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Guelra

  • Restaurantes
  • Belém
  • 3/5 estrelas
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  1. Guelra
    Francisco Romão Pereira
  2. Guelra
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    Francisco Romão Pereira
  5. Guelra
    Francisco Romão Pereira Bacalhau ao cubo
  6. Guelra
    Francisco Romão Pereira Lichia
  7. Guelra
    Francisco Romão Pereira Tostada de camarão
  8. Guelra
    Francisco Romão Pereira Moreia frita
  9. Guelra
    Francisco Romão Pereira Maguro sando
  10. Guelra
    Francisco Romão Pereira Hamashi
  11. Guelra
    Francisco Romão Pereira Tarrte de queijo “do Guelra"
  12. Guelra
    Francisco Romão Pereira
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A Time Out diz

3/5 estrelas

Um pequeno restaurante “ocean to table” tinha tudo para encantar o nosso crítico. Mas Alfredo Lacerda foi lá e não sentiu a verdadeira brisa do mar.

Num país que tem do melhor peixe do mundo, faltam restaurantes de mar. A razão para isso acontecer é simples: é tramado gerir peixes e mariscos e nós nunca soubemos gerir coisa alguma. 

O peixe e o marisco são frágeis, efémeros e impenetráveis. Há dias comprei um besugo lindo, gordo e brilhante, o olho convexo e translúcido como uma taça de cristal invertida. Cheguei a casa e quando lhe abri a barriga soprou um odor a fénico desmobilizador. 

Sucede ainda que peixe de mar e marisco são caros, cada vez mais caros. Na praça, à excepção das sardas, a 7,50€/kg, tudo o resto custava acima de 20€/kg, com destaque para os salmonetes, a 36€/kg. 

Os peixes de mar são caros porque são poucos e esquivos. Ao contrário de alfaces e bois, que sabemos onde os encontrar, um pescador não pode garantir que amanhã vai ali atrás de uma rocha e saca um rascasso. 

É por isso que comemos sempre as mesmas espécies, quase sempre abundantes em águas longínquas, como é a garoupa. A garoupa é cara, mas garoupa africana há todos os dias. Nem que venha nessa manhã da Mauritânia, via aérea (e é bem boa). 

Quem quer cozinhar o que o mar dá, e fugir aos peixes do costume, precisa estudar, organizar-se e ter capacidade de improviso. Para se fazer isso, é preciso ser-se um cozinheiro de mão cheia, dedicado só à causa.

Quanto à conservação, sendo certo que hoje em dia já quase não há fine dinings a servir peixe acabado de pescar, é preciso mais do que enrolá-lo em papel plástico e atirá-lo para dentro de um frigorífico. As maturações de peixe, tão na moda, requerem cuidado, rigor e planeamento. 

Por fim, não menos importante: um restaurante de peixe e marisco, mais do que qualquer outro, precisa de clientes regulares, para poder rodar a matéria-prima. Não é fácil. Mesmo nesta Lisboa de expats e turistas. Não é fácil. 

Prova disso têm sido as inaugurações e as falências de casas que procuraram pôr em prática o conceito, algumas com inspirações decalcadas de Espanha, onde os melhores sítios têm uma ligação profunda ao mar e à pesca e não nasceram num escritório de empreendedor. 

Ora, este Guelra é dos restaurantes que mais claramente assumiu o “ocean to table”. Só há peixes e mariscos e tudo parece ter sido pensado ao detalhe. A localização, mesmo em frente aos pastéis de Belém, garante que há muita gente a passar à porta, sobretudo gente dos países ricos. E por trás do restaurante está a equipa do Frade, ali a 300 metros, já com um modelo de sucesso implantado. 

Visto da Internet, o Guelra seria a versão marítima do Frade, mas não é bem assim. Mal entramos percebemos que o balcão, peça central no irmão, é aqui, sobretudo, decorativo. Não é que não possa funcionar, mas não é um balcão-cozinha e não é apelativo, desde logo porque está em cima da porta. 

O espaço terá dedo de decoradora, com acabamentos de alfaiate, mas há ali um branco hospitalar nas paredes que desconforta. De resto, é tudo bonitinho e arranjado e o staff tem o trato do fine dining, levando-nos à mesa e servindo-os água Pellegrino sem salpicar. 

(Quando me servem San Pellegrino, eu sei que vou pagar bem. A San Pellegrino é uma boa água, alcalina, e custa mais 20 cêntimos do que a Água das Pedras. Mas servida num restaurante grita “isto é uma coisa sofisticada, você não sai daqui sem largar menos de 40€). 

O menu mostra juízo, porventura demasiado, a carta arrumadinha. Quatro entradas, duas delas ostras (natural e à algarvia), uma tostada de camarão (porquê “tostada”?) e uma “brandade” de bacalhau. Depois, 11 pratos anunciados “para partilhar”, coisas avulsas do mundo, nem sempre rigorosas nos termos (como o “carpaccio” de bacalhau), com passagens desde Espanha (“puntinillas”, choquinhos micro) a Itália, mas sobretudo com uma inclinação pelo Japão (tempura de algas, katso sando de atum, takoyaki de polvo).

Na mesa, percebe-se que estamos mais no registo fine dining do que em ambiente de marisqueira moderna, pratos bonitos e curtos, cheios de bolinhas e efeitos. E o criador sabe da ciência do umami e das texturas. Tudo bem apresentado, colorido, óleos da fritura limpos, com o tártaro de atum a levar a medalha da coisa mais gulosa e fresca. 

Fora os “para partilhar”, sobram três pratos principais, mas não se percebe bem as diferenças: um chama-se “o que vem à rede é peixe”, outro “pela guelra” e outro “do oceano para a mesa”. Não sei se foi de mim mas, mesmo com a ajuda do empregado, fiquei confuso, só retendo que o peixe do dia era corvina – na verdade, um peixe de todos os dias. 

Nas sobremesas, há tarte de queijo (onde, não?) e outras coisas do mundo, como os churros com toffee do mar, que me pareceram caseiros, mas não justificaram os 4,50€ cobrados.

Nos vinhos, a carta é curta, mas muito bem escolhida, com a garrafa mais barata a começar nos 25€ e poucas alternativas a copo. Quem quiser levar a sua garrafa pode-o fazer, a taxa de rolha custa 20€. 

Tudo dado e provado. Não há nada de mal aqui, mas também há pouco de incrível. Lamento sobretudo que, num restaurante português, num país que tem do melhor peixe do mundo, seja difícil descortinar uma receita onde possamos ver algum aroma a Portugal, alguma inspiração, alguma recriação digna de nota da culinária lusa. 

O que temos, sobretudo, são molhos, pastas e condimentos do mundo, das tapenades ao wasabi e ao kimchi (de compra), passando pelo Sriracha e maioneses disto e daquilo a embrulhar peixes que abundam nas arcas de congelação de Portugal e do mundo. Das poucas excepções será talvez a moreia frita, mas que veio salgadíssima. 

De resto, num restaurante de peixe e marisco, eu gosto de ver peixes e mariscos, se não vivos, pelo menos frescos e inteiros. Aqui, falta uma vitrina deles e um aquário. Falta cheirinho a mar. 

Pode ser que seja de ter aberto há pouco mais de três meses, todavia. Vamos lá voltar. Porque a cozinha sabe cozinhar. E porque precisamos de restaurantes de mar.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua de Belém, 35
Lisboa
1300-315
Horário
Ter-Sáb 12.00-23.00, Dom 12.00-19.00
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