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Sunflowers: “A música é uma indústria psicologicamente pesada”

Escrito por
Ana Patrícia Silva
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Os Sunflowers arrancaram umas páginas do rock e rasgaram-nas. Têm consciência de que a história se escreve em papel vegetal, mas deixam um rasto próprio de distorção e destruição, despejando fúria e feedback sem flores nem floreados. Carolina Brandão (bateria implacável) e Carlos Jesus (guitarra fulminante), agora com o peso gravitacional do baixo de Frederico Ferreira, são barulhentos e estranhos, e sabem que o rock deve soar assim, com sujidade e sagacidade.

O último álbum, Endless Voyage, é um passo de gigante de uma banda a crescer com cada vez mais controlo e mais caos. De dopados decibéis e delirante imaginação, usam a insanidade para se libertarem. É um disco conceptual onde contam a história de Studiomaster, uma entidade misteriosa que ceifa as mentes decadentes da humanidade. Falámos com Carolina Brandão e Carlos Jesus sobre tudo isto.

Apesar de ser uma ficção sci-fi, este disco acaba por espelhar a realidade.

Carolina: Sim, estamos num ambiente sociopolítico de loucos, com as questões ambientais, a desigualdade, as máquinas a tomar conta do mundo. É uma sensação de desgraça iminente que a nossa geração está habituada a aguentar.

Têm esperança neste mundo?

Carlos: É preciso manter esperança para conseguirmos fazer alguma coisa. O mundo precisa de ser melhor e nós temos que fazer a nossa parte.

Carolina: Eu gosto de tentar fazer pelos outros o que gostava que fizessem por nós, por muito pouco impacto que possa ter. Por exemplo, vejo cada vez mais raparigas na fila da frente dos concertos. Na França, uma miúda veio ter comigo e disse que começou a tocar bateria porque me viu a tocar ali um ano antes.

Esse é o maior elogio que te podem fazer...

Carolina: É isso. Não há razão para nos sentirmos inferiores só por sermos mulheres. A música é um mundo de homens, isso é perfeitamente óbvio neste estilo de música mais garage, mais punk. Saber que há pessoas que ficam inspiradas com o que eu faço já faz alguma diferença. Nós temos um impacto minúsculo comparado com o que as grandes empresas conseguem fazer. Mas, se ficarmos a pensar nisso, não fazemos nada.

Alguma vez te sentiste descriminada por seres uma mulher a tocar bateria?

Carolina: Muitas vezes. Não nos levam tão a sério como levam os homens. Dizem-me: “tocas bem, para uma mulher”. Até uma rapariga já me disse isso. E em centenas de concertos só apanhámos três técnicas de som.

Carlos: E foram sempre as melhores.

Carolina: Acontece chegar aos bares e acharem que eu sou só a namorada de alguém. E no final do concerto vêm ter connosco e querem dar-me um abraço e beijinhos. Porquê?

Mas só a ti. Ninguém te pede beijinhos, Carlos?

Carlos: Não... Tenho que me chegar eu à frente e *muah*!

Carolina: A mim puxam-me para os beijinhos.

Acham que têm o direito de invadir o teu espaço.

Carolina: Acham. É aquele clássico homem. Sem ofensa para o Carlos.

Carlos: Estou muito decepcionado com a minha espécie.

Carolina: Nós temos umas meias de merchandise que dizem “Fuck The Patriarchy” [“que se foda o patriarcado”] e quando as lançámos fiz um texto a dizer que não interessa se és rapaz ou rapariga, podes fazer o que quiseres, podes usar cor-de-rosa, temos de combater a desigualdade que ainda existe. Um dos comentários foi de um homem a dizer que não, não existe desigualdade. Foi o comentário perfeito para provar o que queria dizer.

Qual foi o máximo de concertos que deram num ano?

Carolina: 100 concertos, em 2018. Eu sou muito perfeccionista e nesse ano decidi que ia ter 100 concertos. Marcámos 40 datas em Portugal, depois tivemos a loucura de ir para a Europa durante dois meses e quando regressámos faltavam 15 concertos. E fizemos esses concertos.

Mas porquê? O que vos move para tocar tanto?

Carolina: Nós gostamos do que fazemos e é a melhor maneira de atingir resultados. Uma banda tem que tocar. São experiências que temos, é a química que ganhamos em palco. Queremos tentar ir a todos os sítios possíveis.

Carlos: E nunca subestimar um concerto.

Carolina: Sim, um dos melhores concertos foi na Macedónia. Tínhamos o bar completamente cheio e eles tinham decorado as músicas todas. O Carlos até fez uma tatuagem em celebração. Nessa tour de dois meses fomos a 19 países e valeu muito a pena. Eu gosto que nos vejam como hiperactivos. Não vão ver-se livres de nós, é impossível. Temos de tentar sempre melhorar o que temos feito até agora porque ficar parado é morrer.

Quais foram os momentos mais especiais?

Carolina: Toda a experiência de andarmos dois meses numa carrinha. Ficámos muito amigos, andámos por países diferentes, a experimentar comida local, a cerveja local. Vou lembrar-me para sempre da primeira tour que fizemos com os 800 Gondomar numa carrinha grande. E de apanhar o ferry de 24 horas para a Grécia. Aquilo tinha um lounge dentro do barco com um tipo a cantar covers e a tocar congas. Genial.

Quem vos ouvir fica a pensar que é uma vida de sonho. Deve haver um lado negro.

Carolina: Para uma pessoa levar isto a sério, é como se fosse um trabalho a tempo inteiro.

Carlos: Tem a ver com as ambições das pessoas. As nossas ambições estão muito lá em cima.

Carolina: É uma indústria psicologicamente pesada, temos que saber lidar com a rejeição, temos que lidar com a injustiça que muitas vezes há. Tentar arranjar caminhos para ter algum tipo de rendimento fixo, aprender sobre direitos de autor…

Carlos: E o desgaste físico de conduzir horas e horas, o desgaste emocional por causa das criticas. Às vezes uma pessoa desanima um bocado.

Carolina: Às vezes apetece dizer que se lixe isto, mas depois acontece alguma coisa e fico outra vez com a pica toda. É por fases. Somos artistas, temos desculpa. É engraçada a maneira como as pessoas que estão nas artes têm tanta necessidade de se exprimir. É uma prioridade tão grande que nada mais importa.

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