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Pedro Neves Marques e Teresa Coutinho exploram a importância do simbólico

'Correspondência' é um vídeo feito a meias por Teresa Coutinho e Pedro Neves Marques no âmbito do projecto PAR(S), do Teatro Municipal do Porto. Falámos com a dupla.

Escrito por
Mariana Duarte
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Em Dezembro, a cineasta Cláudia Varejão e a coreógrafa Joana Castro inauguraram o PAR(S) – Artes Performativas e Imagem Online, projecto do Teatro Municipal do Porto (TMP) que promove o encontro entre criadores da área da imagem (cinema e artes visuais) e das artes performativas (dança, teatro, novo circo e formas animadas), num blind date entre quatro duplas de artistas nacionais. Teresa Coutinho, actriz e criadora, e Pedro Neves Marques, que se move nos territórios do cinema, das artes visuais e da escrita, lançam agora o segundo capítulo do PAR(S): o vídeo Correspondência, disponível no palco digital do TMPaté ao final deste mês, de acesso gratuito.

Teresa Coutinho e Pedro Neves Marques nunca tinham trabalhado em conjunto, nem nunca se tinham cruzado. No entanto, quando se conheceram presencialmente, a conversa rolou de uma forma “muito natural” e “desligada em relação ao objecto artístico” que viriam a desenvolver, contam à Time Out. Rapidamente identificaram uma série de afinidades artísticas e pessoais. “Falámos sobre o nosso interesse na poesia, em viagens, nos lugares onde Pedro tinha vivido e que culturalmente me tocam muito e foi aí que abordámos a importância do simbólico nas nossas vidas”, introduz Teresa Coutinho, também coordenadora do Clube dos Poetas Vivos, do Teatro Nacional D. Maria II.

Em Correspondência, o simbólico é explorado através de duas práticas ancestrais que são omnipresentes no quotidiano destes artistes: o tarô, no caso de Teresa, e, no caso de Pedro, o I Ching, um livro e oráculo chinês com mais de três mil anos. “São questões que para algumas pessoas podem parecer superficiais, mas que para mim e para a Teresa são muito pessoais”, diz Pedro Neves Marques. “No meio da tua vida errática e sobrecarregada, estes rituais trazem-te estabilidade e dão-te um certo retorno intelectual e emocional. Acho que isso foi parar ao vídeo.” Correspondência não é um trabalho sobre tarô e I Ching, mas serve-se destas práticas como pretexto para narrar um encontro entre duas pessoas, a aproximação entre elas e os seus pontos em comum.

“Aqui, esse encontro toma uma forma quase epistolar, como se as imagens fossem também cartas que enviamos entre nós”, aponta Teresa Coutinho. “No meu caso, o simbólico é uma forma de lidar com a solidão e isso também está no vídeo. De lidar com a dor, com o amor, com muita coisa que nos atravessa, e acho que com Pedro também há isso no I Ching. O vídeo corresponde às descobertas e surpresas que fomos tendo”, explica a actriz. Correspondência é uma espécie de vídeo-poema repartido entre o mundo interior de duas pessoas, mas confluente e dialogante, com um tempo próprio e a devida honestidade emocional. “A vulnerabilidade é algo que atravessa o vídeo e é uma questão que tem sido cada vez mais importante no meu trabalho, da escrita à produção de imagens”, nota Pedro Neves Marques, que recentemente lançou uma nova editora literária e de poesia, a Pântano. “Tem a ver com o processo de te auto-criticar, mas também sobre como cuidas de ti. O trabalho deve ser aberto a isso.” Teresa Coutinho reforça: “Pedro disse que o I Ching é uma espécie de ritual que lhe traz segurança e uma noção da sua identidade. Para mim é igual. Eu passei por um período da minha vida muito difícil em que essa abertura ao simbólico teve um peso enorme.”

Para Teresa, o tarô funciona, mais do que como um mecanismo de adivinhação, como “um lugar de dúvida e de questionamento”, até de meditação. Para Pedro, o I Ching é, acima de tudo, “um objecto poético”. Mas ambos podem ser encarados enquanto “duas formas de tentar entender o caos do mundo”, e de contrariar a “miséria simbólica” que Teresa Coutinho diz marcar o tempo presente (um termo que o psiquiatra e psicanalista suíço Carl Jung já tinha utilizado, ele próprio conhecedor de tarô e I Ching, mencionado no vídeo). “O simbólico foi perdendo força ao longo dos séculos: basta pensar na Idade Média e na relação das mulheres com o simbólico e com determinadas práticas que depois foram estigmatizadas”, desenvolve Teresa Coutinho. “Os símbolos remetem para leituras que não são rápidas. Permitem uma abertura a um manancial de significados que podem demorar muito a apreender e muita gente não tem tempo para isso.”

Contudo, é curioso perceber que a própria tecnologia – um dos principais interfaces e combustíveis para este mundo hiper-acelerado – tenta assimilar práticas ancestrais, como vemos no vídeo com o caso da app de tarô. “É um exemplo interessante porque não cria binarismos entre a ancestralidade do tarô, que implicaria uma espécie de pureza, e o digital enquanto impureza. Vai contra o suposto espaço natural de cada coisa”, observa Pedro Neves Marques. Apesar da referida “miséria simbólica”, tanto Teresa como Pedro reconhecem que, pelo menos no meio artístico, tem havido um interesse crescente por estes universos, que acabam também por desvendar uma longa história de invisibilização e apagamento de certos corpos, práticas e epistemologias. “Sinto que dentro de uma determinada comunidade queer e trans há cada vez mais uma vontade de ir ao encontro do simbólico”, assinala Pedro. Teresa concorda, e vai mais longe. “Como digo no vídeo, sobre o momento em que vejo Pedro pela primeira vez, o simbólico pode ser uma forma de ler a vida e aquilo que nos acontece.” Não tem a ver com mitificar os encontros, nota a criadora, mas sim com “dar-lhes um certo peso”. “Talvez, no limite, isso possa criar relações mais empáticas e atentas.”

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