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Televisão, Série, Drama, Terror, Mistério, Yellowjackets (2021)
©DRYellowjackets de Ashley Lyle e Bart Nickerson

‘Yellowjackets’, o novo fenómeno da televisão americana

Criada por dois argumentistas de ‘Narcos’, esta série é uma viagem feminista aos anos 1990. Estreia-se esta terça-feira na HBO.

Hugo Torres
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Hugo Torres
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O princípio é o fim, e o fim é o princípio. Se Dark, a intrincada série alemã da Netflix, deixou alguma coisa clara, incrustada na nossa memória, foi essa chave existencial. E é mais ou menos isso que se passa em Yellowjackets. O episódio piloto abre com uma cena de caça, em que uma adolescente é perseguida pelo meio de uma floresta gelada até cair numa cova armadilhada com estacas afiadas. A jovem morre empalada. A presa é então levada para junto da fogueira, onde é cozinhada, e à volta da qual é devorada por um grupo de outras raparigas de rostos escondidos em trapos e indumentária animal, encarnando uma espécie de tribo primitiva. Um acto de canibalismo que abre esta narrativa e que a divide em duas cronologias, uma passada nos meses imediatamente antes, em 1996, e outra que se desenrola 25 anos depois, no presente. É o momento que marca o fim definitivo da inocência e, simultaneamente, o princípio de um estado permanente de sobrevivência.

Yellowjackets é uma produção da Showtime, cujo serviço de streaming não está em Portugal; portanto a série estreia-se por cá através da HBO, na terça-feira, 15 de Fevereiro. No entanto, são os números da casa-mãe que nos mostram o fenómeno de popularidade que tem sido nos EUA, onde os dez episódios foram disponibilizados semanalmente desde Novembro, tendo chegado ao fim como a segunda série com mais streams na história da Showtime (só atrás de Dexter: New Blood). Na internet, não faltam teorias e explicações e análises aos diálogos das personagens, que se desdobram entre o drama, o thriller psicológico de sugestão sobrenatural, com doses controladas de cenas gore, o teen movie e – sim, há quem argumente neste sentido – a comédia. Embora nos escape a piada de uma equipa de futebol feminino do liceu, que vai disputar o título nacional depois de vencer o campeonato regional, se despenhar no meio de uma longínqua e inabitada floresta do Canadá. Parte da equipa sobrevive à queda, mas estas adolescentes passarão 19 meses à mercê da fome, dos animais selvagens e dos elementos, com consequências indizíveis.

Criada por dois dos argumentistas de Narcos, Ashley Lyle e Bart Nickerson, Yellowjackets tem uma referência reconhecida por todos: O Senhor das Moscas. Até o título remete para o romance de William Golding, já que Yellowjackets, que é o nome da equipa de futebol, é um tipo de vespa. Os rapazes perdidos após um desastre de avião são moscas; as raparigas são um pouco mais... pontiagudas. A distinção de género é essencial, já que as histórias de sobrevivência estão quase sempre circunscritas a pessoas com cromossomas Y. Aqui, aponta-se o dedo ao patriarcado (a escola celebra tanto a medíocre equipa de basebol masculina como a delas). Mais: uma das fortalezas desta série é a banda sonora, que também deveria contar uma história masculina dada a época em que estas raparigas passam a sua juventude (o destino da viagem até era Seattle, de todos os lugares!), mas é uma mostra de vigor e angústia geracional arreigada em vozes femininas. PJ Harvey, Hole, Liz Phair, Alanis, Portishead, Kim Wilde, The Cranberries, Mazzy Star, Ace of Base, Salt-N-Pepa (depois de Maid, da Netflix, “Shoop” já começa a ser um hábito na televisão).

A partir do primeiro episódio, o espectador sabe sempre mais do que as personagens. Sabe aonde vão parar os esforços de sobrevivência das adolescentes, e sabe mais do que todos os outros que se relacionam com as sobreviventes 25 anos depois – elas fizeram um pacto para contar apenas o aceitável. O mistério é saber como é que os acontecimentos evoluem, quem foi a sacrificada, quem decidiu sacrificá-la e quais são as sobreviventes. No presente só conhecemos quatro – a menosprezada Shauna (Melanie Lynskey), a viver um casamento desapaixonado com o ex-namorado da melhor amiga da juventude; a aguerrida e toxicodepente Natalie (Juliette Lewis); a metediça e retorcida Misty (Christina Ricci, a completar um trio de actrizes que é por si só uma evocação dos anos 1990); e a brilhante e obstinada Taissa (Tawny Cypress), a “Kamala queer” a concorrer ao Senado estadual. Há outras, mas não sabemos quais. E estas quatro apenas se reencontram por estarem a ser chantageadas por alguém que ameaça revelar o terrível segredo. A atenção, todavia, está toda na linha cronológica de 1996, com um elenco tão bem encaixado nas personagens que mal nos ocorre questionar como estão todas tão limpas e asseadas numa situação assim.

HBO. Ter (estreia T1)

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