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Os Azeitonas
© Marco DuarteOs Azeitonas

Entrevista: "Os Azeitonas sempre tiveram que lutar contra a maré"

Quase a atingir a maioridade, Os Azeitonas apresentam 'Banda Sonora', o seu quinto álbum. Marlon, Nena e Salsa falam sobre o passado, o presente e o futuro da banda

Escrito por
Teresa Castro Viana
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Os Azeitonas nasceram em 2002 (um ano depois da Capital Europeia da Cultura) e a cidade era bem diferente nessa altura. Como é que encaram esta evolução do Porto?

Marlon: O Porto mudou drasticamente. Houve muita obra, muita coisa a acontecer, muita organização que faltava à cidade. Tem coisas más, obviamente, como um turismo um bocado selvagem e a especulação imobiliária, mas não se pode ter tudo.

Nena: Acho que a cidade melhorou muito. Olha a Casa da Música.

Marlon: Sim. E lembro-me de ter havido uns atritos porque o pessoal não queria mandar abaixo a garagem dos eléctricos, mas foi uma obra muito importante para a cidade.

Salsa: E a Baixa também não era completamente a Baixa.

Marlon: A Baixa não existia, era um deserto nessa altura. Lembro-me que quando abriu a Casa do Livro, eles queriam uma coisa de dia para o pessoal que trabalhava ali à volta.

E vocês, como banda, em que sentido progrediram ao longo destes anos?

Salsa: Antes, musicalmente, a cidade era um deserto. Uma pessoa para descobrir onde poderia tocar era bastante mais difícil. Mas nós começámos internamente – porque alguns trabalhavam no Pop, que era a antiga Dona Urraca – e fazíamos uma noite temática de 15 em 15 dias. Os primeiros concertos d’Os Azeitonas foram lá, mas também actuámos no Via Rápida e no Estado Novo.

Era uma coisa mais amadora…

Nena: Muito mais.

Marlon: Completamente. Isto começou como uma brincadeira. Aliás, acho que todas as bandas começam assim. Na altura nem fazíamos parte. Quem começou foi o Miguel [Araújo].

Nena: Numa viagem de finalistas em Ibiza... Depois, a coisa foi ramificando, uns saíram porque tinham que trabalhar, outros entraram.

Salsa: Um deles era professor na Católica. Um aluno descobriu e ele disse: “Não dá, não dá para isto”.

Agora que isto é a sério, ainda têm a mesma pica?

Salsa: Acho que temos mais pica. Antes era uma javardice.

Nena: No início a banda era muito trenga, éramos amadores, ninguém sabia cantar. Foi um crescimento muito gradual.

Marlon: Ainda bem que não houve aquele sucesso imediato, que às vezes estraga. A fama mais tardia foi melhor.

Alguma vez sentiram dificuldades por serem de cá?

Nena: Mais agora, até, do que na altura. Os Azeitonas sempre tiveram que lutar contra a maré. O facto de sermos do Porto complica.

Marlon: É mais difícil porque não estás em Lisboa e não tens aqueles connects. Tu, aqui, conheces pessoas do Jornal de Notícias e da RTP. Lá, estás nos copos e conheces pessoas que trabalham na RTP, na SIC, no Expresso.

Salsa: E chamamo-nos Os Azeitonas.

Isso prejudicou-vos?

Marlon: Houve sempre anticorpos, porque as pessoas sentem-se desconfortáveis.

Salsa: No início chegámos a ser convidados para um festival onde pensavam que éramos uma banda pimba. Literalmente, uma banda pimba.

Nena: Ainda hoje há pessoas, amigos próximos até, que nos dizem: “De facto, o nome não foi famoso, não vos fica bem. Deviam mudar para AZ”.

Marlon: Xutos & Pontapés também não é um nome fantástico. Nem The Beatles.

Salsa: Ou Red Hot Chilli Peppers.

Marlon: Cá não há muito respeito pelos artistas pop e pelo entretenimento. Tudo tem que ser muito denso e muito sério.

Como é que esse nome surgiu, já agora?

Nena: Foi por ser português, por ser kitsch.

Marlon: E a cena do azeite e do azeiteiro... Esse lado que nós curtimos de músicas pirosas mas boas.

Salsa: Explorar o limite entre o bom azeite e o mau azeite.

As vossas músicas têm sempre muito humor, ironia e brincadeiras com os clichés…

Salsa: Sim, mas quando não brincamos a malta fica confusa. “Vocês são uma banda com muita piada. É a gozar não é?”

Marlon: As pessoas riem-se de algumas coisas que não são para ter piada.

Salsa: E outras que são para ter piada, a malta leva muito a sério. Mas cada ouvinte transforma a música naquilo que quer.

Quando o Miguel Araújo saiu da banda, em 2016, ponderaram em algum momento terminar ou arranjar um elemento para o “substituir”?

Salsa: Nunca pensámos num substituto, até porque acho que é daquelas coisas que não funcionam. Falta uma segunda guitarra, mas nunca dizemos que estamos a substituir o Miguel, porque não estamos. Mas na altura discutimos todas as possibilidades.

Marlon: Pensou-se em parar e ir dando só uns concertos de vez em quando.

Salsa: Outra das opções foi continuar e o Miguel só tocar quando pudesse, mas achávamos que ia ser um bocado confuso para o público. A solução mais duradoura que encontrámos foi esta.

O que é que vos motivou a continuar?

Salsa: Primeiro, porque temos uma banda porreira: uma equipa de 20 pessoas a trabalhar connosco, 11 em palco e nove fora.

Marlon: E, depois, porque tínhamos vontade. Era o Miguel que compunha a maior parte das músicas, por isso, acabámos por aceitar o desafio de compor.

Como foi, então, esse processo neste último álbum?

Marlon: Serviu para puxar por nós. Nós já compúnhamos, mas enquanto o Miguel te apresenta 20 músicas, tu apresentas três.

Salsa: O Miguel compõe em catadupa.

Marlon: De repente, pensámos: “Temos que ser nós”, mas também foram outras pessoas. O Luís Ribeiro, o guitarrista que entrou para a banda, tem uma música dele.

Nena: Também gravámos com o André Indiana e como temos muita empatia e somos amigos, ele percebia o que é que nós queríamos e acrescentava, dava ideias. E como ele tem a parte da sabedoria técnica, ajuda também nesse aspecto.

Salsa: E abrimos a porta do estúdio para os músicos irem lá mandar bitaites também. O Paulo Gravato [saxofonista] acabou, também, por ficar como co-produtor do disco.

Marlon: Ter alguém que veja as coisas de fora é fixe. Estás ali no estúdio, estás fechado, estás a ouvir aquilo repetidamente e ficas preocupado com pormenores que não interessam para nada.

O que é que aprenderam sobre vocês, como pessoas e como profissionais?

Nena: Que somos capazes.

Marlon: Que é difícil, mas muito divertido.

Nena: Começar é que é complicado. Dar à manivela...

Salsa: Fizemos coisas que nunca tínhamos feito antes, como chegar a compor músicas em conjunto. E não houve pancadaria, estávamos todos até bastante alinhados.

Mas costuma haver?

Nena: Não.

Marlon: Nunca houve.

Salsa: Pode haver. Nos filmes vê-se muito isso [risos].

Por falar em filmes, qual é a história deste Banda Sonora?

Marlon: Isto começou tudo com o “Cinegirassol” e a história anda à volta do que se passa no videoclipe dessa música. A ideia foi pegar naquele triângulo amoroso e extrapolar essas personagens para o resto das músicas. E a ideia é lançar videoclipes para todas elas.

E como é que está isso?

Marlon: Neste momento faltam quatro, mas há um que já está feito e ainda não foi divulgado. Até ao fim do ano era espectacular lançar todos, mas não sei se vai acontecer.

Salsa: Os realizadores com quem trabalhamos têm liberdade artística e vamos discutindo. A ideia do “Efeito do Observador”, por exemplo, era cantada pela óptica do Homem.

Marlon: O que fazia sentido, porque foi composta por ti...

Nena: E a realizadora propôs: “E porque não ao contrário?” E pegou na personagem feminina do “Cinegirassol” para esse videoclipe.

A componente de animação também tem um grande peso neste álbum…

Marlon: Sim, está no “Fundo da Garrafa”, no “Cinegirassol” e no “Efeito do Observador”, que é feito em slow motion. E no “Oito e Meia” também, assim naquele revivalismo dos primeiros videojogos, porque a música é muito oitenteira.

Nena: E o “Não Há Direito” também tem muita parte gráfica.

Marlon: Esse já é um misto, uma transição da parte de vídeo com motion graphics por cima.

Qual é maior sonho d’Os Azeitonas? O que é que vos falta fazer enquanto banda?

Nena: Falta-nos um musical.

Marlon: Há muitos anos que falamos no musical. Eu até gozava que eram os Azeitonas On Ice [risos] mas, para já, o futuro passa por fazer mais músicas. Nós não fazemos muitas projecções, mas estamos com vontade de continuar.

Salsa: O desafio é procurar o desafio, não é?

Como seria um dia perfeito no Porto

Como seria um dia perfeito no Porto?
© Marco Duarte

Como seria um dia perfeito no Porto?

“Um dia perfeito no Porto começava na Foz com um passeio à beira-mar, um pequeno-almoço na Doce Mar e uma caminhada até ao Passeio Alegre. Depois, apanhávamos a Flor do Gás e íamos comer um peixe grelhado à Afurada. Vínhamos pela marginal de Gaia, atravessávamos a Ponte Luís I e subíamos aquilo tudo até ao Gazela, para comer uns cachorrinhos. Também dávamos um passeio pela Baixa, para ver o que é que abriu de novo e o que é que fechou, e a acabávamos o dia no Hot Five Downtown a ouvir um bocadinho de jazz com amigos.”

Mais entrevistas

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És uma espécie de três em um. És Marta Bateira, és Beatriz Gosta, és M7... Se calhar até sou mais coisas, como toda a gente, só que vinco estas de uma forma mais assumida. Acho que toda a gente tem várias personagens e heterónimos. Onde é que começa uma e acabam as outras? Acho que ninguém tem essa coisa bem separada. O extravasar da Marta (quando a Marta cria alguma coisa, tanto em M7, como em Beatriz, ou em outras coisas mais) testa os seus limites e tenta reinventar-se na criatividade. Esse é o desafio. A Beatriz surgiu de uma forma muito natural. Estava muito frustrada (estava bem, tinha uma estabilidade financeira bacana, trabalhava numa empresa, era designer de moda, dava para pagar as contas), mas sentia-me frustrada porque a nível criativo não estava preenchida. E falei com a Capicua, numa altura em que estava com pouca fé e criatividade, com pouca coragem para fazer um álbum a solo de M7, estava bastante infeliz porque acordava às 6h da manhã para ir trabalhar (trabalhava numa coisa que não me dava muita liberdade criativa) e, depois, acabas por sentir que a tua vida não faz muito sentido. Era aquela coisa um bocado máquina. Aos fins-de-semana vais para os copos para compensar a vida que não te está a realizar. Então, quando estava a falar com a Capicua, ela disse: “Tu a contares histórias és única e tens a tua forma de falar muito tcham tcham”. Comecei a fazer sozinha, mas como não percebo nada de vídeo, ficava uma merda. Tentei sozinha, não rolou, desisti. Até q

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A marca Josefinas faz seis anos e estabeleceu os seus alicerces no empoderamento feminino e na importância da independência, também financeira, das mulheres em relação aos homens. Há dois anos lançaram a linha Suffragette, numa alusão às sufragistas que lutaram pelo direito das mulheres ao voto, e este ano as t-shirts de apoio à APAV, que entraram no mercado mesmo quando a comunicação social começou a reportar uma data de mortes de mulheres vítimas de violência doméstica. Por que é que quiseram ir por aí quando estabeleceram os valores e as missões da vossa empresa? Não sou a única fundadora das Josefinas, mas a minha filosofia de vida, a minha forma de estar, vai ao encontro daquela velha máxima de que filhos de pais alcoólicos dificilmente não serão alcoólicos. Já estive numa relação abusiva a nível psicológico, que é tão assustadora quanto uma relação onde exista violência física. Mas os valores que a minha mãe me transmitiu (de nunca depender de um homem na minha vida), fizeram-me olhar para a diferença que há entre homens e mulheres na nossa sociedade. E, como tal, para mim uma marca ou uma empresa só faz sentido se for além de vender coisas. As Josefinas têm muito da minha personalidade. Tentamos sempre que se ensine algo mais sobre um movimento, uma mulher ou sobre os seus direitos. Acredito que é possível mudar a sociedade através das empresas e não tem necessariamente de ser só através das IPSS. As empresas podem ter um papel fundamental, mais vivo e mais activo, na

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  • Coisas para fazer

“Quanto é o broche?”Poderíamos recorrer a um eufemismo,
 mas não nos apetece. E não vamos pedir desculpa. Fotografávamos a Carolina numa rua do Porto, à hora de almoço, depois de uma conversa que resultou nesta entrevista – onde a violência sexual e a violência doméstica, a objectificação do corpo da mulher, a proibição da lei aborto e o medo foram alguns dos assuntos discutidos – quando um homem, na casa dos 50 anos, lançou a pergunta abjecta. Poderíamos também dizer que desconhecemos
 a razão de tal acto, mas estaríamos a mentir. Sabemos que a resposta é uma
 e, infelizmente, fácil. Tanto eu como a Carolina somos putas, obviamente, porque somos mulheres, como fez questão de frisar este indivíduo que alegou a liberdade de expressão para dizer o que 
lhe apetecia. Foi um acto deliberado e gratuito que passou impune, porque na sociedade em que vivemos é desvalorizado. “Ó meninas, deixem lá. Ele não sabe o 
que diz”, ouvimos. Ele sabe muito bem o que diz e só o disse porque sabia que não sofreria consequências. E a prova disso é que na sequência de mais insultos ligámos para fazer queixa e perguntar se algum agente se poderia dirigir ao local. Mandaram-nos procurar a esquadra 
mais próxima, que estava fechada. Ninguém quis saber. Podia ter sido mais grave? Claro. E é por isso que marchas
 e entrevistas como estas são precisas. Cada vez mais. Em prol das conquistas do passado, do presente, mas, sobretudo, do futuro. O que é a Slutwalk, também conhecida como Marcha das Galdéria

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Aceitaste fazer a capa da revista deste mês, vestido de São João. Podemos afirmar que és um ídolo acessível, tal como fazes nas tuas stories do Instagram quando encontras um famoso simpático? Exactamente, sou o ídolo mais acessível de Portugal [risos]. Acho isto engraçado, porque eu nunca busquei fama. Eu só queria fazer o que eu gostava realmente de fazer, sabe. E as pessoas ficam um bocado assustadas quando eu falo directamente com elas. Eu sou tranquilo, eu brinco com isso do ídolo acessível porque uma vez estive numa festa grande e uma pessoa, que era um grande ídolo para mim, não me tratou assim tão bem. E depois encontrei-me com o Rodrigo Santoro e muita outra gente de fora e foram superacessíveis e eu falei: “Meu Deus, um ídolo acessível.” É isso. Se não estavas à procura de fama, como é que isso aconteceu? Cheguei ao Porto em 2010 — pode parecer um bocado pedante dizer isto, mas eu sempre quis que as pessoas olhassem para algum material meu, para alguma coisa minha, consistente visualmente, e percebessem logo que me pertencia, a nível gráfico, digital, de paleta de cores ou de ideias. Ser reconhecido por aí – e depois aconteceu aquela cena do The Huffington Post [que em 2015 o considerou um dos instagrammers mais criativos do mundo] que toda a gente já está cansada de saber e não vale a pena sequer ir por aí. Eu brincava com o que fazia e quando menos esperava, as pessoas começaram a reconhecer-me pelo meu trabalho. Foi uma fase muito

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