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Batalha contra o tempo. As obras que revelaram segredos do regime e deram nova vida ao mítico cinema

Durante a reabilitação do cinema, que é inaugurado esta sexta-feira, dia 9, descobriram-se os murais de Júlio Pomar que, na década de 40, foram mandados tapar pela PIDE.

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O Batalha é imortal. Assistiu à passagem do tempo através das grandes janelas rasgadas na sua fachada. Resistiu estóico, quando monarquias caíam e se implantavam conturbadas repúblicas; insurgiu-se contra ditaduras, pintando murais subversivos nas suas paredes; semeou felicidade, espanto e sonho no rosto de todos quantos assistiram aos filmes que, durante décadas, mostrou à cidade. É tão icónico, tão enraizadamente ligado à Invicta, que esta devolveu-lhe a fidelidade em forma de expressão. “Vai no Batalha!”, ouve-se, por vezes, quando alguém não acredita no que lhe acabaram de dizer.

Felizmente, a descrença – de melhores dias para um dos mais emblemáticos edifícios portuenses – chegou ao fim. Depois de mais de uma década de portas fechadas à cidade, esta sexta-feira, dia 9 de Dezembro, será inaugurado um novo Batalha, restaurado e modernizado, após três anos de requalificação. Vai passar a dar pelo nome de Batalha Centro de Cinema, uma vez que a sua programação incluirá mais do que a exibição de filmes. 

“O Batalha reflectirá diferentes tipos de preocupações”, aponta Guilherme Blanc, o director artístico, em entrevista à Time Out. “Terá de ser uma instituição disponível, capaz de mostrar a grande diversidade do cinema, assim como as diversas formas de o fazer e as suas diferentes linguagens, para que diferentes públicos se sintam representados”, diz, acrescentando que “haverá uma grande amplitude de cinema, do clássico ao contemporâneo, passando pelo cinema para a infância” – este em diálogo constante com a comunidade escolar. A Pequena Sereia, a conhecida animação da Disney, e alguns filmes de Charlie Chaplin, “provavelmente promovidos pelo Cineclube”, terão sido as primeiras fitas que o director viu, ainda criança, no antigo Cinema Batalha.

Os murais de Júlio Pomar
Paulo Cunha Martins/Batalha Centro de CinemaOs murais de Júlio Pomar

“No fundo, queremos criar dentro do novo Batalha um sentimento de estímulo e conforto, passando filmes que vão de encontro a vários públicos, mas sem que ele se esgote na sala de cinema. Vamos ter uma série de actividades paralelas, cursos e debates, para que as pessoas se sintam estimuladas para novos conhecimentos, mas de uma forma lúdica”, explica. 

Desta feita, a programação arranca esta sexta-feira com o ciclo Políticas do Sci-Fi que, até 20 de Janeiro, exibirá, entre muitos outros filmes, The Day the Earth Stood Still, de Robert Wise, e The New Sun, da artista polaca Agnieszka Polska. Em simultâneo, em Focos e Retrospectivas, dá-se a conhecer a filmografia, completa ou essencial, de cineastas e artistas nacionais e internacionais, com o primeiro ciclo a ser dedicado à francesa Claire Denis. A Selecção Nacional, com apresentações semanais, e Luas Novas, com uma frequência mensal, apontam baterias ao cinema português. Haverá ainda espaço para Colectivos. Será aqui, por exemplo, que será apresentado COUSIN, do Yugantar Film Collective, o primeiro colectivo de cinema indiano fundado e constituído exclusivamente por mulheres. Mas há muito mais para descobrir aqui, num programa recheado que se estende até ao final do próximo ano.

A batalha do Batalha 

Conta-se que se chamava O Novo Salão High Life quando em 1908 começou a exibir os primeiros filmes. Cerca de 40 anos depois foi intervencionado pelo arquitecto Artur Andrade, que lhe deu a aparência dos dias de hoje. Em Novembro de 2019, mesmo antes do eclodir da pandemia (que juntamente com a Guerra da Ucrânia potenciou o atraso na conclusão das obras) submeteu-se a nova cirurgia estética. 

“A intervenção visou a reformulação e remodelação deste espaço cultural com uma filosofia de reposição das condições originais, mas com trabalhos profundos ao nível da estrutura, da reabilitação das superfícies e das coberturas, assim como a instalação de novos equipamentos”, adiantou, em Setembro, a Câmara Municipal do Porto em comunicado. O mítico imóvel está arrendado pela autarquia à família Neves Real, sua proprietária, por um período de 25 anos.

Batalha Centro de Cinema
Paulo Cunha Martins/Batalha Centro de CinemaBatalha Centro de Cinema

Foi a cargo do Atelier 15, dos arquitectos Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez, que os frescos de Júlio Pomar voltaram a ver a luz do dia. Os murais interiores, que descrevem cenas das festividades do São João, pintados pelo artista plástico e opositor do regime, foram mandados tapar pela PIDE durante a década de 40. A sua recuperação e restauro contribuiu para uma derrapagem no orçamento. Em vez dos quatro milhões inicialmente previstos, a obra comportou um investimento que rondou os 5,17 milhões de euros. 

O Batalha Centro de Cinema conta agora com duas salas de projecção para a exibição de formatos digitais e analógicos – a Sala 1 tem 299 lugares e a Sala 2 tem 126 –, uma sala-filme com 40 metros quadrados dedicada à instalação de filmes; uma biblioteca com bibliografia que gira em torno da sétima arte; e ainda um bar.

“Era muito duro ver um edifício tão importante esquecido na cidade, abandonado. Nunca cheguei a viver os tempos áureos do Batalha, por isso sim, é com uma emoção muito grande e um grande sentido de responsabilidade que se reabilita um projecto como este”, remata Guilherme Blanc.

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