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Afinal, é ou não possível apanhar uma bebedeira de gelados alcoólicos?

Escrito por
Tiago Neto
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A Gelatto Davvero trouxe para Lisboa os cocktails de gelado em 2018. Desde então, a pergunta na mente de todos os lisboetas é esta: será possível ficar com os copos sorvendo copinhos de gelado? Fomos até ao Cais do Sodré provar e tentar encontrar uma resposta.

Passava pouco das 14.00 quando decidi pegar no telefone e ligar a amigos. É Sábado, um dia em que, aparentemente, toda a gente tem planos à tarde, a julgar pelas respostas que tive do outro lado da linha quando expliquei o meu plano meio atabalhoado. “Como assim?”, ouvi repetidamente, seguido sempre de gargalhadas e de um “tens o melhor trabalho do mundo” assertivo. Não tenho.

Mas é certo que há pior. Podia passar um Sábado a serrar lenha, a preparar processos de seguros para dar entrada online – como já fiz, e nada contra –, ou um outro sem fim de actividades consideravelmente mais monótonas. Não. O meu plano era mais ousado, menos dado ao trabalho de corpo num todo e mais focado numa só zona: eu ia comer gelados alcoólicos da Davvero para perceber a facilidade, ou dificuldade, em ficar bêbedo.

Não que eu carregue o título de especialista da causa da ingestão de álcool – vulgo o tipo que se orgulha de beber em quantidade muito superior ao comum dos mortais, mesmo quando a situação não o requer – mas, em boa gíria, “tenho ido aos treinos”, e portanto, quando em reunião de redacção alguém lançou um “e se”, o único braço a levantar-se foi o meu. Prontamente. E com ele, a invisível medalha do bêbedo da redacção foi ganha.

Saí de casa em sobressalto, numa torrente de autoconsciência que só é possível a quem ainda tem alguma noção. “São cinco e pouco, vou a caminho do Cais do Sodré para ver se consigo virar a barcaça a comer gelados feitos com bebida”, pensava repetidamente. A vida tem de ser mais do que isto.

Percebi, já perto do destino, que a minha paranóia tinha salvação: o Arraial Pride estava a acontecer em força logo ali, na Praça do Comércio, e eram muitas as caras que estavam longe de soprar gloriosamente num qualquer teste de balão, se assim fosse preciso. Perfeito. Cheguei, fumei um cigarro, avaliei a situação à entrada. A Davvero da rua cor-de-rosa tem o seu q.b. de bar, ideal para que tudo aquilo não pareça uma sequência bizarra de pessoas que, à falta de melhor, decidem antecipar a noite com coragem líquida à colher.

Fotografia: Duarte Drago

Lá dentro, o espaço divide-se entre a zona da gelataria dita normal e a parte do balcão de bar, onde os copos se enchem de tudo o que achamos aceitável ressacar no dia seguinte. É aqui que estão as especialidades alcoólicas, expostas na parede como dois tambores de revólver, oscilando entre a lista dos 2€ e a dos 2,50€. Mesa escolhida, fomos ao balcão iniciar a investigação.

“Two mojito ice creams, please”, disse no tom mais descontraído possível, para não denunciar o que obrigatoriamente seria uma sequência de prova. Um para mim e outro para o amigo que alinhou sem merdas nisto. Primeira colherada. Ok, estamos mesmo perante um mojito em bola. A pender para o ácido, mas era difícil não perceber o que ali estava. A seguir veio o Jameson ginger ale (2,50€), uma blasfémia para qualquer amante de uísque – tal como escrever uísque –, mas que “resulta bastante bem”, digo eu numa altivez de pseudocrítico sem qualquer conhecimento de causa a não ser a facilidade com que tudo aquilo vai deslizando garganta abaixo. Ritmo.

Ritmo é a chave para ser bem-sucedido. E não comer nas horas que antecipam o feito ajuda sempre – pensei. Apostámos no de gin tónico para o terceiro round. Bem escolhido. Forte, verdadeiro, com kick suficiente para me levar de volta ao Lux numa alucinação meio Delírio em Las Vegas meets Cais do Sodré 17.00. Pouco a acontecer. “É impossível ficar dobrado com isto”, murmurei.

Voltei ao balcão decidido a acabar com a fraude alcoólica. “É mesmo possível ficar bêbedo com isto?”, perguntei. “Claro que sim”, respondeu-me a rapariga entre sorrisos, “todos eles levam uma boa quantidade de álcool, mas se quiseres um forte, prova o old fashion (2,50€)”. Bourbon, angostura, 40% de volume, parece-me bem. Foi abaixo rápido mas não foi indolor. Sentia-se, de facto, o álcool. O suficiente para puxar da cara chupa-limão uma primeira vez.

Fotografia: Duarte Drago

Passámos, por sugestão do meu colega de luta, ao de medronho. “Hello darkness my old friend” ecoava a minha cabeça. Se há coisa que não consigo fazer quando regresso à terra dos meus pais – ou quando estou perante uma figura respeitável que saca da sua aguardente pós-refeição – é mandar aquilo abaixo como quem bebe suminho. O corpo contorce-se, o estômago grita. Prefiro, se me derem a escolher, despejar um limão nos olhos e cheirar sal.

Mas estava sozinho nessa luta, a julgar pelo “este gelado de medronho podia ser vendido a crianças” que me deitaram para cima. Por esta altura regressamos ao balcão para mais uma rodada. Falta pouco para provar tudo e agora vou para um clássico: Licor Beirão (2,50€). Já de moedas em riste para meter as mãos num dos favoritos, chega-me a pergunta para um milhão: “vais conduzir?” – “não”, respondo logo. “De certeza que não?”, insiste ela. “Não, não vou mesmo, a sério.”

A paranóia regressa. “Pareço bêbedo?” – pergunto já de volta à mesa. “Não”, dizem-me. Não impressionou. Não que não beba Beirão sem apetrechos de gelo e limão, bebo, mas em gelado a fórmula parece mais um xarope saído do frigorífico que nos dizem para beber aos seis anos porque “tem de ser”. Subitamente começo a sentir a diferença. Não que esteja bêbedo, não estou, mas não estou igual ao que vim.

“Fechamos isto?” – perguntei. Repetimos a dose, Jameson ginger ale para terminar, para lavar a boca, para voltar a ser feliz por saber que, neste sábado, não fui à praia, não fui ao brunch, não fui arrumar a casa. Mas fui tentar ficar bêbedo com shots de gelado. E pouco faltou para o conseguir.

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