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Literacidades
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Do Instagram às cidades como palco para a literatura

As cidades podem ser cenários perfeitos para a literatura. Conheça uma história que nasceu do amor pelo Porto e pelas palavras.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
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O Porto é uma cidade de muitas histórias. Tantas que são muitos os livros que prestam homenagem à chamada “Invicta”, epíteto conquistado no século XIX após as Guerras Liberais. Mas há no Porto quem pegue nos livros, em todos os que consideram merecer especial destaque, e os leve a passear, juntando as histórias a memórias e aproximando-as de uma comunidade de leitores que não pára de crescer. Chama-se Literacidades, um projecto de Álvaro Cúria e Ludgero Cardoso, devoradores de livros que há dois anos, a partir do Porto, começaram a divulgar “opiniões” (e não críticas, sublinham) sobre o que vão lendo, juntando ao texto uma imagem de um livro num local específico da cidade. “Às vezes vamos de carro, olhamos para uma casa e dizemos ‘Olha, isto lembra não sei quê, tens aí o livro?’. Ou então, é planeado, já sabemos que aquele livro tem de ser ali. Mas os livros são um ponto de partida para falarmos e mostrarmos muitas outras coisas, nomeadamente as cidades. A do Porto é um excelente cenário de livros, seja ele que livro for. Podemos ir desde o maior drama até à fantasia e ao terror”, explica Álvaro.

Foi Ludgero que começou por divulgar as suas opiniões sobre livros no Instagram pessoal. A necessidade de lhes dar um espaço próprio, online, chegou depois. A ideia para o nome foi a primeira a nascer e a partir daí o conceito de juntar a literatura a locais da cidade. Entretanto já andaram pelo país, mas a pandemia mandou-os para dentro. Mas, mesmo a partir de casa, o Literacidades nunca parou.

Literacidades
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O livro Abraço, de José Luís Peixoto, aparece elevado em frente a um parque infantil vazio, na zona das Antas. "É tempo de recolher, de deixar os abraços para outra altura, para que os possamos dar, depois", dizem numa das muitas publicações. Os Vampiros, de Filipe Melo e Juan Cavia, uma história ilustrada sobre a guerra colonial, surge junto ao Forte de São João Baptista, na Foz do Douro, onde deveria estar um monumento aos soldados da guerra do Ultramar, nunca concluído. “Não é obrigatório que seja muito literal”, explica Álvaro, que conta ter-se juntado a Ludgero neste projecto alguns meses após o seu início, porque “estava cheio de inveja” das coisas que ele estava a fazer.

O Literacidades expandiu-se, mas em stand by ficou a iniciativa “Portugal 20 em 20”, que, explica Ludgero, “consiste em viajar pelo país e dar a conhecer o que existe de literário em cada distrito”. Livrarias, bibliotecas, museus, casas de escritores, locais para boas leituras, estátuas de escritores – “tudo o que há de literário, tanto em Portugal Continental como nas ilhas”, diz. No confinamento chegaram a mostrar a “literacidade” da Irlanda ou de Itália. Mas antes do Literacidades cimentar a sua veia internacional, há muito a acontecer por cá. Aos domingos fazem directos com autores, livreiros ou leitores, uma iniciativa que tem vindo a crescer (chegam a juntar 1500/2000 pessoas por directo, numa página de Instagram com mais de 7700 seguidores). Ao mesmo tempo, inspiraram-se no programa da RTP Herdeiros de Saramago (dedicado a vencedores do Prémio Saramago), em que todos os meses lêem um autor diferente, de Gonçalo M. Tavares a Ondjaki.

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E aqui também se brinca com os livros, com concursos e competições. Como o “Bookvision”, inspirado no Eurovisão, onde o desafio é a escolha de um livro que representará o distrito ou a região autónoma de nascimento do seu autor. “As pessoas em vez de escolherem uma canção, escolhem um livro editado nesse ano e competem entre si.” Já o “Book Hunt” é mais parecido com o programa Quem Quer Ser Milionário?. “É um quiz literário, cada resposta correcta dá pontos. No fim vence quem tem mais. Esta última edição foi totalmente dedicada ao José Luís Peixoto, numa parceria que fizemos com a editora Quetzal”, diz Ludgero. Fazem-se ainda “Sábados de Plantão”, em que fingem ser médicos dos livros e dão conselhos às pessoas, orientando as leituras. E “Ciclos de Leitura” relacionados com a diversidade, dando visibilidade a edições LGBT, autores negros e escritoras. “Não quer dizer que tenhamos que gostar de todos os livros que as mulheres escrevem, de todos os livros que os gays escrevem, não é nada disso. Acho que sentimos essa obrigação, por vozes que são apagadas ao longo da história, de as ler mais agora", defende Álvaro.

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Escritores e editoras têm alinhado neste Literacidades, o que tem surpreendido a dupla. “Começam a perceber que é através das redes sociais que a publicidade aos livros chega às pessoas que deve chegar. Às vezes um investimento mínimo tem um feedback muito superior à publicidade tradicional, que já não vinga tanto hoje em dia”, comenta Álvaro, que acredita que a abordagem à literatura “não tem de ser uma coisa pesadona”. O Literacidades está também no Patreon, uma plataforma de conteúdos pagos e exclusivos para os seus patronos. Por exemplo, em Maio vão lançar na plataforma a iniciativa “Verão Com Elena Ferrante”, que irá dar acesso a um clube de leitura da misteriosa escritora italiana, famosa pela sua tetralogia "Série Napolitana", da qual faz parte o livro A Amiga Genial. “Terão acesso a uma masterclass sobre Nápoles por mês, à língua napolitana, à culinária napolitana, etc. E acesso a um encontro mensal no Zoom, com alguém relacionado com a obra da Elena Ferrante. Não é a própria, que ninguém sabe quem é...”, adianta Álvaro. E, acrescenta Ludgero, em Setembro planeiam visitar Nápoles, “se o senhor Covid nos deixar”.

Entre tantas ideias, planos e iniciativas, o Porto não ficou sentido, nem esquecido, reforça Álvaro: “É engraçado que ainda não sentimos que esgotámos a cidade. Muito longe disso. Já fomos a alguns daqueles sítios mais célebres, mas nem todos. Não fomos a Serralves, ao Palácio da Bolsa… e falta muita Ribeira ainda.”

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