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Davvero

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  1. Davvero
    Mariana Valle Lima
  2. Davvero
    Mariana Valle Lima
  3. Davvero
    Mariana Valle Lima Tagliatelle caseira fresca com estufado de novilho e porco ibérico (22€)
  4. Davvero
    Mariana Valle LimaMilanesa (28€), uma costeleta de porco Ibérico panada
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A Time Out diz

3/5 estrelas

O restaurante do Sublime Comporta em Lisboa fez Alfredo Lacerda recordar-se de um clássico das Amoreiras (e de como o seu rendimento médio continua o mesmo).

Há muitos anos que a Rua da Artilharia 1 é a zona dos italianos. La Campania, La Trattoria, Il Mercato, Forno d’Oro, agora este Davvero. São muitos e foram mais. 

O meu italiano preferido de Lisboa também morou lá. Chamava-se Mezzaluna e, no seu tempo, algures na mudança do milénio, era um ninho de políticos com mundo, actores com dinheiro e publicitários com cocaína. 

Quando lá fui pela primeira vez, um rapaz de 20 e poucos anos, não tinha nada disso. Estava a iniciar-me no jornalismo e quem me levou foi S., uma assessora de imprensa arguta, que cedo percebeu que a melhor forma de traficar informação privilegiada com o jovem repórter seria através do estômago. 

Não terá havido grande proveito jornalístico-político na estratégia, mas a verdade é que S., mulher de esquerda perfumada, com um fraquinho por restaurantes de direita, haveria de compartilhar outras mesas comigo. 

Progressivamente, a conversa começou a desviar-se das vicissitudes da governação para as incidências da colheita anual de trufa em Piemonte e S. tornou-se minha amiga e eu estar-lhe-ei para sempre grato por ter tomado conta dessa factura do Mezzaluna, uns 40€ por cabeça, e me ter iniciado em iguarias estrangeiras. 

Haveria outros italianos razoáveis em Lisboa, em 2000 (Casanostra ainda em forma, por exemplo). Mas nenhum tinha a energia dada pelo chef Michele Guerrieri. Guerrieri era napolitano e não um empresário tuga deslumbrado com Milão e Veneza. E era um perfeccionista, fazia tudo bem.

[Um dos meus livros de cozinha preferidos editados em Portugal (pelo Público) chama-se Mezzaluna e foi publicado por Guerrieri.] 

Com espanto, o Mezzaluna fechou abruptamente. O chef italiano optaria por deixar as finanças apertadas de um fine dining de 30 lugares em Lisboa para abraçar o negócio das sandes num fast food de Nova Iorque, que ainda gere. 

Lembrei-me do Mezzaluna porque o Davvero podia ser o novo Mezzaluna. 

Senti isso quando lá entrei. A dimensão é parecida (menos de 30 lugares), a aura idem. Divisórias em vidro fosco, toalhas branquíssimas, garrafas de vinho na decoração (lista com grandes bazucas italianas e escolhas seleccionadas portuguesas), os pratos clássicos alinhados em antipasti, primi, secondi; os nomes em italiano, nomes compridos cheios de is, nomes como Melanzane Grigliate con Formaggio di Capra e Pomodori Saltati (encurtado no Davvero para Parmigiana di Melanzane). 

Mas também demorou pouco a perceber que a dinâmica não é a mesma, que o coração não bate da mesma maneira, mesmo que haja um coração grande no chef da casa, Isaac Kumi. 

Não houve nada de verdadeiramente errado na carbonara (tirando vir resfriada, ponto crítico da receita de qualquer carbonara: conseguir o prato quente sem que o ovo, acrescentado no fim, coza). E também não se pode dizer que o tagliolini — um gratinado de esparguete, presunto e parmesão — fosse incorrecto; ou que o carpaccio de beterraba não estivesse fresco e saboroso; ou que a tranche de robalo (29€ por um rectangulozinho) não fosse de peixe de mar de qualidade (embora com um molho de alcaparras e anchovas plano). 

Também não vi nada de mal na panacota, nem na fruta do dia, diversificada e fresca, que acompanhou um dos menus de almoço do dia (30€, prato e sobremesa); ainda que não possa dizer o mesmo da ausência do ex-líbris da casa, o tiramisù (“Hoje, não temos tiramisù”. Como! Por Júlio César!) ou da tarte de requeijão, seca e sem expressão. 

Os problemas, verdadeiros, são dois. Primeiro, já não estamos em 2000. Lisboa mudou. É difícil compararmos o que comemos agora com o que se comia há 20 anos, como é difícil compararmos a Lisboa gastronómica de então com a de hoje. A verdade é que não há nada neste Davvero que me deixe fascinado, surpreendido — para além de um papelinho apresentado no final da refeição, onde se incluía já no total uma gratificação de 8,5% (havemos de falar sobre isto). 

O que leva ao segundo problema. O dinheiro. Pagar quase sessenta euros por massinhas médio-mais, com um copinho de vinho, numa sala triste de yuppies da Deloitte e engravatados das Amoreiras, servidos por empregados que não dominam nem o mangiare, nem o parlare, é caro. 

Em síntese. O Davvero nasceu para impressionar gente rica e estrangeiros a viver em Portugal que não se importam de pagar o mesmo na Comporta e em Lisboa do que pagam em Londres. Nesse campeonato, todavia, haverá na cidade cozinhas e salas mais impressionantes, com lavagantes e caviares e massas frescas a preceito. 

De resto, conclui-se o seguinte. O miúdo que se deslumbrou com o Mezzaluna cresceu. Mas a sua conta bancária — a do país, a de S. — nem tanto.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua Marquês de Subserra, 10
Lisboa
1070-170
Preço
50€-80€
Horário
Seg-Dom 12.00-15.00, 19.00-22.30
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