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Os Negros: Triturador de ilusões

Escrito por
Miguel Branco
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Os Negros, de Genet, estrearam na semana passada no São Luiz pela mão de Rogério de Carvalho para o Teatro Griot. Falámos com o encenador.

Bicho mau. Lá fora bicho mau, como um papão que assume o poder, que precipita o som de balas disparadas, a vegetação a ser atropelada por tanques, África a debater-se por liberdade, África a debater-se por um novo domínio. 

Afinal, como já alguém havia dito: lá fora está-se pior. Por outro lado, cá dentro, um grupo de escravos negros entretém a sua corte branca a troco de surdez. Eis Os Negros, de Jean Genet, que chega esta quinta-feira ao São Luiz, em mais uma colaboração do encenador Rogério de Carvalho com o Teatro Griot. Por lá fica até dia 15. 

Depois de Faz Escuro nos Olhos (2013) e de As Confissões Verdadeiras de um Terrorista Albino (2014), Rogério de Carvalho regressa ao Griot, numa relação profícua que resume a escolha do texto: “Pareceu-me interessante que o Teatro Griot, enquanto estrutura com um processo programático, fizesse esta peça. É um conjunto que tem um questionamento sobre esta realidade, todo o elenco é composto por pessoas de cor, achei que fazia sentido”, explica. 

E que sentido. Esta é a quarta vez que o angolano leva a palco a obra mítica de Jean Genet. A primeira foi ainda antes do 25 de Abril, a última no Teatro Nacional São João, no Porto, em 2006. Contudo, o encenador garante que não existe aqui um fascínio particular: “Todas as versões foram feitas à sua maneira, no seu tempo. Quando encontramos um autor este cria-nos uma espécie de soluções que vamos dominando, que nos torna mais próximos do mesmo, só isso”. 

A proximidade é, também, uma alínea a ter em conta nesta peça. A peça dentro da peça, claro, que nos obriga a tirar as costas do assento, a perceber o que importa. “Sim, é um pouco o teatro dentro do teatro, é um pouco a desmontagem. E o interessante é que se o texto fosse outro criava-se a ilusão e ia até ao fim. Aqui não, cria-se a ilusão e a meio tira-se a realidade, então sobram duas cadeiras em vez de um caixão”, esclarece. 

E sobram mesmo. Às tantas, no lugar da velhota branca, que os negros matam sempre que fazem o espectáculo, estão duas cadeiras e um pano branco onde devia estar um caixão. A corte tira as máscaras e deixa de ser branca. É que o teatro tem que seguir, sabe como é, lá fora o colonizado bate o pé ao colonizador, lá fora a revolução está a ganhar terreno, a meter gente na forca. Se assim é a peça terá também que descambar. 

E um actor, no meio desta promiscuidade, como fica? “Quando o actor mergulha tem que saber desmergulhar. O mais importante é o que se passa lá fora, o que se passa dentro do palco é para divertir. Por vezes até a realidade do palco parece fragilizar-se, mas não, pelo contrário, aquilo é uma máquina para triturar, para não se ouvir nada”, conclui. Está visto que se é para triturar é com um ouvido junto à porta.

Os Negros. Teatro São Luiz. Até 15 de Outubro. 

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