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David da Buraca

  • Restaurantes
  • Benfica/Monsanto
  • 3/5 estrelas
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A Time Out diz

3/5 estrelas

O restaurante fundado há 55 anos continua a servir centenas de pessoas por dia. Alfredo Lacerda foi lá revisitar a instituição.

Há duas coisas de que gosto muito no David da Buraca. Uma é permitir-me responder a uma das perguntas mais difíceis na vida de um crítico gastronómico: “Onde é que se janta com 15 pessoas, em Lisboa, a uma sexta-feira?” 

A outra coisa de que gosto no David da Buraca é do David. 

David Alves Rodrigues era da aldeia de Estorãos, em Ponte de Lima, não da Buraca. A sua história é a de muitos outros meninos minhotos, que tiveram o azar de nascer pelos anos 1940, nesta espécie de país entalado entre o Atlântico e Espanha. 

Na idade para lhe começar a nascer o buço, David foi enfiado num comboio em direcção a Lisboa. Chegou sozinho e à sua espera tinha um tio austero. Nos primeiros tempos, quando não estava a distribuir carvão pelas casas de pasto do Príncipe Real, David passava o tempo a chorar, com saudades de casa. 

O hábito travou-lhe as lágrimas, eventualmente, e o rapaz acabou por se fazer homem cedo e, depois, restaurador. Teve três filhos, um deles falecido aos 21 anos. Maria Matos, sua companheira de tantas décadas quantas as do restaurante (cinco), permanece a guardiã de todos eles, do receituário e do complexo alimentar (também tem um pavilhão para casamentos e afins) da Estrada da Buraca. 

A descendência de David está envolvida no restaurante e parece querer manter a dignidade e o respeito reclamados pelo fundador. Um amigo meu, empregado de mesa no David da Buraca, contou-me há dias: “São gente boa. Passam aqui todos os dias. Tratam bem os empregados”, disse, quando lá fui num sábado, ao almoço. 

A visita foi a primeira depois de David morrer. Estivera lá em 2021, e, em 2022, David Alves Rodrigues sucumbiu, com 82 anos de idade. Achei tudo igual, mesmo se agora me instalaram numa das salas dos fundos, com um almoço de grupo. Almoçar com um grupo ao lado é como dormir com obras na casa do vizinho de cima, com a diferença de que as obras não guincham como crianças mimadas. 

Fiquei danado, também porque gosto mesmo da sala principal da entrada, onde está a cozinha aberta, as paredes em tons desmaiados, a meia luz, como seriam as casas de pasto de antigamente, efeito vetusto acentuado pelos empregados de mesa vestidos a branco e preto. 

Sucede que o David da Buraca tem muitas salas e, aparentemente, continua a ter muita gente. “Aos domingos, ainda não é meio-dia e já fazem fila à porta”, concretiza o meu amigo, apostando que, com todas as salas abertas, haverá uns 600 lugares sentados, mais do que os habitantes de Estorãos.

No David é tudo em grande e isso vê-se nos panelões fumegantes sobre os fogões, ou nas grandes fritadeiras industriais, ou nas travessas de pernil – porventura o prato que mais sai, hoje em dia. 

Surpreende, por essa dimensão, que as azeitonas sejam das verdadeiras, temperadas de alho e salsa fresca; que o pão esteja estaladiço (felizmente, tiraram-no do saco de plástico); que os carapauzinhos, não se apresentando já crocantes, surjam secos e saborosos. 

Mentiria – todavia – se ocultasse os atalhos, alguns deles à boa maneira das cantinas tradicionais portuguesas. A saber:

O arroz de feijão vem a saber a polpa de tomate e tem pouco de tudo o resto. Ao pernil falta-lhe também tempero e molho e suculência. As batatas assadas, bolinhas perfeitas e pré-descascadas, estão já cozidas. O polvo assado à lagareiro tem pouco do lagar, e vem tenro mas resfriado. Nas sobremesas, o doce da avó tem uma camada suspeita de doce de ovos da cor de bolas de ténis por estrear. 

Ou seja, há atalhos no David da Buraca, mas nada é mau o suficiente para não irmos lá, uma vez que seja, conhecer a instituição e, eventualmente, até, sair de lá com um livro de receitas da casa, edição de autor de Maria Matos, esposa de David. 

O serviço está a cargo de rapaziada da velha guarda, formada em piadas profissionais nalguma instituição do Cais do Sodré, com tantos horários repartidos quantos os dias de vida, mas também de gente mais ou menos inexperiente saída à força das bolsas do Instituto de Emprego e Formação Profissional.

Quanto à factura, paguei 18 euros por cabeça, sem vinho. Pelo preço, consigo almoçar melhor noutras casas de Lisboa. Mas para quem quiser jantar com mais 15 amigos barulhentos e de alimento, o David pode ser o restaurante certo.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Estrada da Buraca, 20
Lisboa
1500-118
Preço
15€-20€
Horário
Qua-Dom 12.00-15.00/ 19.00-22.00, Seg 12.00-15.00
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