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Vodafone Mexefest: quem faz running por gosto

Escrito por
Miguel Branco
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Não se cansa e tem o prazer de ter visto IAMDDB, Oddisee e Allen Halloween. Dois dias de boa música e sobe-e-desce na Avenida da Liberdade. O Vodafone Mexefest cresce a cada edição.

Até no Vodafone Mexefest se faz running. Lá vai um colete fluorescente a descer a Avenida. E depois há aqueles que sem colete, vestidos com o estilo-festival, fazem running menos declarado. É certo que não os vemos de relógio conta quilómetros, mas que fique claro: isto de correr para ainda ver um bocado do concerto x antes de ir para o concerto y é claramente running. Como é o rock dos Kilimanjaro, mas este já sem cagança, já sem intenção de passar a ponte com o dorsal a rigor.

Belo arranque da turma de Barcelos, nos bastidores do Capitólio, se for sempre assim, vai muito bem. Siga a dança.  IAMDDB apresentou-se em Lisboa, terra que não via desde os seus 5 anos – ainda que Diana de Brito seja uma britânica de Manchester tem muito de Portugal, onde nasceu, tal como tem muito de Angola, onde também viveu. Depressa a coisa arranca, e ainda que as paragens sejam entusiasmantes, com um português perfeito, é bem melhor quando canta. O groove (permitam-nos: o swag), aliado a uma voz tanto doce quanto gangster, quanto soul. Boas novas para a música portuguesa. Ainda que, admitamos, isto soe profundamente a Inglaterra, a Clash no bar. 

Arlindo Camacho

Às tantas já não se entende tanta conversa, ou faltam músicas ou a felicidade é incontrolável, o prazer de ser acarinhada por um país onde talvez não esperasse ter tantos fãs torna os intervalos dos temas um sacrilégio. À segunda vez que atira “está alguém a fumar e eu quero fumar”, a coisa pega. E nem fuma na presença de quem lhe ofereceu o charro. É triste. Mas pronto, a malta é amiga, a malta perdoa. Sobretudo em “Dripcity”, momento calmo, quase solene, um solene com estilo. Segue “Shade” e casa veio abaixo. “Trophy”, inegavelmente uma das melhores canções de IAMDDB, feminismo em riste, é uma bela, amorosa, canção. Queríamos “More”, mas foi mesmo a última. 

Se é para ficar em algum lado, neste festival que é um toca-e-foge, é no Capitólio, o hip-hop/r&b de Oddisee é coisa fresca, é coisa boa, num festival que nem parece de Inverno: o kispo é peso desnecessário. Não vamos mentir, aquele azedo que fica de Oddisee não ter trazido a sua banca vai cá estar sempre, mas cumpre a sua tarefa, está-se bem no Vodafone Mexefest. 

O nosso perdão, que isto até agora, de r&b teve pouco, o à-vontade com que se mostra em palco, o flow intocável, a competir com Speedy González, tem selo de artista. É artista para estar no Coliseu a fazer tremer o chão. Do melhor que já passouvpor aqui, seguramente.

Destroyer chega na melhor altura, continuamos na boa música, em plena lição de senhor, com banda à altura. Teclados e sopros à fartazana. Acabou de editar ken, mais um documento de acalmia, de melancolia, que aqui se efectiva com a quantidade certa de distorção. Maravilha. Queríamos o Coliseu mais cheio e o som mais no ponto, mas é a vida, não é razão para chorar.

Largamos o Coliseu em direcção à Estação do Rossio, tela com Lisboa a servir de paisagem, lugar ideal para receber as saudáveis Hinds, banda madrilena que sempre contagia quem têm à frente, gritos que se sobrepõem aos arranjos indie, saídos da garagem. Uma atitude juvenil e pseudo-rebelde, que a malta mais velha que aqui está – e ainda são bastantes – acha um piadão. As moças estão prestes a editar segundo disco, segundo disseram. Cá estaremos para ouvir. Mas agora já é tarde, as pernas já cansam, e ainda há mais um dia.

Primeira máxima para o segundo dia: não fingir que as pernas doem. Segunda: Conjunto Corona. Viesse a terceira e voltaríamos a dizer: Conjunto Corona. A turma de Gaia chega ao interior do Capitólio (o concerto era para ter acontecido nos Bastidores mas a chuva é assim) com o sarcasmo habitual, com os vivas habituais a Gondomar, entre uma espécie de apoio de claque de futebol ou de sede de campanha. Não interessa, Valentim Loureiro que decida. 

“Fruta da Ilha” vem em boa altura, a projectar aquele ambiente sinistro e caricato que sempre aconteceu nos seus concertos após terem editado “Cimo de Vila Velvet Cantina”, terceiro disco, onde Corona se instala num bordel com tudo o que isso tem pornográfico. dB e Logos, sempre acompanhados de Kron Silva e do Homem do Robe, são rap de humor negro e de tremenda qualidade. A prová-lo vem “Chino no Olho”, almanaque-referencial da música portuguesa, “Ratos do Porão e Xutos é chino no olho/ Ornatos Violeta meu rapaz chino no olho / Paião, Variações, direito a chino no olho / Rui Reininho – quê quê – chino no olho.”.

Em seguida, dB anuncia um momento importante: a entrega gratuita de shots de hidromel, bebida-mascote do Corona. E que a partir de agora tem um patrocinador sério. Notícia do ano. E continuamos pelos becos e recantos do Porto, “Mafiando
bairro andentro”, bem sabemos que o Vodafone Mexefest promove uma avenida mas também é uma avenida livre, que nãolevará a mal que optemos pelos caminho do bairro, mais humilde, mais malandro.

Malandros fomos nós, a fazer pouco do running que agora temos de aplicar para chegar a tempo de dançar que nem um réptil ao som da electrónica roqueira de Iguana Garcia. Há sempre aquele gostinho em apoiar a música nacional, fica-nos bem e é bom de dançar. E como é bom rastejar neste chão de parque de estacionamento. “Vapor”, terceiro disco de Cabaret Aleatório, disco de estreia de Iguana Garcia, é um baile lunático e estranho, daqueles que nem sequer temos tempo para questionar, as nossas pernas já nos traíram, já estamos a dar tudo.

Tudo composto por um excelente exagero de teclas e sintetizadores. Mais vozes mecânicas, quase robóticas. “68kf”, single de avanço para o último disco, que contém a tão bela frase “eu já pensei em deixar de ser feliz para ser normal” vai ficar connosco até ao final do festival. Concluída com um solo de improviso de guitarra. Ficamos por aqui, que o frio pede ida à praia. Pelo caminho ouvimos indecisões: “Mahalia é bué mau, vocês não têm gosto musical”. 

Tempo de estender a toalha, estamos perante um novo conceito, o baile-punk de Vaiapraia e As Rainhas do Baile arruma com qualquer competidor brasileiro. De cabelo verde e glitters na cara, Rodrigo Soromenho Marques, fala-nos de esparguete na panela, de um quotidiano adverso, curioso, vencedor. “Vão onde querem ir, não vão onde não querem ir”. Outros dos projectos de grande valor que a música portuguesa viu nos últimos anos.

Que ninguém nos leve a mal, mas guardámos, na nossa agenda já sonolenta, já a querer cama, o melhor para o fim. A Bruxa vai bem em qualquer altura do ano. Allen Halloween é o responsável pelo último concerto do Capitólio na edição 2017 do Vodafone Mexefest. E é, como já se esperava, uma maravilha, é bairro, é autoajuda (daquela que não se compra em livros, oiça “SOS Mundo” só para clarificar), é do melhor rap alguma vez feito em Portugal.

Traz os amigos e a promessa de alguns temas do disco Unplugueto, que já há algum tempo prepara, e que mais não é um que uma abordagem acústica a alguns dos seus trabalhos mais lendários. Assim é, com três canções e a certeza que o acústico que o rap oferece continua a ser do bairro, continua a ser obscuro. Aproveitamos a deixa, e embalados pel’A Bruxa, fechamos aqui a nossa maratona. A vida é dura, para quem é mole. E nós estamos demasiado moles para ainda ir pregar para outras freguesias. Até para o ano.

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