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Yayoi Kusama
© Cortesia de SerralvesYayoi Kusama, "1945 to Now"

Serralves celebra 35 anos com “programação mais ambiciosa de sempre”

Exposição de Yayoi Kusama, um dos nomes mais influentes da história da arte contemporânea, é um ponto alto do programa, que não esquece os 50 anos do 25 de Abril.

Escrito por
Patrícia Santos
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O ano adivinha-se intenso em Serralves. Além de celebrar 35 anos de vida, esta instituição cultural festeja o 25.º aniversário do seu museu – o primeiro espaço de arte contemporânea criado em Portugal –, bem como os cinco anos da Casa do Cinema Manoel de Oliveira e do Treetop Walk, um percurso que nos leva pelas copas de um parque único no mundo. Em 2024, aquele que é um dos mais bem-sucedidos e consolidados projectos culturais do país vive ainda o primeiro ano de vida da Ala Álvaro Siza, um edifício de três pisos e mais de 4000 metros quadrados, que foi inaugurado em Outubro e está preparado para receber exposições, com um foco especial na arquitectura.

“Serralves foi-se reconstruindo, recriando e contribuiu para mudar o mundo à nossa volta, a cidade, a região e o país”, começou por dizer Ana Pinho, presidente do conselho de administração, durante a apresentação da programação anual, que teve lugar na última quarta-feira, dia 24 de Janeiro.

Com tantos motivos de celebração, a dirigente garantiu terem preparado o programa “mais ambicioso de sempre”, no qual sobressaem “alguns dos nomes internacionais mais importantes”, como indicam as mostras de Yayoi Kusama, Francis Alÿs e Stan Douglas ou o ciclo de cinema dedicado a Jean-Luc Godard. A aposta em criativos como João Pedro Vale, Nuno Alexandre Ferreira, Sara Bichão e Francisco Tropa expressam, igualmente, o empenho em funcionar como “uma montra para os artistas nacionais”.

Ana Pinho salientou também o regresso de eventos como o Serralves em Luz e o Serralves em Festa, descritos como “absolutamente fundamentais na missão de democratização da cultura e na captação de novos públicos”.

Delacroix no 25 de Abril em Atenas (1975), de Nikias Skapinakis
© Cortesia de SerralvesDelacroix no 25 de Abril em Atenas (1975), de Nikias Skapinakis

Os anos da revolução

Já o francês Philippe Vergne, director do museu, destacou um “excelente” programa. No ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril, este estará, “naturalmente, sob o signo da revolução. Serralves girará em torno da noção de revolução, de como foi inspirada pelos artistas e de como os impactou”, explicou.

Surge assim “Pré/Pós - Declinações Visuais do 25 de Abril”, uma exposição comissariada por Miguel von Hafe Pérez e composta por mais de 300 obras, todas produzidas entre 1970 e 1977, que “não tentam reflectir o que de melhor se terá produzido no âmbito estrito das artes visuais em Portugal no período tratado, antes mostrar e redescobrir trabalhos que sinalizam uma produção cultural atenta à realidade, interveniente e onde múltiplas plataformas de propaganda, contestação e sensibilização popular são utilizadas por artistas”. Mais do que assinalar a efeméride, o projecto “pretende investigar as tensões, as contradições e os movimentos paradoxais que marcam os períodos imediatamente anteriores e posteriores à revolução”.

As peças, de autores como Álvaro Lapa e Lourdes Castro, são complementadas por uma série de documentos gráficos, múltiplos, edições especiais, manuscritos e iconografia associada ao período que chega de arquivos como o da Fundação Mário Soares, Associação 25 de Abril, Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra e colecção da Galeria 111.

Em diálogo com este programa comemorativo, vai estar, a partir de Maio, “ISDN”. Trata-se de uma instalação de filmes e fotografias de Stan Douglas, que retratam momentos históricos durante os protestos globais de 2011, como a Primavera Árabe e os motins da Stanley Cup, em Vancouver, terra natal do canadiano, “levantando a questão: 'o que é e onde está hoje a revolução?’”, adiantou Vergne.

A primeira grande exposição

Antes de “Pré/Pós - Declinações Visuais do 25 de Abril”, que pode ver de Abril a Outubro, estreia, em Março, “1945 to Now”. “A nossa primeira grande exposição do ano será dedicada a Yayoi Kusama, que através de performances, pinturas e esculturas incorpora o espírito de libertação sexual e a emancipação alucinatória dos anos 1960”, disse o diretor do museu.

Organizada cronológica e tematicamente, a retrospectiva da artista japonesa, uma das mais importantes e influentes da história da arte contemporânea, guia os visitantes através da sua carreira criativa, dividida em grandes temas: Infinito, Acumulação, Conectividade Radical, Biocósmica, Morte e Força da Vida. Entre ambientes imersivos com espaços espelhados e pinturas de bolinhas – imagens de marca de Kusama – e balões suspensos que contribuem para uma experiência perceptiva caleidoscópica, há mais de 200 obras para conhecer ao longo da exibição, que analisa o trajecto de Kusama, dos primeiros desenhos que fez quando adolescente durante a Segunda Guerra Mundial, até às suas peças mais recentes.

Francis Alÿs, The Nature of the Game, Serralves
© Cortesia de SerralvesFrancis Alÿs, "The Nature of the Game"

A universalidade da brincadeira

Em Outubro, arranca a maior mostra individual de Francis Alÿs – que inclui obras especialmente encomendadas para a ocasião – nos últimos 15 anos. “Esta exposição apresentará o trabalho que Alÿs fez ao longo de 20 anos e em mais de 15 países, documentando e ensinando jogos infantis”, explicou Philippe Vergne. Os visitantes vão ser envolvidos numa instalação cinematográfica com vários ecrãs, que reflectem a natureza espontânea e auto-organizada das crianças enquanto brincam. “Este arquivo de jogos é um testemunho da universalidade e criatividade da brincadeira, mesmo em ambientes politicamente tensos, e adquire uma importância acrescida a cada novo filme. O projecto, em constante expansão, é um registo de experiências vividas relativas à brincadeira e à interacção social que têm vindo a diminuir devido à rápida urbanização, à omnipresença dos automóveis, à erosão das comunidades e à utilização das redes sociais e do entretenimento digital”.

Com sotaque português

A nível nacional, vale destacar a aposta na dupla formada por João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira que, em Julho, inauguram a primeira exposição antológica em Portugal. A icónica casa cor-de-rosa foi o palco escolhido para receber a mostra, composta por uma ampla selecção de obras, algumas inéditas e especialmente concebidas para o evento. Com os seus materiais luxuosos e opulentos, o edifício possui o cenário ideal para recriações históricas e encontros inesperados propostos pelos artistas. Desde a cozinha até às salas de estar e jantar, passando pelas escadarias e casas de banho, o duo vai ocupar praticamente todos os compartimentos da antiga residência privada, transportando o visitante para a história e a memória deste lugar. A relação entre folclore e identidade nacional, a expansão marítima e o império colonial português, o fascismo e a cultura no antigo regime, os negacionismos e as políticas de memória, violência e silenciamento das ditaduras, o impacto do HIV/AIDS e o estigma e preconceito em relação à comunidade LGBTQIA+ estão entre os temas abordados. 

Também em Julho, Sara Bichão vai tomar conta da galeria contemporânea com um projecto especificamente pensado para esse espaço, desenvolvido a partir de residências artísticas em diferentes países, durante as quais explorou as relações entre arte, natureza e efemeridade numa série de performances e instalações com materiais extraídos do ambiente natural, como terra, galhos e pedras, usualmente conjugados com objectos que evocam memórias afectivas e vivências pessoais. O mesmo vai acontecer aqui, com Bichão a reaproveitar e reutilizar materiais recolhidos no parque da fundação.

Em Novembro, Serralves dedica uma exposição a Francisco Tropa, cuja visão criativa utiliza protótipos, máquinas, pinturas, serigrafias, fotografia e performance para reflectir, entre outros temas, sobre a natureza, a origem e o fim da arte, que reconhece o carácter performativo da prática do autor.

Ciclo de cinema de Jean-Luc Godard
© Cortesia de SerralvesCiclo de cinema de Jean-Luc Godard

A estreia da Ala Álvaro Siza

Desde a inauguração, em Outubro, a Ala Álvaro Siza tem permanecido vazia, ainda que aberta a visitas para poder ser explorada pela sua traça. A situação muda em Fevereiro com a inauguração de duas exposições. Segundo Philippe Vergne, “Anagramas Improváveis” dá a conhecer “uma selecção de obras das colecções de Serralves ao longo de várias gerações e culturas, destacando a sua relevância desde a criação até à última adição”. As salas em que se exibem, lado a lado, artistas como Cabrita Reis e Julie Mehretu ou Álvaro Lapa e Trisha Donnely são exemplos destes cruzamentos inusitados. Já “C.A.S.A” parte dos arquivos doados pelo icónico arquitecto de Matosinhos para explorar como “a noção de casa, em toda a sua diversidade, influenciou a obra de Siza”.

A omnipresença de Manoel de Oliveira

De Abril a Novembro, a Casa do Cinema recebe “Manoel de Oliveira e o Cinema Português 2. A Revolução (1971-1990)”. A exposição, comissariada por António Preto, director do espaço, e pelo realizador João Mário Grilo, “coloca a obra produzida pelo cineasta neste período, que coincide com a revolução de 1974, em diálogo com aquilo que foi a produção fílmica em Portugal”, antecipou Preto.

De Novembro em diante, as atenções voltam-se para Jean-Luc Godard, um dos nomes mais importantes da Nouvelle Vague francesa e um dos cineastas mais reconhecidos e influentes de todos os tempos, com uma exposição dividida em dois pólos. Enquanto “o primeiro incide sobre o modo como Godard recorreu às imagens em movimento e aos instrumentos do vídeo para repensar a história do cinema”, o segundo estabelece “um diálogo entre Godard e Manoel de Oliveira, com base em dois filmes. Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira, e o Film Socialisme, de Godard, que, de alguma forma, responde ao filme de Oliveira”, concluiu Preto.

Rua D. João de Castro, 210. Seg-Sex 10.00-18.00, Sáb-Dom 10.00-19.00. 15€-22€

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