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Os restauradores não são todos iguais

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda
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A Covid-19 afecta todo o sector da restauração, mas lembramos que alguns dos que mais pedem foram os que menos distribuíram no tempo das vacas gordas.

Tenho-me sentido impotente perante tanta gente desesperada na restauração. Da tasca ao fine dining, há casos dramáticos. Proprietários que deram a vida, de manhã à noite, anos a fio, para construir uma casa, vêem agora tudo em risco. Chefs, cozinheiros, empresários que amam o que fazem e que tratam empregados e clientes como o seu bem mais precioso, vão ter de recorrer às poupanças de uma vida ou à banca. Uma grande parte irá fechar.

Alguns restaurantes tinham acabado de abrir. Outros estavam prestes a fazê-lo: gastaram meses, anos, a preparar-se e agora vão ter de repensar tudo. Outros, ainda, a maioria, porque estão longe dos centros da cidade e porque trabalham com margens e preços baixos, andam desde há muitos anos com uma contabilidade apertada.

Dito isto, nem todos os chefs e empresários são afectados de igual forma. Os restaurantes que sempre olharam para os empregados como mão-de-obra descartável, meros cumpridores dos seus impulsos criativos, estão mais ligeiros do que os donos de restaurantes que são obrigados a sustentar famílias há muitos anos – com todos os encargos que a contratação efectiva implica. Chefs ligados a marcas, programas de televisão e contas bancárias à prova de dívida; chefs-empresários com advogados argutos, investidores com ligações e relações, também estão numa situação mais tranquila: ninguém toca no que é seu e o que é seu, depois de anos de paraíso turístico, tem de ser muito

Muitos merecem esse conforto. Lutaram por isso, têm talento para isso. Já cumpriram com o seu dever para com os seus trabalhadores e para com a cidade. Mas outros que agora vemos de mão estendida, sem outro contributo para a crise senão chorar, chorar, chorar, pedir, pedir, pedir, desistiram da cozinha, da excelência e da criatividade. Em certos casos, são os mesmos que, quando os turistas tropeçavam nas suas mesas e espalhavam gorjetas de nota, se esqueceram de distribuir dividendos, de investir na formação, de preparar as suas cozinhas. Foi tudo para o seu bolso, um bolso frequentemente furado.

Ninguém estava à espera disto, dirão. Mais ou menos. A origem da crise poucos adivinhavam. Mas a possibilidade de um acontecimento abrupto quebrar o idílio reinante era considerada. Em surdina, a crise no turismo há muito que andava na cabeça de governantes e empreendedores – fosse por causa do terrorismo, fosse por outra calamidade, fosse por causa dos ciclos do turismo. É bom não esquecer que, em grande parte, foi o mal dos outros, foram as bombas que rebentaram em Paris, Madrid, Berlim e Londres que puseram Lisboa e Porto no mapa.

Nunca terá ocorrido a ninguém que, um dia, essas mesmas bombas poderiam cair em Lisboa e, até, no Porto? Que um dia poderia haver um distúrbio e o turismo fosse por água abaixo? Não ocorreu a ninguém, simplesmente, que um dia Paris, Madrid, Berlim e Londres voltariam a absorver as massas humanas e Lisboa e Porto voltariam aos números de antigamente e às Baixas vazias?

Ocorreu a todos. De resto, os números do turismo já estavam a descer – sem crise, sem bombas. E, mesmo assim, certos chefs, empresários, investidores, continuaram a crescer. Compraram. Inauguraram. Aumentaram. Do Chiado ao Cais do Sodré, dos Aliados à Ribeira, foram adquirindo lojas como quem brinca ao Monopólio. E muitos portugueses foram assistindo, sem poderem pagar para lá comer. Não está em causa o apoio que o Estado tem de dar à restauração. Ele é imperioso e urgente. Mas é preciso acautelar, também, que desta vez o dinheiro não cai em bolso roto.

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