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O Circo de Natal está no Coliseu do Porto até 3 de Janeiro

Este ano, o Circo de Natal do Coliseu Porto está diferente. Falámos com Rui Paixão, o mestre-de-cerimónias do espectáculo que decorre até 3 de Janeiro.

Escrito por
Mariana Duarte
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Há coisas que nem uma pandemia consegue aniquilar, e uma delas é o Circo de Natal do Coliseu Porto, uma tradição com 79 anos. Mas também há coisas que uma pandemia consegue acelerar: num ano em que tudo está a ser diferente, a nova direcção do Coliseu, liderada por Mónica Guerreiro, decidiu fazer um refresh à tradição e criar aquela que acreditam ser “a mais arrojada produção de circo da sua história”.

Neste espectáculo construído de raiz, e protagonizado por 20 artistas portugueses, cruzam-se técnicas clássicas do circo com linguagens mais contemporâneas. Durante uma hora e meia, há números de acrobacia aérea, ilusionismo, clown, mastro chinês, corda bamba ou parkour. Foi ainda criada uma orquestra de propósito para a ocasião, conduzida pelo maestro Cesário Costa, que interpreta ao vivo a banda sonora original concebida por Filipe Raposo, compositor e pianista residente na Cinemateca Portuguesa, aqui no seu primeiro trabalho para circo.

Na acrobacia e dança vertical estão os Laboratório
Fotografia de Lara JacintoNa acrobacia e dança vertical estão os Laboratório

A cereja no topo do bolo é Rui Paixão, o mestre-de-cerimónias do espectáculo que, felizmente para as criancinhas e para todos nós, não é o palhaço do costume, com a fatiota do costume e as piadas do costume. Visualmente falando, está entre uma das estranhas figuras escultóricas de Matthew Barney e um Son Goku genderfluid. “Eu sou da opinião que o circo, para se respeitar, tem de começar a desrespeitar-se”, diz o artista de 25 anos, que foi o primeiro português a integrar o Cirque du Soleil como criador original e que chegou ao circo através do clown e ao clown através do teatro – e diz-nos isto sabendo que “muita gente” do circo tradicional “lhe vai cair em cima”, mais ou menos como caíram em cima da direcção do Coliseu quando viram o alinhamento do espectáculo.

“Eu não estou a dizer que se deve acabar com o circo tradicional”, assinala Rui Paixão. “Há espaço para tudo e este espectáculo comprova isso. Acho é que tem de haver mais pensamento por trás, numa lógica de misturar o tradicional e o contemporâneo e mostrar como o circo também se consegue reinventar.” E o Coliseu pode e deve contribuir para essa renovação, considera Rui, sobretudo quando está numa cidade em que o novo circo tem crescido progressivamente (a criação e o sucesso do festival Trengo, pela companhia Erva Daninha, demonstra isso mesmo).

Para criar a sua personagem, Rui Paixão foi beber à mitologia grega – mais concretamente à história de Minotauro, injustamente apelidado de monstro e excluído da sociedade –, mas também a referências contemporâneas da arte e da música. Inspirou-se em Rrose Sélavy, o muito pouco conhecido alter-ego feminino de Marcel Duchamp. “Eu sabia que esta encomenda estava a ser feita para a cidade do Porto e, a meu ver, o Porto tem sido um exemplo do que é usar a arte, o teatro, a dança e a performance também para reivindicar estes lugares contra o racismo e a favor das questões de género”, explica o artista. A outra referência importante foi o disco Joy as an Act of Resistance, dos Idles, que acompanhou Rui na sua temporada na China, onde esteve a trabalhar com o Cirque du Soleil.

“Quando o Coliseu me fez este convite, no Verão, já tínhamos passado pela primeira fase da pandemia, já sabíamos que vinha aí uma segunda e sabíamos que este espectáculo, se acontecesse, ia ser um acto de resistência. Pareceu-me que fazia sentido esta máxima dos Idles, e foi isso que tentei trazer para este espectáculo: a alegria e o prazer de estarmos novamente juntos.” E há muita gente junta neste palco, que abre com os Team Braga e as suas acrobacias radicais de parkour, uma modalidade desportiva que, na verdade, tem tudo a ver com o imaginário e os vocabulários performativos do circo. A banda sonora de Filipe Raposo para este primeiro número, frenética e a transpirar adrenalina, casa na perfeição com os movimentos e o suspense do parkour.

O equilibrismo em corda bamba e as acrobacias aéreas do Teatro do Mar, a comédia dos Palhaços Luftman (cujos cabelos são capazes de fazer concorrência ao do Trump) e os truques de ilusionismo de Andrély e Flávia Molina são entrelaçados com momentos mais contemplativos: o dueto de dança coreografado por Diana Niepce, o solo de trapézio de Daniel Seabra (um dos nomes mais interessantes do panorama português do novo circo) ou o trabalho de Leonardo Ferreira com o mastro chinês, a jogar com o volume e a gravidade do corpo.

Daniel Seabra
Fotografia de Lara JacintoDaniel Seabra é um dos nomes mais interessantes do novo circo português

Apesar de o espectáculo integrar novas linguagens do circo, algum experimentalismo e criadores mais jovens, ainda há vários aspectos conservadores que sobem à tona – e que são particularmente desajustados em 2020, como a predominância dos duetos homem/mulher. Rui Paixão não considera que seja “um espectáculo que rompa”; encara-o antes como uma “versão zero” daquilo que pode vir a ser o futuro do circo no Coliseu do Porto. “Creio que o que rompe é o pensamento que há por trás. Rompe ao juntar o tradicional ao mais contemporâneo, ao juntar artistas que vêm de universos diferentes e mostrar como eles se podem dar todos bem.”

Coliseu Porto Ageas. Rua Passos Manuel 137. Até 3 de Janeiro. Ter, Qua e Sex (vários horários); Sáb e Dom às 10.00. Bilhetes: 7-18€ (crianças até aos três anos têm entrada livre). www.coliseu.pt

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