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Ainda não são sete da tarde e a sala já está composta – quase cheia, na verdade. O restaurante está aberto há quatro meses e já não há praticamente espaço para acomodar clientes de última hora. No Familjen, mais do que sagrada, a reserva é essencial. Duas pessoas, ainda que bastante atarefadas, são suficientes para dar conta da sala. Afinal, é pequena. Na cozinha, completamente aberta e ainda com um pequeno balcão com lugar para duas pessoas, está Petter Nyström, um chef sueco que durante mais de 20 anos viveu e trabalhou em Oslo, na Noruega. Em Lisboa, fez nascer o restaurante dos seus sonhos.
"O mais importante para mim era que, no Familjen, nos sentíssemos em casa, estando longe de casa. O nome significa 'família' em sueco e essa ideia atravessa todo o espaço. É uma homenagem à minha mãe, à minha mulher e aos meus filhos, mas também à ligação que esperamos criar com os nossos clientes", começa por introduzir Petter.

O menu é curto e está fixado na porta – três entradas, cinco pratos, uma sobremesa e dois cocktails de assinatura a somar a uma carta de vinhos naturais e de baixa intervenção. Mais do que multiplicar as opções de quem se senta numa destas mesas, Petter construiu uma experiência gastronómica centrada no sabor. Em Portugal, descobriu novos ingredientes, para trás deixa um rol de cozinhas nórdicas – do Bagatelle, o primeiro restaurante em Oslo a ter duas estrelas Michelin, ao Holzweiler Platz, onde ocupava o posto de chef executivo quando decidiu rumar ao sul da Europa com a família.
"Começo sempre pelos ingredientes", declara. "A partir daí, é dar a cada prato o máximo de vida. Adoro contrastes: doce e salgado, intensidade equilibrada com acidez. Prefiro ter menos elementos num prato, mas que cada um deles brilhe e traga algo único", explica. E há uma entrada que reflecte na perfeição a fórmula de Nyström – uma tempura de couve kale, seca e estaladiça, com um molho de pimento fumado (picante) para encharcar a gosto (8€). Por cima, um pó de framboesa confere ao petisco o grau desejável de acidez. À primeira dentada, este trio de sabores pouco óbvio revela-se vagamente celestial.

Na mesma secção do menu, encontramos as azeitonas (4€) – grandes, verdes e gralhadas –, e ostras (3,50€), também elas passadas pelas brasas, temperadas com um molho de endro, provavelmente a rainha das aromáticas na cozinha escandinava. "Tal como aconteceu com o espaço, também na comida andei quase um ano a tentar perceber se queria uma coisa mais refinada ou não. No final, foquei-me só nos sabores que adoro, sem regras muito rígidas. Há toques nórdicos aqui e ali, mas a minha inspiração é global. É do que gosto – picante, acidez e combinações improváveis", continua o chef.
Findas as entradas, chega-nos à mesa um pouco mais da história de Petter. Aos 12 anos, decidiu que queria ser chef, depois de uma experiência promovida pela escola na cozinha de um restaurante. Estudou no sul da Suécia e rumou a Oslo, onde rapidamente percebeu que o fine dining não era coisa que lhe interessasse. Mais de duas décadas depois, na hora de abrir o primeiro restaurante, não hesitou e recuperar uma antiga fotografia de família. "Nessa imagem, a minha mãe está a agarrar-me ainda bebé e escreveu: 'a primeira foto da família completa'. É daí que vem o nome, o logotipo e a âncora emocional do restaurante", revela. Numa cozinha demasiado pequena para a tradicional hierarquia, Petter tem um braço direito. É Matheus Brito, um jovem chef brasileiro que se chegou à frente, depois de ter passado pelo Belcanto de José Avillez e pelo Semea de Vasco Coelho Santos (Porto).

A sala lota e a refeição prossegue com um sashimi de lírio, molho de pimenta-caiena e erva-príncipe (18€). O prato que a seguir chega à mesa é, na verdade, uma tigela. Chama-se Shish Squash (15€), um ninho de curgete regado com molho zhoug e manteiga noisette e ainda gema de ovo, sementes de coentro, jalapeño e chalota. Not a Caesar Salad (15€) é outra das opções vegetarianas servidas pelo chef. São pequenas folhas de alface-romana grelhada com pistáchio e pétalas de rosa em pickle.
Num menu curto e dinâmico, é fácil fazer alterações – sejam elas em função dos produtos da época, ou para dar lugar a novas ideias. Mas nem todas as mexidas são bem vistas. Petter conta que no dia em que tiraram a tempura de couve kale da ementa, os clientes fizeram-se ouvir. Resultado: a entrada voltou logo a seguir. "Ao mesmo tempo que queremos um menu em constante evolução, tentamos que as mudanças não sejam assim tão frequentes. Alguns clientes voltam para comer o que mais gostaram ou para provar algo que viram no Instagram. Por isso, também é bom ser um pouco previsível", comenta.

O espaço foi concebido para fazer as pessoas sentirem-se em casa. As paredes e o tecto foram deixados em bruto. São as loiças e o mobiliário a garantir o ambiente acolhedor, principalmente a mesa comprida, de desenho ondulante, construída por Vasco Fragoso Mendes. Para grupos ou para partilhar com desconhecidos, é responsável por gerar calor humano à hora de jantar. Numa fórmula que equilibra conforto e ousadia, outro dos pontos altos é a casa de banho do restaurante, onde há marcadores à disposição de quem quiser deixar a sua marca nas paredes.
Numa rápida passagem pelos cocktails, a escolha divide-se entre o Licence to Dill, uma receita de akvavit (aguardente escandinava), vermute, limão e o velho amigo endro, e a Wilma's Spicy Margarita, preparada com tequila, lima, agave e malagueta fumada. Custam ambos 12€.

Existem outros dois pratos: os carabineiros com molho nam jim (24€), acompanhados por buns feitos a vapor, e o bife tártaro (21€), receita com compota de tomate assado e rábano-picante, auxiliada por roti, pão indiano ainda mais fino do que naan. Sobremesa só há uma e vai mudando ao sabor da criatividade da cozinha. A mais recente tem dois ingredientes principais: maracujá e flor-de-sabugueiro (9€).
Com quatro meses de vida, o Familjen quer dar a provar novos pratos. Petter garante que, dentro da cozinha, tem criatividade para dar e vender e que criar novas receitas com os ingredientes à disposição não é uma dificuldade. "Não excluo a possibilidade de ter um segundo espaço, talvez algo ainda mais descontraído, para almoços. Mas teria de ser autêntico e um complemento ao que fazemos aqui. E sem penalizar o nosso espaço original. O que faz do Familjen especial é o facto de estar sempre aqui com as mãos na massa", remata.
Rua do Machadinho, 56 (Madragoa). Qua-Dom 18.00-00.00
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