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É um dos nossos principais e melhores contadores de histórias na música nacional. É impossível não pensar em Jorge Palma e ouvirmos nas nossas mentes canções como “Jeremias, o Fora da Lei”, “Bairro do Amor” ou a incontornável “Frágil”. Mas a sua música tem mais camadas e mundos além desta faceta de cantautor, que pode ser comparada a influentes artistas como Bob Dylan, Tom Waits ou Paul Simon.
A postura rock n’ roll de Palma esconde o virtuosismo no piano e a formação clássica, com a influência da música erudita a tingir discos como Asas e Penas (1984) – em composições como “Estrela do Mar” ou “Amora Morena” – ou em Só (1991), com a faixa “Terra dos Sonhos” a pedir melodias emprestadas a Stockhausen.
Agora, podemos conhecer melhor esta sua faceta no vigésimo aniversário dos Concertos Promenade do Coliseu do Porto. A 18 de Maio, às 11.00, Jorge Palma recebe uma “Carta Branca”, para interpretar temas de música clássica, visitando nomes como Beethoven, Mozart, Mahler ou Schönberg, e dar novas roupagens a temas da sua discografia, num concerto em que conta com a ajuda do maestro Cesário Costa e da Orquestra Sinfónica ARTAVE.
Falámos com o artista sobre este espectáculo, o regresso à música clássica e o mais recente problema de saúde que enfrentou, uma infecção respiratória aguda, que o levou a adiar concertos.
Como é que tem sido a preparação para os espectáculos do Promenade?
Este concerto tem um significado muito especial. Vou estar ao piano a interpretar temas de mestres como Beethoven, Mozart, entre outros, e algumas das minhas canções.
Vai ser um alinhamento bastante diferente dos seus concertos habituais?
Escolhi [começar com] uma sonata de Beethoven, que considero ser uma das peças da minha vida, que comecei a estudar quando tinha 11 anos: a “Sonata para piano No. 8 em Dó menor”, mais conhecida como “Sonata Pathétique”. Em seguida, vou tocar com a Orquestra Sinfónica ARTAVE – Escola Profissional Artística do Vale do Ave. Ela é composta por estudantes de música de cursos superiores e são de Famalicão. Vou ter um ensaio com eles, na véspera, e vou tocar o segundo andamento de um concerto de Mozart, para piano e orquestra, que eu também estudei para o meu exame final do curso superior de piano. Vou fazer também umas “visitas” a compositores como Stockhausen ou Gustav Mahler.
O que vai interpretar destes mestres?
Portanto, com a ajuda da orquestra vou interpretar uma peça muito curta do Stockhausen. Este tema está ligado à minha discografia, uma vez que já gravei um trecho desta música colada a uma das minhas canções [“Terra dos Sonhos”, onde ao minuto 3.01, é possível ouvir um excerto de “Leão” da ópera Tierkreis de Stockhausen]. A versão que vamos ouvir no concerto conta com um arranjo feito especialmente pelo Filipe Melo. Vou também tocar Schönberg, a primeira sinfonia de Mahler.
Sente que esta pode ser uma oportunidade para os seus fãs – que reconhecem o lado mais pop-rock das suas canções – conhecerem este lado diferente do seu reportório?
Sim. Por exemplo, vou revisitar temas como a “Canção de Lisboa”. Uma escolha que faz todo o sentido porque está associada, vagamente, ao Mahler.
Sente-se nervoso por regressar a este formato mais formal? Existe um certo perfeccionismo que associamos à música clássica e que às vezes é esquecido na música rock.
Não. Isto são tudo peças que trabalhei quando era estudante. Nas minhas canções há espaço para tocar notas ao lado, na música clássica, não [risos]. Isto é para tocar as notas que estão na partitura.
A liderar a orquestra vai estar o Cesário Costa. O que é que acha que ele pode acrescentar à sua música?
Já tinha colaborado com ele, por exemplo, quando fizemos o espectáculo 70 Voltas Ao Sol. Ele é um músico fantástico e é óptimo a liderar uma orquestra. É alguém que se aplica de alma e coração ao material em que está a trabalhar. É sempre bom trabalhar com alguém assim. Temos tido uma relação muito rica. Tenho também a sorte de contar com a ajuda do Filipe Melo e do Filipe Raposo, que são muito talentosos e ajudaram nos espectáculos dos meus 70 anos. O único problema destes concertos é serem às 11.00 da manhã [risos].

O Jorge é como o Marcos Fortes, “de manhã só é bom para estar na caminha” [risos].
Não sou uma pessoa de manhãs. Isto faz-me lembrar as histórias que costumava ouvir do Carlos do Carmo, que dizia sempre para não o convidarem para nada antes das 15.00 [risos]. No entanto, quando tem de ser, tem de ser. Apesar de ser fora do meu ritmo de vida normal.
Estava a dizer que este é um espectáculo diferente. Para alguém que tem já uma carreira bastante longa e que já fez praticamente tudo, é bom sair assim um bocado da rotina e fazer um concerto diferente?
Tenho muito gosto em poder fazer este novo espectáculo, ainda gosto de abraçar desafios diferentes. Tiro muito prazer em fazer coisas que me estimulem e desafiem. É também importante colaborar com artistas novos e mais jovens, por exemplo, os do ARTAVE. Tudo isto são estímulos novos que não me deixam ficar estagnado.
Este espetáculo tem uma componente de diálogo com o público e inclusive com um musicólogo, Jorge Castro Ribeiro. Sente que este contacto com o público pode ser importante para um artista?
É importante até para contextualizar aquilo que a orquestra e eu estamos a interpretar, não só ao nível da apresentação das peças ou canções, mas também no que respeita às pontes que se estabelecem entre o universo clássico e as minhas canções.
Acha que este diálogo e contacto com diferentes pessoas – incluindo gerações mais jovens – ajuda também um artista a evitar entrar numa estagnação criativa?
Sim, é algo positivo, mas não propriamente por evitar alguma estagnação criativa. Fazer estes espectáculos ou outros projectos diferentes do habitual, como colaborações – mesmo que nada tenham que ver com música – são sempre fundamentais para fomentar a imaginação e a criatividade.

As novas tecnologias permitiram uma proximidade maior entre o público e os artistas. Por exemplo, o Nick Cave criou uma série de crónicas em que responde a e-mails dos seus fãs. Acha que isto é positivo ou tem saudades daquele distanciamento e a aura de mistério que se gerava em torno dos artistas?
Gosto muito de conseguir manter um contacto directo com o público. Não sou a pessoa mais ligada com as redes sociais. Inclusive, tenho uma equipa que me apoia em todas as questões ligadas a este tema. No entanto, tenho por hábito ler os comentários e mensagens – quando consigo – dos meus fãs e às vezes escrevo os meus posts. Mas sinto que posso gastar o meu tempo de forma mais produtiva se me conseguir concentrar na minha arte, por isso, é óptimo ter uma equipa que me apoie nesta gestão.
Regressando aos Concertos Promenade. Qual é que acha que é o ponto de contacto entre a música clássica e a sua discografia que está mais próxima dos fãs?
É possível encontrar uma grande proximidade entre este estilo e muita da minha obra devido ao meu percurso enquanto estudante de música clássica. Além disso, durante os anos 80, retomei os estudos de piano e concluí o Curso Superior de Piano no Conservatório Nacional.
Para alguém que não tenha estas referências da música erudita, no mais imediato, coloca o Jorge mais próximo de cantautores como o Bob Dylan, o Tom Waits, o Paul Simon. Continuam a ser uma grande influência?
Sim. Estarei sempre próximo dessas referências, nomeadamente do Dylan e do Paul Simon, que continuo a achar um génio. Tive o prazer de assistir ao concerto da Homeward Bound – The Farewell Tour, no Madison Square Garden, e foi um dos melhores concertos da minha vida.
Falando do Bob Dylan, chegou a ver o filme biográfico? O que achou?
Vi e gostei muito. Acho que o actor principal, Timothée Chalamet, esteve bastante fiel ao Bob Dylan. Senti que a produção estava muito bem feita e pareceu-me muito fidedigno ao espírito da época.
Recentemente teve um susto de saúde que o obrigou a adiar uns concertos, como é que se está a sentir agora?
Já me sinto melhor, tanto que até já reagendei esses concertos que tive de adiar. Já tinha tido outros problemas de saúde, mas é algo que não me afecta muito. É sempre pior para as pessoas que estão à minha volta e gostam de mim. Eu ultrapasso rapidamente estes episódios, tanto que já estou na estrada outra vez e pronto para dar mais concertos.
Coliseu do Porto. 18 Mai (Dom). 11.00. 10€-60€
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