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Pedro da Linha
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Pedro da Linha: “Estou a tentar acrescentar algo à música popular”

Pedro da Linha é um dos mais relevantes produtores e autores do momento em Portugal. Falámos sobre o EP ‘Rua Rosa, 24’ e os projectos que tem na calha.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Pedro Maurício já respondeu por muitos nomes. Quando a Enchufada partilhou a sua primeira mixtape, em 2012, era King Kong. Um ano mais tarde, no cartaz de uma das muitas Hard Ass Sessions do Lux em que tocou, mantinha-se o nome, porém mudava a grafia: Kking Kong. “Mas depois tive alguns problemas com o nome, principalmente legais. E tive que mudar para PEDRO”, detalha. É assim que, na viragem de 2017 para 2018, passamos a conhecê-lo. O novo nom de piste já surge na capa do EP Damaia 2.0 e no poster da primeira noite Na Surra do B.Leza, mais uma vez com a chancela da Enchufada. Continua a usá-lo em 2020, quando lança o primeiro registo de longa duração através da editora de sempre, exactamente no momento em que a covid-19 fecha o país. Quando passado um ano falamos com o cúmplice Pedro Mafama sobre o álbum Por Este Rio Abaixo, porém, percebemos que ganhou um novo apelido: “agora é Pedro da Linha”.

Desde então, nunca mais deixámos de ouvir falar nele. À produção do celebrado álbum de estreia do seu homónimo seguiu-se a construção – com a ajuda de Conan Osiris, Mafama e Ana Moura – da arrojada Casa Guilhermina (2022) da fadista, e este ano produziu DECLIVE, o primeiro de EU.CLIDES; Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente, de Pedro Mafama; e ainda lançou o primeiro EP em três anos, Rua Rosa, 24. Na calha, tem um EP colaborativo com o espanhol Merca Bae – “um daqueles geniozinhos da electrónica”, descreve Pedro; um singular produtor que convida dancehall, reggaeton, techno e bass music para uma orgia suada, garantimos nós – e mais umas faixas que podem dar outro EP – “estou agora a limá-las. É o mais bonito e o mais chato ao mesmo tempo”.

É ele quem conta isto tudo, em primeira mão, quando nos encontramos no final de Julho. Estamos a comer uma das melhores sandes de leitão que se servem abaixo do Mondego n’A Nova Pombalina, instituição de comida rápida e honesta numa Baixa onde sobrevivem poucos sítios destes; que por acaso é o negócio do pai e do tio, e que um dia Pedro não se importava de herdar. É claro que não são só as sandochas que nos trazem aqui. O objectivo é fazer o balanço de um semestre muito preenchido e da maneira como as suas produções e interesses musicais mudaram nos últimos anos, mas também falar das próximas noites em que vai estar a trabalhar – sexta-feira, 4, no Musicbox (Lisboa), com Banu; quinta-feira, 10, no Bliss, em Vilamoura; e dia 13 em Madrid – e perceber o que nos guarda o futuro.

A nova música portuguesa que passou os últimos três anos a produzir é diferente da bass music globalizada do álbum Da Linha, ou daquela em que trabalhou com Branko, Dino D'Santiago, Fred Ferreira, ProfJam e outros figurões. Se dantes eram óbvias as influências das músicas de matriz africana que cresceu a ouvir na Damaia – muita kizomba e kuduro – e dos ritmos de todo o mundo que chegaram aos seus ouvidos pela internet, no EP deste ano ouvimos outras coisas. Agora sentimos a música popular do Portugal profundo a ser arrastada a bem ou a mal para dentro de um club lisboeta; ouvimos o “Malhão” lá ao fundo em loop, como alguém escreveu um dia e Pedro evoca durante o almoço; escutamos algo que é nosso, que nos está no sangue, a ser moldado pela electrónica e pelo mundo. É aquilo a que Pedro Azevedo, programador do Musicbox, chama “clubbing rural”, e que quem não resiste a uma boa polémica insiste em apelidar de pós-pimba.

Pedro, diga-se de passagem, não gosta deste termo. “Acho que falta ainda acontecer muita coisa para haver uma fase pós-pimba”, diz, repetindo a ideia em mais do que uma ocasião. Reconhece, porém, que muita gente sente que já lá chegámos. Por exemplo, João Pedro Silva, que quando passava música com ele nas Hard Ass era conhecido como Rastronaut. “Ele está fora disto há imenso tempo, e tem uma visão meio perdida do que está a acontecer na scene”, justificava numa conversa anterior. “Já sente que o que lhe está a chegar é uma maré de baile e de pimba.” Pedro não partilha dessa opinião. “Os rótulos são muito perigosos”, sublinha. “Pode ser uma versão nova do que existe, mas não uma coisa nova, necessariamente. O meu disco é uma versão [para o] club de algo que já existia”, aponta. “Estou a dar continuidade a uma coisa que já foi feita. A entrar numa cena onde há pessoas muito maiores vivas, a fazerem isto todos os anos. Quanto muito, estou a oferecer novas abordagens e novos caminhos a um estilo que é muito nosso. Estou a ir ao popular e a tentar acrescentar algo, mas sempre referenciando e honrando o que está para trás.”

O trabalho que está a desenvolver não existe no vácuo. Vem de trás, concordamos, mas os sítios para onde está a ir lembram aqueles para onde produtores como os DJs da Príncipe levaram o kuduro, o funaná e outros ritmos afro-portugueses; ou para onde Anselmo Ralph levou a kizomba. Também para onde Kelman Duran ou Tainy estão a conduzir o reggaetón, o dembow e outras músicas caribenhas; ou para onde Rosalía e C. Tangana puxaram múltiplas músicas latinas. Pedro da Linha concorda. “A principal razão para isto acontecer é o streaming”, diz. “A internet mudou tudo.” Há também, arriscamos, uma vontade de encontrar raízes num mundo cada vez mais global e assolado por uma epidemia de solidão. É inevitável que quem vê esta atomização social a destruir a sua saúde (física e mental), ou daqueles em seu redor, se sinta tentado a procurar curas e soluções em sítios menos óbvios – na pequena tasca onde todos se conhecem, nos bailes populares de um interior efabulado. Já estamos por tudo, e tentar não custa.

“Mostrei as canções do EP a várias pessoas que disseram que lembravam X ou Y. Se alguém ouve esta música e se lembra de algo que ouviu há 20 anos, isso é bué fixe”, considera Pedro. “Este EP é o primeiro para mim de um caminho que quero percorrer nesta questão do popular e tudo o mais. Ainda é muito quadrado, ainda é muito club, ainda é uma mescla de muitas coisas. O próximo que quero fazer já é mais cru, já é mais aquilo que ouvirias numa recolha de 74. O bonito é como vou fazer essa recolha soar a algo que podes ouvir num club, mas sem usar os truques que já sei fazer. É esse o desafio.” Não vai ser fácil. “Ainda bem. Gosto de me sentir desconfortável. Estar confortável é a pior maneira de fazer o que quer que seja de novo.”

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“Vinte Vinte” foi o gatilho para Ana Moura deixar a editora Universal, trocar de agente e rodear-se de novos colaboradores. Muitos duvidaram dela, mas não vacilou. Irredutível, passou os últimos anos a construir, com Conan Osiris e os Pedros da Linha e Mafama, a sua Casa Guilhermina, declaração de intenções, testemunho de coragem e vitalidade artística, disco de ruptura.

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