. É, contudo, neste período que a influência da arquitectura se torna mais clara na sua obra através da chamada “pintura de cidades”, registo em que alude a espaços urbanos, tendo como inspiração as memórias das suas viagens. 

100 Anos Nadir, Inéditos
© Egídio Santos / UPorto

“O nomadismo de Nadir estimulou o seu trabalho enquanto arquitecto, pintor e, sobretudo, pensador”, reitera o curador. Com um “trabalho teórico seminal”, é um caso raro em Portugal da formulação de pensamento por parte de um artista sobre a obra criada. Mas a sua faceta de teórico da arte “ainda não está suficientemente divulgada”. A Universidade do Porto vai aproveitar a ocasião para lançar Arte e Pensamento, colecção de quatro volumes que inclui ensaios do mestre flaviense, muitos deles pela primeira vez traduzidos dos originais em francês, e o livro Nadir, Mestre de Si Mesmo, de António Quadros Ferreira.

Além do lançamento de livros, o programa de actividades paralelas inclui o concurso do recém-anunciado Prémio Fundação Nadir Afonso/Universidade do Porto, que tem 1000 euros para dar a trabalhos multimédia baseados na obra do pintor, mesas redondas, visitas guiadas, sessões de cinema e oficinas para famílias. “100 Anos Nadir. Inéditos” oferece um olhar global sobre o vasto legado de Nadir Afonso, mas não o dá como fechado. Até porque, entre cerca de 15 mil obras produzidas, ainda há muitos inéditos para mostrar.

100 Anos Nadir, Inéditos
© Egídio Santos / UPorto

Casa Comum da Universidade do Porto, Praça de Gomes Teixeira. Seg-Sex 10.00-13.00/14.30-17.30, Sáb 15.00-18.00. Entrada gratuita.

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