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Kings of Convenience
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Kings of Convenience: “Na vida real, é raro termos paz e amor. Ou tens uma ou outra”

Os Kings of Convenience tocam quarta-feira, 19, no Cooljazz Cascais. Falámos com um destes reis, Eirik Glambek Bøe, sobre ‘Peace Or Love’. Mas também sobre paz e amor.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Há frases, perguntas e confissões que desbloqueiam conversas; que fazem uma entrevista –que até aí ameaçava nunca passar de um pró-forma – florir e fluir com charme e honestidade. Acontece frequentemente. Aconteceu há umas semanas, quando ligámos a Eirik Glambek Bøe, metade dos Kings of Convenience – que esta quarta-feira, 19, dão o pontapé de saída para a segunda volta do Cooljazz Cascais deste ano, depois de um concerto isolado, a 8 de Julho, e de uma semana e meia sem actividade festivaleira no Hipódromo Manuel Possolo. A conversa estava chata, até que se perguntou sobre o título do mais recente disco, Peace Or Love; sobre a sensação de dor de corno e coração partido que o atravessa; e ambos, entrevistador e entrevistado, se expuseram um bocado. Segue-se o resumo genuíno dessa meia-hora passada ao telefone, muito ocasionalmente a falar sobre música, mas sobretudo sobre as vidas que a inspiram.

Os Kings of Convenience lançaram três álbuns no início do século, entre 2001 e 2009, mas depois ficaram mais de uma década sem editar material novo. O que se passou?
Estivemos muito tempo a tocar, a levar a nossa música a toda a gente que nos queria ouvir, na América do Sul, na Ásia e na Austrália, além da Europa e dos Estados Unidos, claro. Isso levou quase cinco anos. Só então é que começámos a pensar em fazer um disco novo, e isso ocupou-nos outros cinco anos.

O que demorou tanto desta vez? Nunca tinham levado tanto tempo a fazer um álbum.
Porque somos cada vez mais… não diria perfeccionistas, no entanto o tipo de música que fazemos não nos permite cometer muitos erros. Fazemos canções simples, só com um par de guitarras e duas vozes. É difícil fazer que tudo soe bem, como queremos. Tivemos que gravá-lo cinco vezes para ficarmos contentes com o resultado. Passámos cinco anos nisto.

Espera: gravaram as mesmas canções cinco vezes?
Sim, a maior parte. O álbum foi gravado pelo menos cinco vezes. Até estarmos felizes com o que tínhamos em mãos. Depois também houve a pandemia, que atrasou tudo, mas permitiu-nos passar mais tempo a misturar as faixas. E aí sim, somos muito perfeccionistas quando é a altura das misturas.

Dizes que a pandemia atrasou tudo, mas já tinham o disco gravado quando eclodiu?
Sim, tínhamos mesmo acabado de gravar. Tivemos sorte, porque depois o Erlend [Øye, o outro King of Convenience] ficou seis meses preso no México.

Eish…
Não foi tão mau como parece. Estava num hotel incrível, com a namorada. Também tinha lá amigos e acesso a um estúdio, por isso aproveitou para gravar um disco [Quarantine at El Ganzo, de 2020]. Não se pode queixar muito.

O disco foi editado em 2021 e já o estão a apresentar ao vivo há algum tempo. Como foi o reencontro com o público? E como estão as pessoas a reagir aos novos temas?
Está a ser muito especial. Sentimos uma grande generosidade e gratidão da parte dos nossos fãs. Sentimo-nos amados. Não sei se todos os artistas sentem o mesmo, e é claro que não é um amor pessoal e romântico, mas é amor à mesma. Um amor diferente. Toda a gente devia ter a experiência de estar em palco e ver os rostos das pessoas na plateia. Estou a cantar sobre a minha vida e elas olham para mim como se fosse um velho amigo. Como se estivesse a falar para elas.

É normal as pessoas estabelecerem esse tipo de relações parassociais com os artistas e outras figuras públicas. Por falar nisso, que título é aquele: Peace or Love?
[Risos] É normal falar em paz e amor. São duas palavras que usámos tantas vezes juntas que, na nossa cabeça, já são quase uma só. Contudo, na vida real, é raro ter as duas ao mesmo tempo. Ou tens paz ou amor.

Achas?
Falo por experiência própria. É o que acontece quase sempre. Ou tens paz ou amor, nunca ambos.

Curioso. Eu só consigo sentir-me em paz comigo quando tenho amor.
Talvez ao início… Mas numa relação mais longa, é raro a paixão coexistir com a harmonia. Pelo menos é o que tem acontecido comigo. Todavia, não quero ser demasiado taxativo. Posso ter tido azar. Em última análise, não passa de um jogo de palavras – apesar de carregar o peso da verdade.

Os poemas parecem inspirados pelo fim de uma relação. Calculo que tenha sido tua.
Sim. Divorciei-me quando o estávamos a gravar. Pode dizer-se que é o disco da separação.

Como estás a lidar com isso? Não é difícil terminar uma relação durante a pandemia.
Tem sido uma fase muito complicada da minha vida. Mas cantar estas canções ajudou-me a aguentar e, talvez, a ultrapassar este capítulo da minha vida. Sou muito privilegiado por poder lidar com aquilo que estou a sentir, com os meus medos e problemas pessoais, no decorrer do meu trabalho, na minha arte, e partilhar o que me vai na alma com as pessoas. Até porque muitas delas estarão a passar pelo mesmo. Não somos assim tão diferentes.

Passaste quantos anos com a tua ex?
Vinte e um.

Nem imagino o que isso seja, apesar de ter vivido uma situação parecida. Daí estar a insistir na questão da paz e/ou amor. Terminei há já algum tempo uma relação de 11 anos, e ainda não voltei a sentir-me em paz comigo.
Sei bem o que isso é. Tens a minha solidariedade. Também não é fácil para mim sentir essa paz de que falas quando não tenho amor na vida.

Daí as minhas perguntas.
Bem me pareceu que estavas a falar por experiência própria.

Estava [risos].
A recuperação é um processo moroso.

E achas que não sei?
Mas acredito mesmo que podemos ter só uma das coisas, o amor ou a paz. Acho que está ao alcance de todos nós. O difícil é ter ambos em simultâneo durante muito tempo. Se calhar estamos a pedir demasiado.

Percebo, mas não sei se concordo. Porque não é fácil aceitar, fazer as pazes com a solidão. E quando estás em guerra contigo é difícil deixar o amor entrar na tua vida.
Depois do fim de uma relação precisamos de um tempo para sarar. De lamber as feridas.

Mas mesmo depois de saradas, continuamos a sentir as cicatrizes, uma comichão.
Claro que sim. E há sempre o risco de entrarmos numa relação nova. De deixarmos alguém novo entrar na nossa vida e passado um tempo voltarmos a passar pelo mesmo – sabendo à partida o quanto vai custar. Pensamos, “será que vale a pena”?

É isso. Fica difícil um gajo atirar-se de cabeça.
Mas é lindo quando isso acontece, não é? Quando nos lançamos.

Hipódromo Manuel Possolo (Cascais). Qua 20.00. 30€-45€

Continuamos à conversa

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