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Oficina, Letras, Oficina de Reparação de Letras
©Patrick EstevesOficina de Reparação de Letras

Na Oficina de Reparação de Letras, no Porto, a arte nasce da fusão entre escrita e pintura

Num atelier do Centro Comercial Stop, no Porto, fica a Oficina de Reparação de Letras, do artista plástico Avelino e escritor Guilherme Barros, dois lados da mesma pessoa.

Escrito por
Maria Monteiro
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Foi aos tropeções e apalpadelas, como que num estado de embriaguez, que o boémio escritor Guilherme Barros deu de caras com Avelino, artista plástico autodidacta cujo trabalho consiste em cortar, pintar e montar as letras dos seus textos em telas a óleo. Por tentativa e erro, despontou uma sinergia criativa entre duas figuras que, na verdade, convergem numa pessoa. Mas houve uma altura em que Lino Machado não tinha heterónimos nem uma Oficina de Reparação de Letras, no Centro Comercial Stop, no Porto.

Ao longo de mais de 25 anos, trabalhou em logística e produção de festivais. Esbarrou na escrita quando perdeu a mãe. Passava serões inteiros a redigir desabafos em prosa e poesia, sem pretensões de divulgação ou publicação, mas como forma de catarse do período de luto. Foi acumulando alguns textos e, em 2012, incentivado por alguns amigos, editou o primeiro livro, Esboços de Palavras (ed. Alvitrar).

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Oficina de Reparação de Letras©Patrick Esteves

“A partir daí ganhei uma paixão maior pela escrita”, recorda à Time Out. Emergia, então, Guilherme Barros, nome e identidade que assumiu para a literatura para se demarcar da sua vida ligada à produção de eventos. Também no seguimento da conversa com um amigo, e empurrado pela curiosidade, entrou numa loja de material de artes e saiu com algumas telas e pastéis de óleo. “Cheguei a casa e comecei a desenhar texto”, explica.

Seguiu-se a busca por letras de madeira para poder dar corpo e relevo às palavras. Não havia propriamente uma loja onde pudesse comprar as letras de que precisava, com a forma, espessura e tamanho ideais. A primeira tela “não teve pontuação nem acentuação”, mas foi o bastante para lançar os alicerces da Oficina de Reparação de Letras, criada em 2014.

O nome pode induzir em erro, já que ali não se compram nem arranjam letras alheias. No espaço com menos de 50 m2, Avelino toma as rédeas do processo criativo, que vai sempre beber aos textos de Guilherme Barros. Distinguir um e outro não é tão complexo como pode parecer. “Costumo dizer que o Guilherme pode beber uns copos, e se calhar até dá jeito por causa da inspiração, mas o Avelino tem de estar sóbrio para estar aqui”, graceja.

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Oficina de Reparação de Letras©Patrick Esteves

É essencial ter uma mão firme e precisa para manusear as pinças de trabalho, que servem para separar, alisar e pintar as letras de madeira previamente cortadas pelo irmão, Joaquim Barros. “[Se não estiver focado], facilmente estrago uma tela”, admite. O trabalho requer organização, disciplina e muita paciência, não só devido às várias demãos que é preciso dar a cada uma das letras, mas também ao tempo de secagem das letras e dos óleos.

Cada tela tem direito a uma espécie de passaporte: um caderno que Avelino preenche com informações técnicas sobre “cores, óleos, ensaios”, anexos de folhas de trabalho com datas e medidas ou fotografias de certa fase de criação, assim como reflexões sobre os seus estados de espírito e experiências pessoais. A vida e obra de Avelino fundem-se na sua prática artística, de forma menos ou mais explícita. Filhota e Dona Lourdes, dedicadas à filha e à mãe, respectivamente, são bons exemplos.

O projecto é composto por 49 telas, cinco das quais ainda precisam de ser terminadas. As letras estão metodicamente dispostas em tabuleiros a secar e as telas estão prontas para as acolher. “Preciso de cerca de dois meses para fazer a colagem”, nota. Depois de concluídas, deverão dar origem a uma exposição em espaço a ser definido.

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Oficina de Reparação de Letras©Patrick Estebes

Avelino procura um lugar amplo o suficiente para permitir uma boa leitura e compreensão das telas maiores — algumas têm mais de três metros de altura — e que reúna condições para mostrar o documentário que está a ser feito há quatro anos sobre a Oficina. As telas vendidas serão acompanhadas de caixas de madeira condizentes, onde estará o catálogo da exposição, o caderno e a banda sonora do filme.

A ideia é criar maior proximidade entre obras e público, factor potenciado pelo próprio formato de texto com volume. “As letras parecem estar muito mais perto de nós”, observa. E, ao saltar-nos diante dos olhos em várias cores e feitios, “acabam por nos fazer sonhar”.

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