Notícias

30 anos de Cafeína. “Um restaurante como este é sempre um processo, está sempre em evolução”

Abanou a Foz nos anos 90, sobreviveu à crise por causa de um prato de bacalhau e recusou uma das mais famosas bandas de rock mundiais porque não tinha mesa disponível. O Cafeína é mítico, faz 30 anos e está aí para as curvas.

Mariana Morais Pinheiro
Escrito por
Mariana Morais Pinheiro
Directora Adjunta, Porto
O Cafeina, na Foz, faz 30 anos
©DR | O Cafeina, na Foz, faz 30 anos
Publicidade

A brisa marítima paira sobre a Foz, enchendo o ar de uma salinidade que se propaga por vários quilómetros. Passa meia hora do meio-dia e o sol começa a queimar impiedosamente. Na penumbra do Cafeína, instalado numa casa do século XIX, está-se bem. Dispersas pelas mesas, envoltas numa semiobscuridade reconfortante, habitués conversam animadamente enquanto se servem alguns dos pratos clássicos da cidade. Vasco Mourão está ao telefone, à janela, prestes a embarcar num almoço que lhe fará recordar os 30 anos de um dos mais conceituados restaurantes da cidade, que, nos anos 90, foi uma lufada de ar fresco na gastronomia portuense. 

Apesar de hoje não ser possível falar de um sem o outro, este não foi o primeiro negócio do empresário fundador do Grupo Cafeína, que detém muitos outros restaurantes, todos na Foz (para que possa circular entre eles sempre a pé), como o Terra, o Portarossa, a Casa Vasco e o Lucrécia. Em 1989 abriu, então, o Praia da Luz, na praia com o mesmo nome, agitando a movida junto ao mar; depois seguiu-se o Café na Praça e ainda o bar na Praia de Gondarém. “Mas desesperava com a sazonalidade, no Inverno chovia imenso e, por isso, precisava de um negócio que funcionasse nessa época”, começa por recordar. “Até que apareceu esta casa para arrendar, que estava devoluta e em muito mau estado”. 

Os anos 90 e um couvert morno e guloso

Um pão de fermentação lenta, feito com farinhas moídas em mó de pedra, que chega à mesa morno e acompanhado de um patê de aves trufado e de duas manteigas gulosas, uma delas feita com leite de cabra, marca o início da refeição (3,80€/pessoa). E de uma época. “O Cafeína evoluiu comigo. À medida que eu fui envelhecendo, ele também foi amadurecendo e mudando. Um restaurante como este é sempre um processo, está sempre em evolução”, diz, acrescentando que o restaurante funciona “de uma forma regular durante todo o ano”, mas um pouco melhor nas estações mais frias.

Vasco Mourão, o fundador do Grupo Cafeína
©DRVasco Mourão, o fundador do Grupo Cafeína

Rodeado de restaurantes que praticavam uma cozinha mais tradicional, quando o Cafeína abriu as portas foi uma pedrada no charco. “Atraía imensa gente de fora também. Tínhamos muitas pessoas que vinham de Braga e de Guimarães, por exemplo. O último serviço era à meia-noite. Havia gente a sentar-se para comer a essa hora, imagine”. Apesar de uma certa desconfiança inicial por parte da vizinhança – por trabalharem até tarde “e até mesmo por causa do nome, pensaram que ia ser um bar”, aponta Vasco –, a receptividade acabou por ser boa e a Foz acolheu o Cafeína como seu.

Os anos 2000 e uma entrada fresca e aromática

Sobre a mesa pousam um prato com delicadeza e procedem à sua apresentação: tártaro de tomate com sardinha fumada e molho de coentros. Uma entrada fresca e sazonal, com o peixe gordo e escorregadio a brilhar no centro. “Já nessa altura tínhamos um carpaccio, que era visto assim como uma coisa exótica, mas também tártaros e ceviches. Era uma novidade, hoje é mais comum, um aborrecimento”, diz, encolhendo os ombros e bebericando um branco fresco da casa, produzido no Douro, pelo próprio grupo. “As pessoas adoram estes pratos, não os posso retirar”, sintetiza. 

É por isso que o carpaccio de Maronesa DOP com lascas de queijo da Ilha, maionese de estragão e folhas frescas (13,80€) se mantém no menu, há vários anos, e é um dos pratos bandeira do espaço, ao lado da sopa folhada de lavagante, um bisque de lavagante com marisco (16,60€); das vieiras coradas com puré de couve flor, pastinaca, caril e emulsão de lemongrass (14,50€); ou do tártaro de atum com gaspacho de tomate e salicórnia (14,50€).

Um prato de peixe que ultrapassou a crise

Um filete de robalo assado, com a carne cozinhada no ponto, a soltar-se em lascas, e com uma pele crocante e estaladiça, chega acompanhado de um arroz carolino de algas e bivalves, com um intenso cheiro a mar (28,50€). Não é o único prato de peixe a sair da cozinha que faz boa figura. A corvina assada com gambas do Algarve, xerém de coentros e molho de espumante (24,60€) ou o salmão assado com arroz negro, espinafres e molho de ovas (22,80€) também enchem o olho e a barriga de quem por aqui reserva uma mesa ao almoço ou ao jantar. 

Robalo assado com arroz de algas e bivalves
©DRRobalo assado com arroz de algas e bivalves

No entanto, ainda está para vir um prato que faça tanto sucesso como um de bacalhau que salvou este restaurante fozeiro de um aperto financeiro. “A pandemia foi um momento radical, mas nem foi o mais complicado. A crise do subprime, em 2007, nos Estados Unidos, que chegou cá em 2010 foi pior. O que nos valeu foi o bacalhau à Dilma”, ri Vasco Mourão. Sabendo que a na altura presidente do Brasil iria aterrar no Porto, o Cafeína apressou-se em baptizar um prato com o seu nome. “No Brasil acharam imensa piada. A Folha de São Paulo publicou um artigo enorme sobre o assunto e, durante anos, tivemos imensos brasileiros que vinham cá de propósito para o provar. O bacalhau à Dilma resolveu-nos a crise”, graceja.

Uma pièce de résistance

O ponto alto da refeição chega a bordo de um carrinho que se instala no meio da sala. Às sextas-feiras ao almoço, em jeito de celebração dos 30 anos do espaço, o mítico bife Wellington (o Cafeína foi um dos primeiros sítios a servi-lo na cidade), é agora servido à fatia, num gesto de proximidade com o cliente, recuperando um serviço de sala mais clássico. A massa folhada tem um intenso sabor a manteiga, o naco do lombo está rosado e tenro (a faca desliza com elegância) e a flor de sal intensifica o gosto. Ao lado, o esparregado e as pequenas cebolas caramelizadas são o acompanhamento perfeito. Um prato intemporal e consistente, que nunca saiu do menu e percebe-se bem porquê.  

Hoje é preparado sob o olhar atento de Camilo Janã, chef executivo e director de operações do Grupo Cafeína, mas há 30 anos foi introduzido no menu pelo chef da Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, que preparou também toda a carta, de cariz mais clássico, ditando as linhas gastronómicas pelas quais este restaurante se regeria desde então. “No fundo, democratizamos o bife Wellington”, atira Vasco.

Durante esta temporada, o prato pode ser apreciado num menu executivo, com entrada ou sobremesa por 21€, ou, então, num menu mais completo, com direito a entrada, prato principal e sobremesa, por 24€. Ainda nas carnes, há lombinho de porco bísaro assado com puré de castanha, crumble de pancetta, couve, chutney de ameixa e ju (22,80€) e magret de pato laminado com arroz de forno, enchidos e cogumelos salteados (23,80€), para acompanhar com um tinto de 2007, também produzido no Douro, pela marca.

O icónico bife Wellington do Cafeína
©DRO icónico bife Wellington do Cafeína

Um futuro risonho e um crepe queimado

“Esta sobremesa tem uma história. É feita no Cafeína desde os anos 90. É uma receita do extinto hotel Aviz, em Lisboa, que era a grande referência da hotelaria de luxo na altura”, explica Vasco Mourão sobre o crepe queimado “O clássico do Cafeína”. Vem com uma massa finíssima e com um creme anglaise irrepreensível. “O creme inglês e os frutos vermelhos foram uma invenção nossa”, sorri.

Há outras possibilidades para terminar uma refeição no Cafeína. Da tarte frangipane de pêra confitada e amêndoa ao bolo de chocolate, da rabanada caramelizada à tarte tatin, ou até mesmo à sobremesa Simão e Teresa – um clássico Romeu e Julieta reinterpretado num bolo caramelizado de goiaba com queijo em texturas e um crocante de amêndoa –, que foi criada em parceria com a Livraria Lello, para a celebração dos 200 anos sobre o nascimento de Camilo Castelo Branco.

“Um dos segredos para o sucesso de um restaurante é a forma como as pessoas se sentem dentro dele: o ambiente, a comida, a temperatura, a música, a decoração. É preciso fazer com que as pessoas se identifiquem com o espaço”, remata o empresário. E nisto o Cafeína, com as mesas sempre bem compostas – como daquela vez que teve de recusar os Rolling Stones porque não tinha onde os sentar – parece fazer all in.

Rua do Padrão, 100. 22 610 8059. Ter-Qui 12.30-15.00; 19.30-22.30. sex-Sáb 12.30-15.30; 19.00-23.00. Dom 12.30-15.30; 19.00-22.00

+ Cidade do Porto mais próxima de Istambul, com reforço dos voos diários

+ Em ano de homenagem a Sérgio Godinho há 200 actividades para aproveitar na Feira do Livro do Porto

Últimas notícias
    Publicidade