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© Marco Duarte

Marques'Almeida: "Ter modelos magras, altas e loiras não fazia sentido"

Marta Marques e Paulo Almeida, criadores da Marques'Almeida, falam sobre o futuro, a diversidade e a sustentabilidade da moda.

Escrito por
Margarida Ribeiro
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A Marques’Almeida é uma das marcas portuguesas mais internacionais do momento, mas tudo começou no CITEX [Centro de Formação Profissional do Têxtil e do Vestuário], aqui no Porto. Como é que se conheceram?

Paulo: Conhecemo-nos no CITEX, estudámos lá e foi lá que nos tornámos namorados. Embora a estudar separadamente, trabalhávamos muito em conjunto.

Marta: Fazíamos os projectos individuais sempre com o apoio um do outro. É um curso muito intenso desde o início e o ritmo de trabalho é extremamente elevado. Foi mais ou menos assim que criámos esta forma de trabalhar a dois.

Esta marca era uma coisa que tinha de acontecer?

Marta: Não pensámos muito nisso até acabarmos o mestrado na Central Saint Martins [em Londres]. Era altura de definir uma carreira e, quando chegou o deadline, percebemos, facilmente, que se fosse para fazer isto, nunca o iríamos fazer separados.

Paulo: A Central dava a oportunidade de fazer um desfile de fim de curso, integrado na London Fashion Week. Ainda pensámos em fazê-lo individualmente, mas desistimos da ideia.

Porquê Londres?

Marta: Fizemos alguns cursos de Verão na Central Saint Martins e percebemos que estávamos extremamente bem formados pelo CITEX, mas que nos faltava a parte mais criativa. Fomos para Londres porque é uma cidade muito aberta a young brands e tem imensos sistemas de financiamento, mentoring e apoio. Acho que usámos todos os que podíamos e estamos muito gratos nesse sentido.

Paulo: Faltava-nos esquecer tudo aquilo que achávamos que sabíamos, levar um estalo na cara e questionar tudo desde o princípio. Hoje em dia começam a aparecer marcas novas em todo o lado, mas em Londres há uma diferença: continuas a conseguir criar uma marca com muito poucos recursos.

Os prémios que ganharam em 2014 e 2015 [Talento Emergente – Moda Feminina dos British Fashion Awards e o LVMH, que apoia novos designers] foram um ponto de viragem na vossa carreira?

Marta: Completamente. Os British Fashion Awards foram o primeiro passo para a marca começar a ser reconhecida e levada a sério. Depois veio o LVMH e mudou tudo. Digo muitas vezes que antes éramos uma coffee table company, porque tínhamos três ou quatro pessoas à volta de uma mesa. Não tínhamos sistemas nenhuns mas, já nessa altura, vendíamos para mais de 50 lojas. No entanto, a distribuição era feita a partir da garagem da minha avó porque não havia armazém de logística. Depois desse prémio conseguimos contratar mais gente e criar uma empresa e uma equipa em condições. Já lá estão há mais ou menos 10 anos.

Como é que reagiram ao Brexit?

Marta: É um desastre, nós convivemos com pessoas inglesas que estão tão desiludidas quanto nós. É muito difícil ver uma luz ao fundo do túnel neste assunto. Vai-nos prejudicar imenso em termos de empresa e penso que, sobretudo, vai prejudicar o Reino Unido. É um desastre, tal como todos os países que estão a virar à direita na Europa. Temos uma empresa sediada em Portugal há cerca de um ano e meio e estamos a fazer planos de contingência.

Paulo: Na London Fashion Week metade das pessoas não são necessariamente inglesas. Foram estudar para lá... E é este melting pot de talento que é inspirador.

Como é que funciona a dinâmica de um casal que trabalha em conjunto?

Paulo: O facto de às vezes discutirmos se aquilo deve ser uma calça curta, comprida ou larga faz-nos batalhar por aquilo em que acreditamos.

Marta: Temos a sorte de poder fazer isto juntos, não só em termos criativos, mas também no que toca à gestão da empresa. Deve ser horrível, supersolitário e cansativo fazer isto sozinho. Podemos desabafar quando as coisas estão a correr mal e pedir ajuda. Não sabemos como é que se faz isto de outra forma.

Foi fácil chegar a um consenso enquanto criavam a marca?

Paulo: Foram dois anos da nossa vida em que não sabíamos muito bem o que é que estávamos a fazer. A Central tem uma biblioteca fantástica e nós passámos um bom ano e meio a fazer só pesquisa. Enquanto a Marta procurava imagens de grunge, dos anos 90, de bandas e de páginas da i-D, eu via livros da Balenciaga e de construção. Só que nem o meu ponto de vista nem o da Marta eram novos.

Marta: Estávamos de acordo numa coisa: não havia nenhuma marca high end que fosse um bocadinho mais relatable e que falasse a uma geração que nasceu na década de 90 e no início dos anos 2000.

Não quiseram seguir os moldes clássicos, por isso é que apostaram na ganga?

Paulo: A dada altura, toda a nossa pesquisa eram fotografias de raparigas com casacos de pele, t-shirts brancas e calças de ganga. Então decidimos pegar nestes elementos e desconstruí-los.

Marta: Tudo com base numa coisa que chamávamos de youth code of dressing, que eram esses básicos de street wear que não estavam a ser feitos e no denim, por exemplo, que não estava a ser usado, assim como a pele e as formas largas. A nossa pesquisa é muito vintage, porque temos respeito pela veracidade das peças e não temos a pretensão de fazer nada do zero em termos de moldes. Queremos inovar e reinventar.

Foi com a ideia de reinventar que decidiram começar a fazer os vossos castings de uma forma não convencional?

Marta: Durante muito tempo fizemos desfiles convencionais e íamos ficando cada vez mais desiludidos com a ideia de que havia zero relação entre as modelos e as peças. Finalmente, conseguimos fazer o primeiro desfile com raparigas que já conhecíamos e amigas de amigas. Começámos a usá-las como inspiração para as colecções e, em vez de olharmos para revistas e livros, vamos aos perfis de Instagram delas. Isso mudou a maneira como nós vemos o design e como fazemos o nosso processo criativo.

Paulo: Sentíamos que só ter modelos de 17 anos, com dois metros de altura, magras, altas e loiras não fazia sentido. O ser humano não é todo igual. A ideia de modelo tradicional vai completamente contra aquilo que defendemos.

Já se notam presenças masculinas nos vossos desfiles e já lançaram peças para homem. É uma evolução da marca?

Marta: Sim, tivemos que lançar porque as nossas colecções de mulher eram compradas por homens. Mas quando fizemos roupa para homem acabou por ser comprada também por mulheres. Então, desistimos de fazer labeling e temos algumas peças mais ou menos unissexo dentro das colecções. Depois, começámos a conhecer rapazes e raparigas que estavam interessados nessa estética e que começaram a conseguir fazer os nossos desfiles.

Falando em responsabilidade social, a sustentabilidade é uma coisa que vos preocupa?

Paulo: Demorou um bocado. Hoje em dia, com tanta informação, é difícil perceber o que é verdade. Às vezes, quando achamos que o que estamos a fazer é o melhor, pode ter uma implicação pior. A ganga da próxima estação é 100% reciclada.

Marta: Além disso, vamos lançar um site novo até ao fim do ano que vai ter uma categoria onde as pessoas podem comprar pre-owned [roupa em segunda mão da marca]. Queremos perceber o que podemos fazer para contribuir para causas como as energias renováveis e a reflorestação. Porque mais do que os esforços individuais vão ser precisas mudanças maiores. É preciso legislação e os governos têm que estar envolvidos. Tentamos fazer a nossa parte e participar em manifestações, a nossa equipa tem ido às de Londres para fazer pressão para que isto comece a mudar.

Como é que surgiu o convite do Portugal Fashion em 2018?

Paulo: Foi uma coincidência. Contactaram-nos exactamente na altura em que fizemos a nossa colecção mais inspirada em Portugal.

Marta: Estávamos a abrir a empresa nessa altura e a fazer cada vez mais coisas cá. Fizemos o primeiro desfile no exterior da Alfândega, com o Porto como fundo. Foi super-importante para nós e foi um momento muito emocional. Em Outubro, fizemos o desfile na Casa de Serralves, algo que nunca achámos que fosse ser possível.

O Porto é uma cidade importante para vocês…

Paulo: A Marta é do Porto e eu sou de Viseu, mas sinto-me completamente em casa aqui.

Marta: Gostávamos de estar cada vez mais envolvidos com as novas gerações. Vamos fazer de júri para o Bloom este ano. Já fizemos algumas experiências de ensino em outros países e gostávamos muito de o poder fazer em Portugal.

Paulo: Sentimos que está na altura de give back nesse sentido. Fazer design de moda não é só estar numa secretária a desenhar, é preciso saber como é que uma peça se constrói, como é que vai ser produzida. A parte logística ninguém ensina num curso, a não ser que haja um designer que saiba como funciona. Foi a vantagem de termos tido Ricardo Dourado e Luís Buchinho como professores.

O plano é voltar para Portugal?

Marta: Acho que vai ser o plano, definitivamente. Aprendemos como recolher a inspiração sem ter que estar lá [em Londres]. E também temos imensas M’A girls portuguesas [raparigas que não são modelos mas que dão corpo à marca] que são tão inspiradoras como as outras.

Por isso é que quiseram ter a produção cá?

Marta: Fazemos a produção cá desde sempre. No início não era a 100% porque não conseguíamos e tínhamos quantidades muito pequenas. Mas agora é tudo feito em Portugal. Aqui temos uma óptima qualidade e bons preços. Não fazia sentido produzir noutro país.

O nascimento da vossa filha também ajudou a que a vontade de voltar aumentasse?

Marta: Sim, e os avós iam ficar muito contentes.

Paulo: O maior impacto até foi mais na questão da responsabilidade social e no que passa uma rapariga enquanto cresce e vive.

Marta: Temos que usar a nossa plataforma para passar uma imagem de diversidade na moda e ajudar a quebrar os sistemas envelhecidos que existem. Mas também do ponto de vista ecológico. Não faz sentido fazermos dez voos por ano quando podemos viver localmente e sem os níveis de stress de uma cidade como Londres. Por ela, por nós e pela outra que vem a caminho. 

Como seria um dia perfeito no Porto?

Como seria um dia perfeito no Porto?
© Marco Duarte

Como seria um dia perfeito no Porto?

“Durante a manhã tomamos o pequeno-almoço em família e, normalmente, não é fora de casa. Almoçamos à beira-mar em Angeiras, num bom restaurante de peixe, mas também gostamos de ir a’O Filipe, em Matosinhos, para comer na esplanada. Depois, passeamos por Serralves, durante a tarde, e vamos até ao Mercado da Foz e ficamos por ali. O nosso conhecimento da Baixa está extremamente reduzido e sempre que cá voltamos há coisas novas que não conhecemos. Para jantar, adoramos ir ao daTerra, na Foz, ou ao Casa d’Oro.

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