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Germano Silva
© João SaramagoGermano Silva

Germano Silva: “O mais valioso património do Porto são as pessoas”

Germano Silva volta a lançar um livro recheado de histórias do Porto. Falámos com o jornalista e também trouxemos uma história para contar.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
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Aos 90 anos, Germano Silva não deixa de ser uma lufada de ar fresco na cidade que o viu crescer. Foi no Jornal de Notícias (JN) que começou uma longa carreira, e apesar de se ter reformado em 1996 nunca deixou de escrever. Em vez de nos dar notícias, dá-nos histórias do passado da cidade pela qual nutre uma profunda paixão. Porto: As Histórias que Faltavam é o seu último livro, mais uma vez com a chancela Porto Editora, um conjunto de crónicas publicadas no JN, com as quais tem dado a conhecer melhor a cidade desde há mais de 30 anos. Pelos seus dedos já correu muita tinta e nos pés conta com muitos quilómetros de passeios guiados. E promete continuar.

O prefácio deste novo livro é assinado por Miguel Carvalho, grande repórter da revista Visão, que atribui a Germano a responsabilidade, ou a honra, de ser “a pele do Porto”. Sentir-se-á o autor confortável nessa pele? “Essa é uma gentileza do Miguel. Eu tento conhecer o Porto, quero viver este interesse pela história do Porto e pela sua divulgação, é uma deformação profissional. Quando eu comecei no jornalismo, há 65 anos, o chefe de redacção disse-me que eu só seria um bom repórter se conhecesse a cidade. A partir daí, e porque queria ser um bom repórter, comecei a interessar-me pelas coisas da cidade, pela história, por querer saber o significado dos nomes de algumas ruas... E a partir daí fui procurando outras histórias, comprando livros sobre o Porto e reunindo documentação”, explica o jornalista-historiador, que já doou parte do seu espólio à cidade.

Recentemente, a Câmara Municipal do Porto (CMP) integrou no Arquivo Histórico Municipal uma parte do acervo reunido por Germano, que fica assim disponível para todos os que também queiram explorar o passado da cidade. “Faz parte deste vasto e valioso conjunto documental diversa correspondência recebida, recortes de jornais, apontamentos manuscritos, monografias impressas, cartazes e vários outros documentos”, revelou em Junho passado o presidente da autarquia, Rui Moreira. Mas Germano diz que há mais. “Agora foram mais de mil documentos, apenas uma pequena parte”, diz o jornalista, que é o fiel depositário de documentos originais como “cartas de Almeida Garrett, de famílias como os Sandeman, jornais depois de 1820, memórias de soldados da Guerra Civil. Tudo originais que têm de ficar no arquivo para a comunidade”, defende.

Os seus textos costumam ser acompanhados por imagens saídas do seu rico arquivo iconográfico, entre fotografias, imagens, desenhos e retratos. “Ando há mais de 70 anos a frequentar alfarrabistas, leilões e antiquários, e vou encontrando coisas interessantes. Às vezes apresento imagens de sítios que já não existem, como o Mosteiro de São Bento de Avé Maria, onde agora está a Estação de São Bento. Quem diz isto, diz outro. Em frente à Sé, nos anos 40/50, ainda havia casas muito perto da catedral. Naquele largo e amplo miradouro eram ruas estreitinhas e muitas casas que já desapareceram”, diz o homem que tem sempre uma boa história na manga. Está-lhe nas veias, e na pele, o amor pelo Porto, do qual diz que o grande património é de carne e osso.

“O Porto é Património da Humanidade, mas para mim o mais valioso património da cidade são as pessoas que nela vivem, os portuenses, os tripeiros, como queira.” Pedimos para nos descrever um tripeiro e responde com mais uma história: “Um tripeiro define-se como uma pessoa de carácter, de grande vontade e com uma sensibilidade enorme para defender as coisas do Porto. Já há bastantes anos, estive em Turim, a fazer o relato de um jogo de futebol, o final de uma Taça de Itália, num tempo em que ainda jogava o Rui Barros. Dirigi-me para me creditar para ir para o campo de futebol, disse que era de um jornal do Porto e respondem-me: ‘Do Porto? Então você é cidadão honorário de Turim, já ouviu falar no rei Carlos Alberto?’” Uma referência ao rei sardenho destronado que encontrou refúgio no Porto em 1849 e viveu perto da praça que hoje tem o seu nome, assim como o teatro construído nos jardins do palacete onde morou.

E que força é esta que continua a mover Germano por ruelas e calçadas? “É o amor que tenho a esta terra. Nasci no concelho de Penafiel, mas vim para aqui com menos de um ano de idade e praticamente foi aqui que lancei as minhas raízes, que criei família, que me fiz gente, digamos assim. Tenho um amor muito grande por esta cidade, que é única. Tem facetas na sua história que não encontramos em nenhuma outra cidade do mundo. E com uma gente única, gente de carácter, de não quebrar. Um exemplo dos nossos dias: quando quiseram vender o Coliseu do Porto, uma sala emblemática, a cidade juntou-se ali e disse não. Isto acontece desde a Idade Média. Quando os homens do Porto batiam o pé ao rei, ao bispo, protestavam, criavam problemas... De tal ordem que os reis do século XIX, quando viam as pessoas a juntarem-se na actual Praça da Liberdade, mandavam cair o Governo, porque temiam que viesse daqui uma revolução. Nós fomos a cidade onde pela primeira vez se cantou ópera em Portugal. A primeira revolução liberal foi aqui, em 1820, a primeira tentativa de implantação da República foi aqui. Somos uma cidade privilegiada, sempre com iniciativas importantes não só para a cidade, mas até para o próprio país”, diz apaixonadamente. Para Germano, esta Invicta é um poço inesgotável de histórias e o jornalista continua a surpreender-se com as viagens ao passado: “Há aquela expressão popular, ‘cada cavadela, uma minhoca’. A gente vai procurar uma história e encontra outra”.

Uma que ainda não tinha contado chama-se “1931”. O único capítulo inédito deste novo livro evoca o ambiente do Porto desse ano em particular, o ano de nascimento de Germano, que completou 90 no passado dia 13 de Outubro. “Não tenho memória dessa época, mas a cidade não se modificou muito nos anos seguintes e tenho memória de uma cidade mais intimista, dos sinos das fábricas, da padeira ou da leiteira, gente laboriosa que acordava a cidade.” Seguem-se mais de 50 capítulos com crónicas da série “À descoberta do Porto” que fez para o JN, que, conta, tinham um único objectivo: “ensinar sem causar enfado”.

O mesmo se passa com os seus populares passeios guiados pela cidade, que desenvolve em parceria com instituições como a Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, a Irmandade dos Clérigos ou a Santa Casa da Misericórdia do Porto, esta já com um passeio marcado para 12 de Dezembro, com Germano Silva. Tente acompanhá-lo.

Livro, Germano Silva, Porto, As Histórias que faltavam
©DR

Livro: Porto, as histórias que faltavam. Porto Editora. pp 224. 13,95€.

A exposição 'Germano Arquivo' está na Casa do Infante até 16 de Janeiro de 2022, de terça a domingo (10.00-17.30), com entrada livre.

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