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ModaLisboa: à mesa com Constança Entrudo e o regresso de Dino Alves

No último dia de ModaLisboa, Constança Entrudo serviu o pequeno-almoço. Sem jantar, Dino Alves regressou à passerelle lisboeta.

Mauro Gonçalves
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Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
ModaLisboa 58 Constança Entrudo
© Francisco Romão PereiraConstança Entrudo
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"Na verdade, só vos queria convidar para um pequeno-almoço para conhecerem melhor o meu mundo, as minhas referências". Mais do que um talento já evidente na área design, Constança Entrudo mostra que sabe receber. Ao final da manhã, as portas do hotel Iberostar Selection, na Rua Castilho, abriram-se para imprensa e convidados. Numa sala, esperava-nos um quadro vivo. Em vez de um desfile convencional, os modelos circulavam entre mesas, conversavam ocasionalmente entre si, posavam para as câmaras com naturalidade, numa espécie de bailado ao compasso de "In the Mood for Love", tema principal do filme de Wong Kar-wai com o mesmo nome.

Com fragmentos do moodboard espalhados pela sala e a ausência de barreiras entre o público e as mais recente criações, Entrudo parece mesmo querer esbater barreiras físicas e conceptuais em torno do seu trabalho. "Sinto muitas vezes que na moda e na arte as referências são escondidas. No meu trabalho são óbvias, aqui principalmente por ser uma colecção muito visual, talvez menos conceptual até", continua.

ModaLisboa 58 Constança Entrudo
© Francisco Romão PereiraConstança Entrudo

O Outono-Inverno de 2022 inaugura uma nova fase para a designer. Com uma equipa maior (actualmente, o atelier em Lisboa ocupa seis pessoas a tempo inteiro), Entrudo faz uma aproximação às tipologias mais elementares do vestuário ou, como lhes chama, aos "arquétipos absolutos do guarda-roupa quotidiano". Uma saia em feltro, um vestido de seda, umas calças de ganga ou um casaco puffer entrelaçado manualmente — "o mundo" de Constança Entrudo está menos experimental e mais próximo de quem o observa de fora.

"Tentei não ir buscar uma referência específica a uma época histórica ou a um tipo de vestuário. Pensei mais no dia-a-dia, nesses arquétipos e em adaptá-los aos meus materiais. No fundo é o que gosto de fazer", refere. As técnicas saem realçadas pela aparente simplicidade da construção das peças. O mesmo pode dizer-se das cores escolhidas, entre elas o preto, muito pouco usado anteriormente pela designer. Algumas peças, ganham tridimensionalidade através de círculos de lã mohair aplicados sobre feltro ou seda, conferindo-lhes relevo. As mesmas formas surgem ainda sob a forma de pintura manual — uma inspiração directa das obras abstractas de Adolph Gottlieb.

A técnica ocupa um lugar cimeiro dentro do estúdio da marca, que se assume como um espaço, de certa forma, laboratorial. Algumas experiências atravessam estações — o objectivo é o aperfeiçoamento. "Num trabalho com uma base tão experimental, foi preciso muito tempo para aprimorar muitas destas técnicas e melhorá-las. Mas muitas vezes os materiais não resultam da forma que eu imaginei. Parte do nosso dia é passado a arranjar soluções para as peças serem mais usáveis. No início não achava que fosse tão importante, mas agora é uma prioridade", remata.

ModaLisboa 58 Constança Entrudo
© Francisco Romão PereiraConstança Entrudo

Também a relação com a indústria se estreitou. Além da "pequena fábrica" que diz ser o atelier de Lisboa, muitas peças já são produzidas no norte do país. Para 2022, a marca Constança Entrudo tem os planos alinhados: uma colecção cápsula de vestuário para ballet em colaboração com a plataforma Ssense, mais do que um projecto a envolver a Companhia Nacional de Bailado e a continuação de uma incursão pelo mundo dos interiores, isto além de uma estratégia de consolidação após o crescimento do último ano.

Em Los Angeles, a presença está garantida através de um showroom. Paris espera pela designer portuguesa já na próxima estação. Por enquanto, em Lisboa, continuam a ser horas de tomar o pequeno, numa mesa posta pela The Millstone Sourdough de David Jesus, chef executivo do Belcanto, e Sandra Freitas. Um trabalho conjunto que resultou num cruzamento de moda, arte e gastronomia, prova de que a jovem Entrudo continua a querer explorar outros territórios. Mas para já, bom apetite.

Os clássicos de Nuno Gama e a sensualidade de Gonçalo Peixoto

Ao início da tarde de domingo, último dia da 58.ª edição da ModaLisboa, as atenções voltaram a estar sobre o Hub Criativo do Beato. Sem performances ou encenações, Nuno Gama reiterou a estratégia see now, buy now e apresentou a colecção do próximo Verão. Numa ode ao casaco — peça central no desfile, mas também no léxico do criador —, Gama explorou possibilidades de elegância, jovialidade e sensualidade, jogando com diferentes materiais, texturas, cortes, acabamentos e aplicações. O branco e o bege predominaram na passerelle. Entre blazers e blusões, nada representa melhor a marca do designer português do que um bom casaco.

ModaLisboa 58 Nuno Gama
© Francisco Romão PereiraNuno Gama

Pouco tempo depois, foi a vez de Carolina Machado. Fiel ao equilíbrio entre clássico e desportivo, a principal aposta da jovem designer da plataforma Lab vai no sentido de um guarda-roupa intemporal, capaz de sobreviver a tendências. A formalidade dos fatos e os elementos de camisaria conviveram lado a lado com malhas confortáveis e conjunto ao estilo pijama. No rol de materiais voltaram a estar malhas recicladas e tecidos de stocks parados.

ModaLisboa 58 Carolina Machado
© Francisco Romão PereiraCarolina Machado

Também Carlos Gil partilhou do mesmo palco, fazendo desfilar um batalhão branco, bege e dourado. A tridimensionalidade do origami foi transversal a toda a colecção, através de encaixes que permitiram a designer combinar diferentes materiais e de elementos geométricos.

ModaLisboa 58 Carlos Gil
© Francisco Romão PereiraCarlos Gil

Ao final da tarde, a sala de desfiles encheu-se para aquele que é já um dos momentos mais antecipados. Gonçalo Peixoto evocou os roaring twenties, não só enquanto período de êxtase geral, mas sobretudo como momento de libertação feminina. A sensualidade fez, necessariamente, parte da equação, embora o designer tenha feito um reequilíbrio entre o party wear das últimas colecções e o streetwear glamoroso das suas origens enquanto criativo. Peças em ganga preta, casacos puffer curtos e saias tubulares criaram um contraste desejado com materiais brilhantes, franjas e folhos. A fechar o desfile, transparências, glitter e plumas.

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© Francisco Romão PereiraGonçalo Peixoto

Luz e escuridão foi a oposição que serviu de ponto de partida a Valentim Quaresma, outro dos criadores nacionais a desfilar neste último dia de ModaLisboa. A partir de desperdício têxtil, o designer construiu peças orgânicas e fluídas e voltou a insistir na ideia de contraste ao combiná-las com a rigidez das joalharia feita em alumínio.

ModaLisboa 58 Valentim Quaresma
© Francisco Romão PereiraAna Salazar no desfile de Valentim Quaresma

O negro voltou a ser predominante, embora entrecortado pela luz de tonalidades vivas de amarelo, verde e vermelho. O casting de manequins inclui uma presença inesperada. Ana Salazar voltou a pisar a passerelle da ModaLisboa, desta vez convidada a desfilar por um amigo de longa data.

O regresso de Dino Alves

Passaram dois anos desde que Dino Alves, um dos pesos pesados da moda nacional, desfilou pela última vez na ModaLisboa. O regresso, honrando a tradição de ser o responsável por fechar o calendário, não passou despercebido — por se tratar de um dos mais longevos protagonistas do evento lisboetas, mas também porque estendeu uma longa passadeira vermelha no exterior do edifício e fez dela a passerelle. "Parei nas últimas edições porque achei que não tinha as condições ideais para estar a fazer um desfile — pelas condicionantes [da pandemia], mas também pela falta de meios orçamentais", explica o designer.

Para Dino Alves, regressar à ModaLisboa foi possível graças a um patrocínio. A Betclic, plataforma de apostas desportivas, desafiou o designer a desenvolver uma colecção inspirada no basquetebol. Este, por sua vez, respondeu com um trabalho fortemente influenciado pelas modalidades desportivas, ainda que povoado pelos elementos que lhe são característicos — elásticos, cintas de segurança, acolchoados e frisos em tule. Upcycling e o recurso a fibras recicladas voltaram a estar presentes na colecção.

ModaLisboa 58 Dino Alves
© Francisco Romão PereiraDino Alves

"Se não fosse a Betclic, talvez não tivesse feito esta edição", admite. A relação entre o criador e a marca não fica por aqui. A empresa alia-se à moda através da criação do Betclic Collective, projecto que contará com colecções cápsula e com o rosto de alguns atletas nacionais e que terá Dino Alves como director criativo. Questionado sobre a próxima estação, o designer continua a mostrar reticências. Sem confirmar um novo patrocínio, parece que a bola está mesmo do outro lado.

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