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O mundo (des)encantado de Paula Rego em Serralves

Escrito por
Maria Monteiro
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Em Paula Rego: Colecção de Serralves cabe praticamente tudo. Desde as gravuras e os desenhos dos anos 60 e 70, décadas de exploração de diferentes técnicas e linguagens marcadas por um certo abstraccionismo aliado ao comentário político, às grandes telas a acrílico dos anos 80 e 90, altura em que as histórias, contos e efabulações assumem o protagonismo no trabalho da pintora, vincando o carácter figurativo e narrativo que a distinguiu.

Depois de, em 2004, ter acolhido uma grande exposição de Paula Rego (n. 1935, Lisboa) focada na obra produzida a partir de 1996, a Fundação de Serralves volta a exibir o trabalho desta figura cimeira da arte contemporânea portuguesa, que irá ocupar parte do museu a partir de quinta 24 e até 8 de Março de 2020. Desta vez, o ponto de partida é o conjunto de obras da pintora em depósito no museu, mostradas agora ao público a propósito dos 30 anos da fundação. “A Paula Rego é uma figura presente na nossa programação e colecção desde o início”, nota Marta Almeida, directora-adjunta do Museu de Serralves.

A exposição monográfica, assinala a também curadora, segue a linha de programação iniciada no ano passado com o regresso da obra de Ana Vieira (1940-2016) à Casa de Serralves, 20 anos depois da retrospectiva ali realizada. “Temos vindo a estudar e a criar núcleos da colecção em torno de cada artista [nela presente].” O mesmo acontece com a pintura de Paula Rego, representada nas suas várias fases. As duas peças mais antigas são “da Secretaria de Estado da Cultura, de 1975 e 1976, ainda à volta das colagens”, desvenda Marta Almeida.

Já os anos 1980 são uma janela para o perverso imaginário das histórias onde figuram mulheres corpulentas e ferozes, em nada delicadas e submissas – “porque mesmo as mulheres mais delicadas mordem, e a maior parte não são delicadas”, diz Paula Rego à Time Out, numa (muito) breve entrevista por e-mail. Também há crianças matreiras e cruéis, em nada condizentes com a inocência supostamente própria da idade. Quatro meninas a brincar com um cão (1987), gravura a água-forte e água-tinta, ilustra a forma abusiva como as crianças se relacionam com o animal, criando nele uma expressão de desconforto.

Possession
© Paula Rego

Também a série Vivian Girls (1984), inspirada no livro Os domínios do irreal, do americano Henry Darger, está representada numa “peça adquirida para uma das primeiras exposições feitas na Casa de Serralves”. Apesar de baseada nos contos sobre sete princesas escravizadas e torturadas por soldados, é, como habitual em Paulo Rego, uma reinterpretação. “Eu não tento ilustrar as histórias. Aproprio-me delas e uso-as para criar uma nova”, afirma a artista, para quem esta exposição é “muito importante”, mesmo não sendo “tão completa como a de 2004”.

A imersão na literatura e no folclore tradicional, cujas personagens e narrativas são desmontadas, distorcidas e reinventadas, ganha raízes na década de 90, período em que aparecem as grandes séries inspiradas em obras como O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz (veja-se A Cela, abaixo), ou A Metamorfose, de Franz Kafka. Ao mesmo tempo, o realismo e despudor com que trata a condição e sexualidade femininas solidificam-se e marcam os últimos 20 anos de criação.

Possessão (2004) é a “peça de maior destaque, pelo tamanho e pela importância que tem na colecção”, diz Marta Almeida. O painel de sete telas em pastel, criado para a exposição em Serralves de há 15 anos, é uma obra política “com a figuração que hoje conhecemos”. Paula Rego trabalha o movimento do corpo para tratar a histeria feminina e percorrer as suas várias expressões, da convulsão à tomada de consciência.

“A mulher é sempre a figura central [do universo de Paula Rego], seja a contar uma história ou a reivindicar alguma coisa”, sublinha a curadora. De uma forma ou de outra, ela está lá: surge de “uma receita entre ficção e realidade”, mas nunca sacrificando a verdade e crueza da arte.

De 24 Out a 8 Mar. Seg-Sex 10.00-18.00, Sáb-Dom 10.00-19.00. 12€.

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