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Uma ida a Leça da Palmeira à hora de almoço só pode significar uma coisa: peixe e marisco na brasa, preparados nos grelhadores a carvão que, por esta altura do ano, se instalam nas ruas – para serem devorados sobre toalhas de papel manchadas por gulosas pingas de gordura. Tudo isto é muito bom e faz parte do nosso ADN gastronómico, no entanto, não é segredo nenhum que esta localidade de Matosinhos se tem vindo a afirmar como destino gastronómico nos últimos anos, apostando noutros estilos de cozinha. Por causa da Casa de Chá da boa Nova do chef Rui Paula, com duas estrelas Michelin; por causa de dois grandes restaurantes vegetarianos, como o Fava Tonka e o Seiva; e de tantos outros que têm dado cartas na restauração por estes lados, como é o caso do Cibû, do chef Hugo Portela, que em Fevereiro entrou para a lista de restaurantes recomendados do Guia Michelin.
Acontece que o Cibû tem uma nova carta e isso é sempre um motivo de alegria, já que tudo o que o chef traz para mesa é uma diversão. “A maior parte das pessoas que entram aqui ficam surpreendidas e gostam”, diz Hugo Portela, que preparou para esta época uma “carta mais leve e mais fresca”. “Se continuasse a preparar uma cabidela ou uma costela mendinha, como tinha antes no menu, as pessoas saíam daqui com vontade de dormir uma sesta”, ri, recostado na cadeira, já depois de ter terminado o serviço de almoço.

A cozinha de Hugo Portela é o que se poderia denominar de tradicional-ó-contemporâneo, onde se misturam duas vertentes da gastronomia portuguesa bem diferentes. “É uma cozinha tradicional moderna, feita para partilhar. Com tachos no meio da mesa, mas sem toalhas”, explica o chef. E a analogia pode ir até mais longe – é que aqui apresentam-se, por exemplo, os típicos bolos de arroz da nossa pastelaria semi-industrial (mas caseiros e em versão miniatura) com pato curado no topo e um recheio feito com coxa de pato confitado e chouriço de porco preto. “É um bolo de arroz de pato”, ri. Uma versão actualizada dos bolos de arroz com gamba rosa do Algarve, que estrearam a primeira carta, quando o restaurante abriu, e que foram precedidos pelos bolos de arroz com cogumelos, uma aposta para os meses mais frios do ano.
Brincar com contrastes de sabor
A refeição arranca, então, com um couvert composto por pão de fermentação lenta da padaria Fariña, uma manteiga caseira e um azeite biológico da Quinta da Mourisca. E mais se comeria daqui se os snacks não começassem a chegar. Juntamente com os bolos de arroz de pato (5,50€/2 unid.), vem para a mesa um tártaro de atum patudo com maracujá e molho picante sobre uma fatia de brioche tostada (9€/2 unid.), tão doce quanto fresco, e que reflecte bem a filosofia do chef. “Gosto muito de brincar com contrastes de sabor. Gosto de trabalhar a acidez com o picante e com o doce”, revela. E o prato que se segue vem na mesma linha.
O croissant com recheio de rosbife e camarão (14€), uma espécie de surf and turf pairando sobre um molho que mistura um ligeiro bisque e um jus de carne, é um dos pratos mais gulosos e surpreendentes da nova carta. A carne rosada cortada finamente, o molho puxado no sal mas equilibrado, as alfaces para a crocância, as ervas aromáticas para refrescar e o croissant folhado a amparar dão sentido a toda a composição.

Das entradas, fazem ainda parte um gaspacho de pêssego e tomate (10€), uma tosta de fígado com cebola e pickle de pepino (11€), uma tarte de tomate coração de boi com chutney de tomate e creme de limão (11€) e ainda, entre outras coisas, uma talassa com recheio de chouriço, laranja e molho de leitão – e, definitivamente, um dos pratos mais interessantes do novo menu (11€). “É uma espécie de bolacha americana recheada com um tártaro de enchidos, com presa de porco [a costela transmontana do chef a revelar-se], num molho de leitão e maionese de laranja”, explica Hugo, sobre um prato saboroso, engraçado e com um intenso sabor a fumado.
Nos pratos principais de carne, há franguinho piri-piri (25€), cachaço de porco com salada caldosa de tomate e arroz de forno (25€) e um bife à tasco (36€). E os de peixe vão da suculenta raia à Bulhão Pato com arroz cremoso de amêijoas (26€), passando pela açorda de polvo com chouriço (35€) e terminando na corvina grelhada com feijão verde e mostarda (28€).

Apostar nas fermentações
Generosas são também as sobremesas do Cibû, feitas para serem partilhadas (todas a 9€). E se à primeira vista podem parecer simples, estão, na verdade, dotadas de várias camadas, que lhes dão dimensão e textura. O bolo de chocolate, por exemplo, não é só o que aparenta. Tem, de facto, um bolo de chocolate com 72% de cacau, mas também uma mousse com 32%, um coulis de mirtilo avinagrado, pickles de mirtilo e ainda raspas de caramelo salgado por cima.
“Apostamos muito nas fermentações aqui no restaurante. E, para esta sobremesa, achamos necessário apresentar os pickles de mirtilo para lhe conferir acidez e cortar um pouco na doçura”. A rabanada de croissant e creme de ovo, o icónico bolo de bolacha e as populares natas do céu rematam um menu que tem tanto de divertido e guloso, quanto um dos belos peixinhos que se grelham lá fora na rua.
Rua Castelo, 15 (Leça da Palmeira). 22 242 6929. Qua-Sáb 12.30-15.00; 19.00-22.00. Dom 12.30-15.00
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