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The Blue Room. A nova escola de surf by Frederico Morais

Escrito por
Maria Ramos Silva
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É literalmente ouro sobre azul para Kikas, o bom da fita numa história feita de ondas. The Blue Room, a nova escola de surf by Frederico Morais, abre hoje portas em São João do Estoril. As aulas arrancam a 1 de Julho. Pouco depois disso, é ele quem arranca para a África do Sul, onde a partir de dia 12 se disputa mais uma etapa do WCT. Se quiser, apareça neste espaço (que é muito mais do que uma escola) e sente-se frente à TV. Vai estar sintonizada no circuito dos melhores do mundo.

Fomentar hábitos saudáveis, o feeling da partilha, desenvolver a parte espiritual e transmitir bons valores. É o lema que defendes para a The Blue Room. É mais fácil detectar uma boa pessoa ou um bom surfista?

Essa é boa. Talvez uma boa pessoa. Um bom surfista é capaz de ser um pouco mais difícil. Hoje em dia, podemos achar que um miúdo com 10 anos não tem muito talento e chega aos 14 anos e dá um salto gigante e fica um surfista inacreditável. Há coisas que não controlamos. Se conseguirmos definir o carácter de uma pessoa ou pelo menos transmitir-lhe valores que consideramos bons, acho que fica mais fácil influenciar nesse caminho.

Que valores destacas para quem anda neste meio?

O que mais destaco são os valores familiares. É isso que quero dar aqui. É um ambiente acolhedor, estamos aqui todos. Foi o que sempre me foi passado; e é o que passo às pessoas com quem trabalho.

Não é necessariamente um espaço que prometa fabricar campeões.

Claro. O mais importante é sair da água com um sorriso na cara, seja a seguir a um heat ou depois de uma surfada com os amigos. Neste momento é isso que procuramos, esse sorriso correspondente a uma surfada com os amigos.

@João Maria Catarino

És seguido por imensos miúdos. Que te costumam dizer?

Perguntam muitas vezes como podem aprender a surfar melhor, como podem evoluir, como se faz esta ou aquela manobra. São tudo perguntas difíceis, mais legítimas, claro. Tudo demora muito tempo. Para se chegar onde cheguei há muito trabalho para fazer. Mas mais do que isso tudo, é a sensação de diversão ao final do dia. É isso que quero transmitir. Estarmos felizes com o que estamos a fazer.

De Blue Room para blue mood. O que mais te pode desmotivar?

Diria que aqui... temos uma costa e praias lindíssimas, ondas óptimas. Só o que pode desmotivar um bocadinho é o frio, mas se gostares mesmo, dás a volta a isso.

Este ecrã de televisão aqui atrás de nós vai passar surf?

Vai passar tudo, mas surf principalmente, sim. Essa foi outra ideia. Quando os meus campeonatos estiverem on, seja a que hora for, a escola vai estar aberta e podem vir para aqui ver o meu heat. Se não quiserem estar sozinhos, se estiverem aqui perto, passem cá.

A ideia nasceu de três amigos: Frederico, João Murjal (ao seu lado, ligado à parte de remodelação) e o ausente José Celestino da Costa, com a pasta da gestão.

Tens noção de que a maior parte das vezes vais estar dentro do ecrã e não aqui?

Pois... não sei de todo o tempo que vou estar aqui. Por isso quis fazer isto com o João (Murjal) e com o José (Celestino da Costa), dois dos meus melhores amigos, pessoas em quem confio plenamente. Sei que não estou em pessoa mas estão eles por mim. Vai ser incrível.

Só uma pausa para perguntar ao João, aqui ao nosso lado, o que distingue esta escola entre dezenas e dezenas.

Acho que há muitas escolas, e muitas que funcionam bem. A grande mais-valia foi esta loja que oferece uma segurança que outras escolas não podem oferecer. Imagine que um pai sai de Lisboa e se atrasa no trânsito para vir buscar o filho. Ele pode ficar aqui em vez de esperar na praia. Vamos ter matrecos, a televisão. Vai estar aberta das 09.00 às 19.00 na maior parte dos dias.

Kikas, fazendo de advogado do diabo: o conceito de escola de surf não vai contra as principais convicções de um surfista?

Acho que não.

Admite: não detestas que as escolas te incomodem dentro de água?

(risos) Isso depende da boa vontade de cada um. Se estiver muita gente num sítio afastamo-nos da escola para não incomodar quem surfa há mais tempo. Aliás, eu surfo todos os dias e nunca tive um problema com uma escola de surf. Nada. Nunca tive uma chatice dentro de água. E surfo duas ou três vezes por dia.

Não passaste por uma escola.

Não passei porque na minha altura não havia nada disto. O meu pai, que jogava rugby, é que me ensinou a fazer surf. Quando me dizem que o surf não pode ser ensinado assim... e o meu pai nunca entrou dentro de água para me ensinar a por um pé num prancha. A verdade é que me ensinou. Acho que também vamos ensinar bem, com bons valores e boa técnica.

Como foram esse primeiros passos?

Comecei numa prancha de bodyboard. Quer dizer, não foi bem surf... foi a pôr-me em pé numa prancha. Foi em Vilamoura numas férias com os meus pais. Voltámos para Cascais e pedi um prancha de surf ao meu pai, ele arranjou-me e eu fui com a minha mãe ao Guincho surfar. Lá me pus em pé. A partir daí fui surfando. Não tinha força para remar e o meu pai comprou-me um fato e uns pés de pato e levava-me a nadar até lá fora, empurrava-me nas ondas, vinha-me buscar à areia. Fazia isso todos os dias depois do trabalho. Divertíamo-nos dentro de água. Lembro-me perfeitamente. Adorei esses tempos.

A parede vai encher-se de polaroids, para fixar memórias dos alunos
@João Maria Catarino

Rugby, nunca ponderaste?

Sempre adorei rugby. Houve uma altura em que gostava muito de ter jogado mas há muito contacto, podes magoar-te facilmente, e a minha paixão era mesmo o surf. Continua a ser. Felizmente fiz esta escolha.

Primeira mazela dentro de água?

Foi aos 14 anos, em Pipeline (Havai). Fui sugado por uma onda e bati no fundo das pedras. Levei 14 pontos na cabeça e 14 pontos nas costas.

E pensaste...

Eu saí da água, o mar estava grande, o meu pai estava a filmar-me. Ele é fisioterapeuta, percebe disto, eu estava cheio de sangue. "Isso é um ponto, não te preocupes", disse-me ele. Fomos ao hospital. Quando me começaram a coser é que me apercebi da gravidade da situação. Ele não me quis preocupar ou fazer que eu entrasse em pânico. Foi tranquilo. Ainda tinha mais duas semanas de férias no Havai. Fiquei a ver surfar, aprender na praia.

Ainda aprendes muito vendo os outros?

Sem dúvida alguma. É como em tudo.

Nunca te sentiste esmagado? Aquela sensação de "bolas, nunca vou conseguir fazer aquilo..."

Não sei, tens duas formas de olhar. Vês como forma de superação, de querer lá chegar, de fazer melhor; ou então sentes-te triste por achares que nunca lá vais chegar. Cabe-nos a nós dar a volta a isso. Se calhar olho para o Ronaldo a jogar e depois vou ali ao quintal de casa tentar fazer uma finta e tropeço. Mas pronto, só me dá mais força para tentar ser melhor. Olhas para os surfistas que mais gostas e podes tentar imitar, mas se não fizeres igual a eles só tens que arranjar a tua maneira de fazer, e isso é o mais importante; é encontrar a solução. É não deixar que os problemas nos esmaguem. Quero que um miúdo olhe para mim, agarre nessa inspiração e faça algo para que tem talento.

Inspiração e transpiração, mesmo que não vá surfar.

Isso mesmo.

Naqueles 20 minutos de prova, o que vai na cabeça do Kikas?

(risos) Nos campeonatos é difícil.

Pergunto porque nas surfadas com amigos será diferente.

Ah, claro, aí não há preocupação nenhuma. Nos 20 minutos tens uma estratégia. Antes do heat tens um plano A e B delineados. Tudo depende um bocado de como está o mar, da regularidade, se demora a vir ondas, da prancha, do tipo de julgamento que há. Envolve um grande planeamento de que muitas vezes as pessoas não se apercebem. A pessoa não vai simplesmente para dentro de água surfar.

Tens a sensação de que há muita gente que continua a pensar "Ah, até eu fazia aquilo".

Isso são os treinadores de bancada, mas todos somos. "Como é que ele cai ali?" Também me acontece pensar nisso. É da natureza humana e não tem mal nenhum.

Falaste do Ronaldo. As tuas referências são do surf ou vão além disso?

As minhas duas grandes são o meu tio, Tomás Morais, e o meu pai, Nuno Morais. São a inspiração. Criaram-me, basicamente, como pessoa e desportista. E o resto da família, claro. Depois sou um fã gigante do Cristiano Ronaldo, sim.

Já se cruzaram?

Não, nunca o conheci, mas gostava. Acho que é um atleta brilhante. Não tens um dedo a apontar.

Safava-se em cima de uma prancha?

Não sei, é um desafio que lhe podemos lançar (risos). É uma pessoa habilidosa. Acho que toda a gente se safa numa prancha de surf.

Posso garantir-te que não.

(risos) Acho que toda a gente se consegue divertir. Isso sim. Sair da água com um sorriso na cara, vá. Depois do Ronaldo, no meio do surf, tenho o Mick Fanning. Admiro-o muito por tudo o que fez pelo desporto, pelos objectivos que atingiu, pelo que deu ao surf.

Pela capacidade de se desembaraçar de tubarões.

Também (risos), mas disso não fico muito orgulhoso porque não é uma coisa muito boa. Felizmente saiu ileso.

Os surfistas não largam os auscultadores. Fala-me de uma boa banda sonora para aquele tempo de espera entre heats.

Gosto muito de música e adoro os The XX. Todos nós os ouvimos junto à Torre de Belém em 2013. Foi dos melhores que tive. É daqueles momentos marcantes que queremos criar aqui. É isso que fica.

Mas é isso que ouves em loop antes de todas as provas?

Não, é a banda que mais gosto e que ouço muito, mas isso depois depende das etapas. Faço a minha playlist.

Como escolhes? Por exemplo, o que vai contigo para a próxima paragem, África do Sul?

Sei lá, vou no avião a ouvir e dependendo do mood lá escolho. Tenho um dia de viagem para escolher as músicas que me vão ajudar a relaxar e a encarar o campeonato da melhor forma.

@João Maria Catarino

Num mundo cada vez mais próximo do das estrelas rock, ainda passas despercebido?

Sim, cá olham e reconhecem, mas em Portugal somos muito respeitadores. Apontam, pedem para tirar uma foto, mas sempre com um carinho especial. Não me chateia. É um óptimo sinal.

E lá fora?

É tranquilo, mas no Brasil foi complicado. Havia muita, muita gente a pedir fotos, a querer tocar. Fiquei surpreendido e contente. Não esperava aquele mediatismo.

Um fenómeno generalizado ou por falares português?

De forma geral, vivem aquilo com muita paixão. E falando a mesmo língua, ajuda muito. Deixou-me muito contente sentir aquele apoio. São óptimos fãs.

Que te perguntam sobre Portugal no circuito?

Acho que já toda a gente conhece e adora Portugal. A costa, as ondas, Lisboa, Cascais, Peniche, Ericeira; dizem que a comida é óptima e as pessoas simpatiquíssimas. 

Calculo que não te vás preparar... na tua escola. Como costuma ser?

Mas posso preparar-me, por exemplo, onde a escola estiver, até posso assistir a uma aula. Depende muito das ondas. Fazemos a linha e a Costa mas se estiver melhor na Ericeira é para lá que vou. Não temos ali um relvado ou campo de ténis, andamos sempre à procura do melhor.

Última lição do professor Kikas?

Respeitarem-se uns aos outros, fazerem amigos e criarem memórias.

Falas muito da memória. Há uma descolagem entre o momento em que fazes algo e a foto respectiva. Que peso dás a cada um desses momentos?

É isso. Daí termos ido comprar uma polaroid para ir tirando fotos aos miúdos e deixar ali naquela parede. Queremos criar uma parede de memórias. Passas ali e vês um miúdo a sorrir.

Podem nem estar dentro de água.

Claro, na escola, no carro, na areia. Onde for. Vivo muito disso e é isso que quero deixar. Não é fácil mas é um objectivo. Daqui a uns anos alguém se lembrar que teve uma aula inacreditável aqui. 

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